Sob direção de Ricardo Grasson, peça de Ed Anderson usa referências do universo kitsch e do realismo fantástico para refletir sobre a eternidade do amor
Por Dirceu Alves Jr.
A desconstrução de uma comédia romântica é a proposta de Esse Maldito Fecho-Eclair, peça escrita por Ed Anderson, que estreia nesta quarta, 24, no Teatro Itália Bandeirantes. Com bom humor e pitadas de realismo fantástico, a montagem, dirigida por Ricardo Grasson e Heitor Garcia, reflete sobre as relações afetivas e o quanto a idealização de uma “lua-de-mel perfeita” e das juras de “felizes para sempre” podem comprometer a estabilidade emocional de duas pessoas apaixonadas.
Nos anos de 1970, os recém-casados Funfun e Moreca (interpretados por Felipe Barros e Mayara Dornas) deixam os amigos e familiares na festa e seguem para tão desejada noite de núpcias. O chefe do noivo deu de presente a estadia em um hotel do centro da cidade. Nada parecia com jeito de dar errado. Só que chegando lá, o local não era dos mais sossegados, um som infernal vinha do bar vizinho e, quando o fecho do vestido da noiva emperra, o clima de sedução dá lugar a um conflito que pode fazer daquele o mais efêmero dos matrimônios. “Eles passam a se questionar mesmo que, se um dia, inevitavelmente, todo casamento acaba, por que não se separar ali mesmo e evitar os desgastes”, antecipa Grasson.
O dramaturgo Ed Anderson conta que Esse Maldito Fecho-Eclair foi escrito há 20 anos e permaneceu inédito em sua gaveta até o ator Felipe Barros pedir a ele uma peça com dois personagens. Barros e Mayara Dornas estudaram teatro nos anos 2000. Os seus caminhos, porém, priorizaram o cinema e a publicidade e, agora, consideraram que se tratava da hora de voltar aos palcos. “Mexi nos arquivos e nem me lembrava dessa peça, mas comecei a ler e vi que ela trazia discussões atuais, como a monogamia ou a possibilidade de viver em casas separadas”, afirma Anderson. “Reescrevi algumas cenas, modernizei certas situações e vi que a essência era a mesma: a vontade de tratar desse tão falado amor eterno e do quanto as verdades não ditas comprometem a relação.”
Convidado para produzir a montagem, Ricardo Grasson em pouco tempo assumiu o papel de diretor – algo que ele tem feito cada vez com mais frequência em espetáculos como O Ovo de Ouro, The Boys in the Band, O Dia Seguinte e Irineu. “Eu sou apaixonado por dramaturgia e, se o texto me pega, embarco de vez, por isso toco projetos tão diferentes, como grandes musicais ou peças de companhias experimentais”, diz ele, que, desta vez, conta com a codireção de Heitor Garcia e se prepara para estrear A Mulher da Van, protagonizado por Nathalia Timberg, em 16 de agosto, no Sesc Pinheiros.
Conforme as leituras avançavam, Garson percebeu que a história de Funfun e Moreca renderia muito mais que apenas divertir os espectadores. O diretor começou a provocar a equipe e percebeu que o público embarcaria em uma proposta mais inusitada. Naquele quarto de hotel kitsch, com inspiração no universo do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, não é só o casamento da dupla que desanda. O cenário, criado por Marisa Bentivegna, começa a assumir novas formas, de acordo com a perturbação dos personagens. “Estamos diante de um casal de extremos, ela é muito questionadora, não quer ser tratada como um bibelô e ele, um caretão, seria um bolsonarista nos dias atuais”, compara Grasson. “Coloquei em prática a minha pesquisa sobre o realismo fantástico para mostrar que tudo ao redor deles pode se deteriorar e aquele sonho virar um pesadelo.”
O título Esse Maldito Fecho-Eclair é uma citação da música Paixão, sucesso da dupla Kleiton e Kledir no começo dos anos de 1980, que faz parte da trilha. As canções, aliás, têm grande importância na narrativa. Clássicos românticos de Reginaldo Rossi, Nelson Gonçalves e Roberto Carlos completam o cardápio sonoro que ainda traz uma surpresa da popstar norte-americana Lady Gaga. “O espetáculo é muito dinâmico, movimentado e não economizei na loucura”, diz Grasson.
Ed Anderson completa que a peça carrega a saudável ambição de se comunicar com a plateia e fazê-la refletir sobre as responsabilidades afetivas de cada um de um jeito divertido e leve. “Hoje, todo mundo produz teatro pensando na melhor iluminação, no mais bonitos dos cenários, no mais potente dos discursos e não pensa em como aquela história pode dialogar com o público”, observa. “A gente não vai inventar a roda, só quer fazer todo mundo dar risadas, mesmo que toda boa comédia camufle muitas verdades.”
Serviço
Esse Maldito Fecho-Eclair.
Teatro Itália Bandeirantes. Avenida Ipiranga, 344, República.
Quarta e quinta, 20h. R$ 80.
Até 5 de setembro. A partir 24 de julho