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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Infantil com atrizes drags ensina que brincar é fundamental

Sinopse

“Alice No Seu Pequeno Grande Quarto Das Maravilhas” fará sessão única neste último domingo de outubro, depois de sofrer ataques de preconceito nas redes sociais e perseguições de um deputado estadual

Por Dib Carneiro Neto

Desde o primeiro semestre deste ano, as drag queens Antonia Pethit, Alexia Twister e Athena Leto encaram mais um desafio em suas carreiras. As três juntas, sob a direção de Tatiana Rehder, levam ao palco (ou tentam levar) o espetáculo Alice no Seu Pequeno Grande Quarto das Maravilhas, que é uma montagem infantil do Grupo Arte Simples de Teatro. A importância do que elas fazem é imensurável, sobretudo nestes tempos de retrocesso anunciado. Elas levam a arte drag para um contexto de celebração da imaginação e do ato de brincar, ou seja, para o mundo encantado da censura livre.

Para tanto, a encenação utiliza a manipulação de objetos, o teatro de sombras e recursos muito eficientes de interação com a plateia. Quem ainda não viu essa alegre versão livre do clássico Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll,  terá uma chance única no domingo, dia 29 de outubro, às 16 horas, no teatro do Sesc Santo Amaro, em São Paulo.

Não tem sido fácil programar sessões desse espetáculo. Uma onda de medo covarde e conservadorismo rançoso paira sobre todas as tentativas de se conseguir novas temporadas. Por isso, será importante ter a plateia cheia no próximo domingo – cheia de gente que acredita na diversidade, que abomina preconceitos, que admira o teatro como ferramenta potente para estimular a criatividade das crianças e apresentar a elas novos mundos possíveis. 

São três atrizes espalhando alegria

Não há em Alice no Seu Pequeno Grande Quarto das Maravilhas o menor sinal de militância agressiva, atentado ao pudor, ameaça à integridade das famílias. São três atrizes no palco espalhando alegria, sugerindo brincadeiras saudáveis, propondo voos deliciosos de imaginação. Apenas isso. Ou melhor: tudo isso. Não é pouco. O mundo de hoje precisa talvez como nunca desse estímulo ao lúdico, ao afeto coletivo.

Athena Leto, Antonia Pethit e Alexia Twister. Foto Alex Santana

Mas, para além de cair num buraco lisérgico ao perseguir um coelho apressado, essa Alice, do grupo Arte Simples, teve de enfrentar outras vertigens em sua trajetória teatral. Em maio, o deputado estadual Paulo Mansur, do PL, que se diz conservador e protetor da integridade das famílias, postou em suas redes um vídeo em que assinava ao vivo em seu gabinete petições pedindo ao Governo Municipal (Prefeitura e Secretaria de Cultura) medidas contra o que ele chamou de “show de drag queens para crianças”.

Detalhe: é claro que o deputado e seu séquito de apoiadores hipócritas nunca viram a peça. Não sabem que ela não é um show de drags e muito menos que é um peça de teatro sobre brincar, e não sobre destruir laços familiares. Bastava terem ido ver. Desinformação é uma ameaça à democracia. 

“Tudo começou depois da nossa apresentação no CEU São Miguel, na Zona Leste”, rememora a diretora Tati Rehder. “A partir do vídeo do deputado, foram muitos ataques nas redes sociais e todos sem fundamento. O que mais me impactou foi a falta de letramento sobre o que é gênero e, antes, a falta de entendimento sobre as definições do que é ser criança.” Claro, Tati e a equipe se modificaram após esses ataques. Se já viam a peça como uma festa da diversidade, passaram a enxergar todo o seu potencial incômodo e transformador.

“Eu quis me aprofundar mais ainda no tema”, conta a diretora, “para que eu tivesse a certeza de que a luta é muito maior do que eu esperava e do quanto os órgãos públicos que representam a classe artística ainda colocam para debaixo do tapete questões como essa que vivemos. Tudo isso nos mostrou mais ainda o quanto defendemos na peça o direito de ser criança.”

Poder brincar de ser quem a gente quiser

“A peça fala do brincar, de poder brincar com aquilo que a gente quiser ser, de poder mudar de personagem na brincadeira, de ressignificar os espaços e objetos”, esclarece Tati Rehder, que recentemente usou o espetáculo como mote para sua tese de pós-graduação em Literatura Infantojuvenil.

