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Metáfora da chuva desperta nas crianças o sentido da renovação 

Sinopse

Com “Maria dos Ceús”, a Cia. Fios de Sombra faz chover de verdade no palco para falar dos ciclos da vida e do tempo certo de cada coisa

Por Dib Carneiro Neto

Foi-se o tempo em que bastava comprar uns fantoches, enfiar pelos dedos e mãos e, assim, dizer que se fazia teatro de bonecos. Teatro de animação, no Brasil, hoje, é tudo o que sempre deveria ter sido: um teatro meticuloso, técnico, um teatro da delicadeza, da poética sensível, da precisão dos movimentos e do cuidado estético. Um teatro em que boneco respira, expressa sentimentos, ações físicas e até… vontades próprias.

Com mais de dez anos de trajetória. a paulista Cia. Fios de Sombra é uma dessas digníssimas representantes da seriedade com que nossos artistas aprenderam a encarar (e praticar) essa tão milenar forma de se fazer teatro. Não é exagero dizer que a trupe, capitaneada pelo ator, diretor, manipulador, cenógrafo e iluminador Lucas Rodrigues , é uma das principais expoentes do teatro de formas animadas no Brasil.

Durante este mês de agosto, no Sesc Pinheiros, em São Paulo, a Fios de Sombra está apresentando o  seu mais novo espetáculo, Maria dos Céus, com sessões somente aos domingos, em dois horários, às 15h e às 17h. Dona Maria, que ganha vida nas mãos da atriz bonequeira Paloma Barreto, é uma senhora que cuida de uma árvore, que ela mesma plantou, viu nascer e crescer. Mas a falta de água preocupa Maria, que passa seus dias cuidando de sua “companheira”, com os poucos recursos que lhe restam. Até que só lhe sobra pedir aos céus que a chuva caia.

Parece uma trama linear muito simples – e é. Porém, como toda boa dramaturgia para crianças, as metáforas estão ali para falar de muito mais do que o raso da trama – afinal, as crianças são muito capazes de decifrar essas metáforas, porque – bem mais do que os adultos – são abertas a novas imagens, novas proposições e a viajar pelos meandros da imaginação até chegar à mais profunda das realidades.

Sociedade imediatista

Com duração de 40 minutos, Maria dos Céus fala do tempo das coisas, fala de ciclos que começam, terminam e recomeçam. Fala das relações que cultivamos, das transformações e dos sonhos. “A gente tem vivido em uma sociedade cada vez mais imediatista que espera uma reação instantânea a cada toque que dá nas telas, buscando cada vez mais um reflexo de si”, analisa o ‘faz-tudo’ Lucas Rodrigues, que assina a dramaturgia, direção, operação técnica, iluminação, cenografia, produção executiva, mecanismos e adereços do espetáculo.

Foto Ricardo Lima

Ele prossegue: “Falar sobre o cuidado e o olhar para o outro e sobre o tempo das coisas acaba por refletir naturalmente as transformações que existem em tudo, inclusive em nós mesmos. É importante, não só para as crianças, entender que existe um ciclo natural, em que as coisas começam, terminam e começam de novo, muitas vezes de formas diferentes e cada uma a seu tempo.” E sabiamente arremata: “Respeitar o tempo das coisas e das pessoas é fundamental para que possamos sonhar e existir.”

Chuva no palco

Maria dos Céus acompanha uma tendência da dramaturgia para crianças que é a de retratar personagens idosos, seguindo aquela antiga sabedoria de que, depois de velhos, voltamos a ser crianças novamente. Escolher uma personagem idosa como protagonista virou mais comum do que se imagina nas peças de censura livre.

Lucas comenta sobre isso: “Em uma peça que fala sobre ciclos, ter uma personagem madura pode parecer algo bastante óbvio, mas em momento nenhum Maria se acerca dos estereótipos ligados a essa faixa etária. Ela traz dentro de si a serenidade da experiência e, ao mesmo tempo, a leveza e a pureza das crianças, criando uma bonita relação de cumplicidade com o espaço onde vive e tudo o que a rodeia.”

Como se trata de uma companhia especializada em teatro de sombras, impossível não ficar curioso, sempre, pelo que há de avanço nessa técnica em cada um de seus espetáculos.

O diretor responde prontamente: “Desta vez, as cenas criadas a partir dessa técnica simbolizam alguns instantes vividos pela personagem dentro de sua casa. Nesses momentos das sombras, quebramos a barreira da fisicalidade das coisas e criamos ações de maneira poética e representativa, usando recursos que se aproximam da linguagem cinematográfica, como zoom, transições de imagens, texturas – tudo isso a partir de elementos simples e artesanais.”

Sem spoiler

Já que Maria quer chuva para sua árvore amiga, ao final a chuva vem – e isso não é spoiler, segundo Lucas. Para ele, saber antes que vai chover realisticamente no palco não estraga o impacto, a emoção da cena. “Chover no palco”, ele diz, “é o que faz criar um elo entre o real e o universo lúdico proposto, um caminho paralelo ao mundo que a gente vive. Quando a chuva acontece é algo inesperado não só para o público, mas para própria personagem. Ela sai, sente a água cair sobre si, não se contém e ‘desaba’, como a própria água no chão, com uma sensação de dever cumprido – e é isso que desencadeia toda uma transformação naquele universo.”

