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Bete Coelho dá corpo e voz a Petra von Kant em versão multifacetada da obra de Fassbinder

Sinopse

Além de protagonizar obra do dramaturgo e cineasta alemão, a atriz divide a direção com Gabriel Fernandes na montagem da Cia. BR116 que já está em cartaz no Teatro Cacilda Becker

Por Dirceu Alves Jr.

Grandes personagens costumam habitar o imaginário de atores e atrizes até o momento em que eles se consideram prontos para interpretá-los. Bete Coelho garante que contraria essa corrente e não fica fissurada ou traçando metas para chegar aos célebres papeis da dramaturgia universal. “Ah, minto, quando eu vi Macunaíma, ainda adolescente em Belo Horizonte, fiquei desnorteada pela personagem Ci, então imagina o que representou receber o telefone de Antunes Filho e ainda viajar pela Europa com o espetáculo”, lembra a artista. “Mas foi o único caso, todas as vezes que penso em um trabalho, mesmo sendo a Mãe Coragem de Brecht, é porque fui capturada pelo conjunto e pela linguagem que pode ser explorada.”

Quase na mesma época, ainda na capital mineira, Bete assistiu à emblemática montagem de As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, peça do alemão Rainer Werner Fassbinder (1945-1982), protagonizada por Fernanda Montenegro, Renata Sorrah e Juliana Carneiro da Cunha, sob a direção de Celso Nunes. O cenário reproduzia uma casa, muitos copos, taças, e as imagens ainda permanecem em sua memória, assim como o embate das atrizes no palco.

Luiza Curvo, Bete Coelho e Lindsay Castro Lima, em Petra. Foto Luiza Ananias / Cia.BR116 – Teatrofilme

“Foi impactante ver Fernanda Montenegro, que já era considerada a grande dama do teatro nacional, dando voz às paixões marginais de uma Alemanha do pós-guerra, mas quem trouxe para nós, agora, a ideia de fazer essa peça foi a Luiza Curvo e vimos que existia uma mensagem urgente”, comenta. “A questão do feminino e do feminismo deve ser debatida porque estamos em meio a tantos retrocessos.”           

E foi assim, empurrada por uma colega, provocada pela força do discurso coletivo, que chegou a hora de Bete Coelho emprestar corpo e voz a Petra von Kant. A trama gira em torno de uma estilista destroçada pela indiferença de sua amante, a modelo Karin (interpretada por Luiza), que, depois disto, entra em conflito com todas as outras mulheres a sua volta. 

Clarissa Kiste e Bete Coelho em Petra. Foto Luiza Ananias / Cia.BR116 – Teatrofilme

Em direção conjunta de Bete e Gabriel Fernandes, a nova versão da obra de Fassbinder pela Cia. BR116, batizada de Petra, está em cartaz no Teatro Cacilda Becker, na Lapa, com um elenco totalmente feminino, completado por Lindsay Castro Lima, Clarissa Kiste, Renata Melo, Miranda Diamant Frias e Laís Lacôrte. “São todas, sem exceção, personagens complexas, cheias de falhas, em busca de aceitação e fico impressionado como ainda hoje o amor lésbico incomoda as pessoas”, observa Fernandes. “A família é outra questão importante no texto, porque a Petra destrói a mãe, a filha, expurga todas elas para depois da dor absoluta abrir caminhos para reafirmar os laços amorosos.”

Mesmo que considere Karin uma personagem fascinante, Luiza Curvo foi fisgada pelo conjunto da abordagem implacável de Fassbinder em torno das relações afetivas. A atriz assistiu ao filme As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, dirigido pelo autor em 1972 com base na própria peça, no réveillon de 2012 e começou a pesquisar tudo o que encontrava disponível sobre a sua biografia e sua obra. “Ele trata do amor sem o verniz, como algo que é bruto, egoísta, sofrido, sem a idealização que costuma ser vendida, mas não foquei em um papel específico e nem tinha a urgência de realizar o trabalho”, diz Luiza. “Tanto que mostrei em 2014 ao Gabriel um livro com o texto que comprei em Londres, e o assunto só voltou à tona no ano passado.” 

Bete Coelho e Renata Melo em Petra. Foto Luiza Ananias / Cia.BR116 – Teatrofilme

A cenografia, assinada por Daniela Thomas e Felipe Tessara, tem uma cama móvel e um entorno de espelhos que reforça a dimensão narcisística da protagonista e, de acordo com o movimento da luz desenhada por Beto Bruel, reforça a persona de cada uma das outras mulheres. “Eu não queria ficar sentada em uma sala tomando uísque, e a Daniela trouxe esse estranhamento do jogo de espelhos que chega a desconcertar a nós mesmas em cena, porque desconheço alguém que age com naturalidade ao ver refletida a própria imagem”, declara Bete.

Em meio às múltiplas linguagens exploradas, Gabriel Fernandes salienta a forte presença da música na encenação. A cantora Laís Lacôrte e o pianista Fábio Sá interpretam ao vivo nos entreatos três canções marcantes de filmes dirigidos por Fassbinder, Lili Marleen, do longa homônimo (1980), Capri Fischer, de Lola (1981), e Memories are Made of This, de O Desespero de Veronika Voss (1982).  “Sempre que acabam as cenas mais densas, entra esse clima de cabaré, o consolo do canto, da música, para reforçar e pontuar a emoção”, explica.

Bete Coelho em Petra. Foto Luiza Ananias / Cia.BR116 – Teatrofilme

Bete completa a importância do recurso na quebra das situações mais pesadas e, inclusive, no entendimento de sua própria interpretação como Petra von Kant. “Estou acostumada com tragédias ou peças pós-modernas e, como caí em um melodrama, vi que era preciso assumi-lo, mas antes discutimos muito tudo em grupo”, salienta a atriz, em relação às conversas dentro da Cia. BR116. “Passei por diversas companhias, sempre lideradas por um único diretor, e o que a gente busca é abarcar várias cabeças para chegar a um resultado proposto por diferentes pensamentos.”

Serviço

Petra

Teatro Cacilda Becker. Rua Tito, 295, Lapa.

Quarta a sábado, 21h; domingo, 19h. Grátis (qua.) e R$ 20,00 (qui. a dom.).

Até 7 de agosto

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Ficha Técnica

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Serviço

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