E por que ela acha importante levar as crianças para ver? “A importância de levar as crianças para assistir se deve à temática e por ser um espetáculo com drag queens, por que não? As crianças vão ter contato com a arte drag, com o ser diferente, com a diversidade – uma palavra que quase ou já virou clichê. Eu prefiro dizer que a arte drag na peça é o contato com ser diferente.”

Programadores de teatros e instituições culturais têm evitado o espetáculo em suas salas e unidades. Por isso essa sessão única do Sesc Santo Amaro, no próximo domingo, será tão importante. E não só eles evitam receber o projeto, como, uma vez aprovado, o cancelam sem explicação honesta, conta Tati Rehder.

Cena de Alice no Seu Pequeno Grande Quarto das Maravilhas. Foto Alex Santana

“Existem desdobramentos velados, como cancelar apresentações sem revelar o real motivo – e isso em equipamentos da própria Secretaria de Cultura, que antes nos abrigara. Não podemos afirmar que esses cancelamentos são resultado da fala e do ofício do deputado, mas é difícil descolar disso, já que esses cancelamentos acontecem sem motivo aparente”, afirma.

Ela detalha mais ainda o caso de rejeição ao espetáculo: “Tínhamos uma sessão da peça no Centro da Diversidade e foi cancelada. Tivemos uma reunião na Secretaria da Cultura e nos disseram que foi corte de verba, mas a drag Antonia Pethit (a Alice na peça) foi contratada para um evento adulto no mesmo lugar, na mesma época. Então, essa fala do corte de verba não bate.”

Responsabilidade e comprometimento

Para a protagonista Antonia Pethit, toda essa questão lhe deu mais vontade ainda de fazer a peça: “Sabemos o que fazemos em cima do palco e temos muita responsabilidade e comprometimento com isso. Já era uma atitude até esperada e demorou para acontecer… Infelizmente vivemos em um país cada vez mais conservador, em que tomam atitudes e falam sem embasamento. Não foram nos assistir e não sabem do nosso trabalho, é puro preconceito.”

Segundo ela, o tema da peça faz da montagem um importante instrumento de transmissão de alegria e afeto. “Com o avanço das multitelas, as crianças têm perdido essa potência da infância e o espetáculo faz o resgate disso”, diz Antonia. “E, sim, também tratamos de respeito, tolerância e diversidade, mas sem nenhuma bandeira ou fala, apenas com nossas presenças, eu, Alexia e Athena. Imaginem só que houve até um episódio recente em que nos foi dito que não queriam nos contratar para não provocar mais ‘polêmica’.”

Curioso é que a adesão e aprovação dos pais e mães ao espetáculo são imediatos. Termina a peça e os adultos já rodeiam as atrizes para agradecer. Foi assim por onde passaram. “Amamos quando os pais vêm falar conosco”, confirma a diretora Tati Rehder. “Essa troca é bastante importante. O retorno sempre foi o mesmo: elogiando a iniciativa e agradecendo por proporcionarmos esse olhar do diferente para as crianças.” 

Antonia Pethit confirma tudo: “Os pais ficam encantados e nos agradecem. Sabem da importância desse trabalho para o crescimento de seus filhos e para eles se tornarem pessoas melhores. Algumas crianças e jovens queers já nos assistiram e nos têm como referência, coisa que nós do elenco não tínhamos quando éramos crianças. Essa peça também fala sobre as mini Alices, Rainhas e Lagartas que estão na plateia. Elas gostam de se sentir parte da história, gostam de sentir que estão ajudando a construir aquela narrativa. Elas gostam de não gostar da Rainha Má, de se encantar com a Lagarta que se transforma em Borboleta e de serem amigas da Alice”.

Emocionada, Antonia Pethit conta do que mais gosta em sua Alice trancada sozinha no quarto: “Gosto de como ela representa as crianças de hoje em dia, de como é esperta e curiosa. Ela pega o medo pela mão e vai desbravar a Maravilhândia. Gosto de como ela pode ser ela, pode ser criança, pode simplesmente brincar e aproveitar essa fase da vida que é tão gostosa, tão boa e passa tão rápido. Não percam, porque não sabemos quando conseguiremos ter a chance de fazer a peça novamente.”

Serviço

Alice no Seu Pequeno Grande Quarto das Maravilhas

Sesc Santo Amaro. Rua Amador Bueno, 505. Tel. 11 5541-4000.

Domingo, dia 29 de outubro, 16 horas.

Ingressos: Grátis para crianças até 12 anos. R$ 25

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Ficha Técnica

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Serviço

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