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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Atriz de musicais, Renata Vilela exercita potencial dramático no monólogo “O Pássaro na Gaiola”

Sinopse

Sob a direção de Arlindo Lopes, artista busca inspiração nas biografias das ativistas Maya Angelou e Ruby Bridges para tratar de racismo e superações

Por Dirceu Alves Jr.

Aos 8 anos, a atriz Renata Vilela se destacava nas aulas de jazz e foi aconselhada por um professor a se candidatar a uma vaga na Escola Municipal de Bailados, a atual Escola de Dança de São Paulo, vinculada ao município. A mãe, que trabalhava como telefonista, não tinha dinheiro para comprar o uniforme clássico, um collant azul com meias rosa, e improvisou um maiô igual, porém de cor branca. Em sua cabeça, com razão, imaginou que nada disto faria a menor diferença.

Chegando lá, em uma das salas do prédio no Vale do Anhangabaú, a garota percebeu que todas as concorrentes se vestiam dentro do padrão – menos ela. Renata foi isolada em uma outra sala à espera do teste e, na hora de se apresentar diante da banca, sentiu, apesar da pouca idade, uma certa grosseria e um olhar preconceituoso por parte dos julgadores. “Foi um choque de realidade e, claro, não fui aprovada”, lembra ela, aos 43 anos. “Minha mãe me olhos nos olhos e garantiu que arrumaríamos outra escola tão boa ou melhor e, assim, fui parar no Ballet Stagium, o melhor que poderia ter acontecido comigo.”

Cena de O Pássaro na Gaiola. Foto Renato Mangolin

A cortina se abre novamente em 2018. Renata é uma bailarina, cantora e atriz, reconhecida no teatro musical paulista. Estreou no gênero como coro da superprodução Chicago (2004), foi notada em Sweet Charity (2006), ao lado de Claudia Raia e Marcelo Medici, e ganhou projeção em Os Produtores (2007), Cats (2010), O Rei Leão (2013), Nine – Um Musical Felliniano (2015) e Cartola – O Mundo é um Moinho (2016). 

A artista, porém, andava preocupada, se sentia incomodada com a instabilidade da carreira e gostaria de expandir seu trabalho para outros terrenos. “Era uma fase de transições políticas, as grandes produções ficaram sem perspectivas e vi as portas se fechando, ainda mais sendo uma profissional preta”, conta. “Um dia, assisti a um documentário sobre Maya Angelou na Netflix e me senti inspirada ao ver que nossas histórias tinham alguns pontos em comuns, entre eles a dança.”

Com o monólogo O Pássaro na Gaiola, Renata Vilela ganha asas para mostrar que seu potencial dramático pode ultrapassar os limites do rótulo de atriz de musicais. O solo, que estreia neste sábado, 31, no Teatro Estúdio, tem dramaturgia de César Mello, companheiro de Renata há 10 anos, e direção de Arlindo Lopes, que também produz o projeto.

Renata Vilela no monólogo O Pássaro na Gaiola. Foto Renato Mangolin

“Desde que vi Renata em Sweet Charity fiquei encantado e, quando trabalhamos juntos no musical Ombela – A Origem das Chuvas, nós nos tornamos amigos e começamos a pensar em parcerias”, diz o diretor. “Assim que ela me falou da biografia de Maya Angelou, eu entendi que o caminho seria por aí.”

Escritora, poeta e ativista, a norte-americana, Angelou (1928-2014) lutou bravamente pelos direitos civis e de igualdade das pessoas pretas e se tornou uma figura influente na cultura afro-americana. Ela é um destes pássaros que escaparam da gaiola do preconceito e, junto de outra mulher célebre, Ruby Bridges, de 69 anos, a primeira criança preta a estudar em uma escola primária branca, no sul dos Estados Unidos, inspirou O Pássaro na Gaiola. 

No centro da história aparece uma personagem fictícia, batizada de Rubi, uma escritora que revisita o passado e enfrenta as memórias que a moldaram. A costura dramatúrgica ainda buscou referências em outra autora, Carolina Maria de Jesus (1914-1977), e nas próprias experiências de Renata. “Estamos falando das diversas violências que as mulheres pretas sofrem e são obrigadas a superarem para seguir adiante”, diz Lopes. Renata completa o pensamento do diretor. “Eu nunca fui paralisada pelos meus traumas, mas sei de muitas mulheres que não reverteram os golpes e se sentiram diminuídas pelas regras impostas pelo racismo e pelo patriarcado.”

Outra cena de O Pássaro na Gaiola. Foto Renato Mangolin

Lopes e Renata, entretanto, não queriam falar apenas para as plateias de classe média que costumam frequentar as salas de espetáculos. Desde o dia 23, O Pássaro na Gaiola faz uma circulação paralela pelos CEUs (Centros Educacionais Unificados), da Prefeitura Municipal de São Paulo, localizados nas regiões periféricas da cidade. 

A estreia foi no CEU Barro Branco e, nesta sexta, dia 30, tem vez a unidade de São Miguel Paulista, ambos na Zona Leste. Outros quatro CEUs terão duas sessões diárias do espetáculo nas próximas sextas-feiras até o fim da temporada. “Imagina quantas meninas poderão ver a Renata em cena, conhecer estas histórias e pensar: ‘Eu também posso fazer isso’”, comenta Lopes que, como produtor e protagonista do espetáculo Ensina-me a Viver, ao lado da atriz Glória Menezes, percorreu 21 unidades dos CEUs entre 2008 e 2009. “Foi uma experiência extraordinária que mudou os meus conceitos, porque a sociedade se acostumou a ignorar as periferias e fingir que que elas estão distantes, mas não é bem assim.”

Renata se emociona ao descrever a sensação que teve nas duas primeiras apresentações de O Pássaro na Gaiola no CEU Barro Branco. Depois de uma das sessões, a protagonista conversou com meninas, entre 13 e 17 anos, e percebeu a importância de levar o teatro para fora da bolha em que normalmente ele restringe. “Minha mãe sempre disse que só há transformação através do estudo e da cultura, mas, infelizmente, nem todos conseguem acessar o nosso trabalho”, lamenta a atriz. “Então, cabe a nós levá-lo a todos os públicos e esta sim é uma forma de ativismo.”     

Serviço

O Pássaro na Gaiola.

Teatro Estúdio. Rua Conselheiro Nébias, 891, Campos Elíseos.

Sábado, 20h; domingo, 17h. R$ 40.

Até 29 de setembro. A partir de sábado (31).  

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Ficha Técnica

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Serviço

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