Foto Ricardo Lima

A ideia de deixar chover de verdade no cenário estava presente desde o início do projeto, em 2015. “Foi o maior desafio nessa produção”, garante Lucas. “Controlar a água não é uma tarefa fácil. Sem apoio financeiro e com algumas dúvidas na mão, decidimos por guardar por um tempo o projeto em uma caixinha, depois de perceber que é importante esperar o tempo certo das coisas. Esperamos quase 8 anos para retomar essa montagem e, quando aconteceu, finalizamos tudo em menos de 2 meses – e não podia ter havido melhor hora para isso. Chegou o momento desse espetáculo!”

Mas como fazem chover de verdade no palco? Sim, o público – sobretudo as crianças mais curiosas (todas?) – sairá da peça com essa indagação. Qual o truque? Ou, se não é truque, qual o mecanismo das águas caindo do céu?

Lucas Rodrigues nos antecipa: “A partir de muitos testes e experimentações, desenvolvi um sistema hídrico artesanal rotativo. com mangueiras, aspersores e uma bomba d´água. Embaixo do cenário usamos duas caixas de 60 litros. Uma delas cheia de água (com a bomba) e a outra apenas para recolher parte da água que cai no cenário. Ao redor das mesas, criei um sistema de captação que devolve a água para as caixas. A queda d´água dura cerca de 3 minutos em todo cenário, inclusive na personagem principal, que é banhada em uma das cenas mais emocionantes do espetáculo.”

Outra curiosidade desta nova peça da Fios de Sombra é a estrutura cenográfica móvel, criada especialmente para a montagem. “A ideia de criar uma estrutura de palco desmontável”, relata Lucas Rodrigues, “surgiu da vontade da Cia. em propor uma atmosfera que desloca o espectador no tempo e no espaço, convidando-o para vivenciar uma experiência única e se emancipar das condições técnicas dos espaços tradicionais de apresentação.”

O design da luz

Por fim, para dar mais vontade ainda de ver Maria dos Céus, vale a pena saber o que Lucas Rodrigues preparou de especial no quesito iluminação, afinal ele é um dos craques mais reconhecidos do Brasil nesta tarefa de criar design de luz para os espetáculos. Faz maravilhas no palco, nos mais variados musicais e em grandes superproduções, além de ministrar oficinas de iluminação por vários festivais, inclusive internacionais. Com a palavra, o senhor iluminador:

“Como artista da cena, eu vejo a iluminação como um dos fatores primordiais na construção de um trabalho artístico. A luz no palco é como se fosse a câmera e a fotografia de um filme, por exemplo. É através dela que mostramos e ocultamos o que queremos que seja visto e como queremos que seja visto, criamos as atmosferas e estimulamos diferentes tipos de sensações. Eu costumo dizer que luz é tudo o que a gente vê. E se não pudéssemos ver talvez nem existiria o teatro.”

Foto Ricardo Lima

E continua: “Assim como toda estrutura do espetáculo Maria dos Céus, a luz também foi pensada para ser independente de qualquer estrutura física dos espaços de apresentação. O desafio aqui era miniaturizar a infraestrutura que existe em um palco, com varas de luz e equipamentos que pudessem potencializar cada momento do espetáculo. Em 2015, ao nascer o projeto, comecei experimentando uma luz com lâmpadas quentes, mas já na fase final cedi à tecnologia e percebi que os leds seriam uma alternativa mais produtiva, já que multiplicariam as possibilidades de nuances de cor. A partir daí, posicionei os refletores em ângulos que pudessem contribuir com a volumetria e as sombras e, quando começamos a montar o espetáculo, passei a pintá-lo como um quadro, compondo as cores com os cenários, os espaços, os climas e buscando conduzir delicadamente o espectador a cada cena. Como eu estava também dirigindo o trabalho e precisava ter minha atenção além da luz, usei um sistema digital para programar cada cena no tempo do espetáculo e isso me fez perceber que a melhor forma de operação de luz nesse trabalho seria automatizá-lo. Assim, a trilha sonora do espetáculo é quem dispara cada troca de luz, a partir de uma linguagem conhecida como timecode. Ao iniciarmos a faixa única da trilha, a apresentação segue automatizada até o fim, sem nenhum tipo de interferência humana. A atriz solista fica responsável por conduzir a peça nos tempos precisos de cada cena, acompanhada apenas desse sistema. É ela também quem dispara os efeitos especiais artesanais que acontecem no palco.”

Que essa luz tão bem pensada possa conduzir Maria dos Céus para longas temporadas chuvosas e epifânicas. Vamos ao teatro?

Serviço

Dramaturgia e direção: Lucas Rodrigues
Atriz bonequeira: Paloma Barreto
Operação técnica: Lucas Rodrigues
Assistente técnico: Douglas Chaves
Assistente de montagem: Matheus Rodrigues
Escultura e figurino do títere: Juliana Bonatte
Cenografia, mecanismos e adereços: Lucas Rodrigues
Finalização, acabamento estético e pintura: Lu Antunes
Trilha sonora original: Fernando Godoy
Iluminação: Lucas Rodrigues
Costureira: Helcy Santos
Fotos: Ricardo Lima
Assessoria de imprensa: Paloma Faria Quintas
Produção executiva: Lucas Rodrigues
Assistente de produção: Daiane Baumgartner
Produção: Fios de Sombra

SERVIÇO:
Maria dos Céus no SESC Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, Pinheiros, São Paulo, tel. 11 3095-9400. Auditório no 3º andar. Todos os domingos de agosto, até o dia 27, sempre em duas sessões, às 15h e às 17h Ingressos: Grátis para crianças até 12 anos. R$ 25,00 (inteira), R$ 12,50 (meia) e R$ 8,00 (credencial do Sesc). Livre.

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Ficha Técnica

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Serviço

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