Sucesso no cinema e na internet, o ator, que estreia no teatro, diz que o personagem é tão paradoxal quanto o Brasil
Por Dirceu Alves Jr.
Em 2011, o Brasil era diferente – ou pensava que era. O publicitário carioca Antonio Tabet, fundador do site Kibe Louco e uma das cabeças do futuro Porta dos Fundos, criou um personagem que extrapolava os limites do politicamente correto. Era um policial bronco, truculento, cheio de preconceitos, que se tornou a atração da série do Youtube CSI: Nova Iguaçu, uma sátira aos enlatados de investigação norte-americanos.
Peçanha, até pelo seu idealizador, era visto como uma caricatura, um exagero em cima de tipos reais facilmente identificados em blitz de trânsito ou batidas para fiscalização na madrugada. “O Peçanha, neste início, era um cara monossilábico e foi crescendo, ficando mais verborrágico, acompanhando uma tendência da sociedade brasileira que deu palco para maluco dançar”, explica Tabet, que, no ano seguinte, criou, junto de Fábio Porchat, Gregorio Duvivier, João Vicente de Castro e Ian SBF, a produtora Porta dos Fundos.
O resto é história – para Tabet e para o Brasil. O Porta dos Fundos bombou com seus vídeos de humor produzidos para internet, e o brasileiro, assim como Peçanha, perdeu o medo de falar sem rodeios os seus absurdos e se viu refletido em políticos ascendentes. “Ele saiu desse lugar só da caricatura e ganhou corpo, começou a protagonizar vídeos do Porta e ficou popular, sendo o único personagem recorrente nas histórias do canal”, diz Tabet. “É aquele típico cara de 40 e tantos anos, racista, machista e homofóbico, que comprova que o preconceito anda lado a lado com a ignorância.”
Depois de fazer sucesso na internet e ganhar o protagonismo no cinema com o filme Peçanha Contra o Animal, Tabet, de 50 anos, estreia nos palcos com o espetáculo Protocolo de Segurança, que chega ao Teatro Gazeta neste sábado, 21. Sob a direção de Daniel Nascimento e dramaturgia de Tabet, Gabriel Esteves e Matheus MAD, o solo foge da linha stand-up e coloca Peçanha em uma situação diferente. O “sargento-tenente-major” é contratado para um bico em um teatro que apresenta a peça Hamlet, de William Shakespeare. O protagonista é um tal de Mateus Solano que, apesar de se dizer muito pontual, ainda não deu as caras no camarim.
Enquanto o público se acomoda nas cadeiras, cabe ao policial transmitir as instruções de proteção da sala que, muitas vezes, não são levadas a sério. Só que o intérprete de Hamlet está cada vez mais atrasado, e Peçanha fica encarregado de distrair os espectadores até que o elenco resolva o sumiço do protagonista. “São 42 páginas que texto, tudo bem amarrado, sem muita margem para o improviso”, conta ele. “O que mais poderia aproximar a peça de um stand-up é que quebro a quarta parede o tempo inteiro para falar com as pessoas.”
No jogo com a plateia, Tabet cria ciladas até para os próprios espectadores. “Em algum momento, alguém vai rir de um dos preconceitos do personagem e, minutos depois, pode se sentir vítima de alguma outra piada”, avisa. “O Peçanha é tão paradoxal quanto o brasileiro, que é tremendamente racista, misógino e homofóbico e se acha o povo mais liberal do mundo.”
Tabet, ao contrário dos seus sócios do Porta dos Fundos, confessa que jamais pensou em ser ator e, muito menos, estava entre seus projetos fazer teatro. “Mesmo lá atrás, para interpretar o Peçanha no CSI: Nova Iguaçu, foi o Ian quem me incentivou porque a gente não encontrava ninguém para o papel e o tempo estava passando”, lembra.
Publicitário, Tabet chegou a fazer um curso de interpretação na Companhia de Teatro Contemporâneo, no Rio, em 1993, mas usou o aprendizado de lá para o aprimoramento como roteirista. “Eu sempre fui tímido e, na verdade, me matriculei neste curso por causa de uma garota que estudava lá e estava apaixonado”, conta. “Nunca fiquei com ela e este deve ter sido um dos motivos para eu virar as costas para a atuação.”
Os projetos de teatro vinculados ao Porta dos Fundos também não lhe animavam, em grande parte das vezes, por motivos pessoais. O artista queria passar os fins de semana com a família e não excursionando pelos teatros. “Os anos se passaram, meus filhos cresceram, me separei e, agora, estou um pouco mais livre”, diz.
O convite para participar da novela Elas por Elas, exibida pela Rede Globo entre setembro de 2023 e abril passado, fez sacudir em Tabet a vocação do ator que parecia adormecida. O personagem Fagundes era o capanga do empresário Sérgio Aranha (vivido por Marcos Caruso), um lobo disfarçado de cordeiro, que precisava da ajuda frequente do fiel escudeiro para resolver problemas ilícitos. “Quando eu via Avenida Brasil, jamais imaginaria contracenar um dia com o Caruso e, ouvindo as suas histórias nos camarins, comecei a me sentir cada vez mais envolvido pelo teatro”, lembra.
E não era só Caruso. Do mesmo núcleo de Tabet, participavam as atrizes Isabel Teixeira, Paula Cohen e Regiana Antonini, além dos atores Mateus Solano e Erom Cordeiro, todos com carreiras fortemente vinculadas aos palcos. Tabet se colocou no papel de esponja para absorver tudo o que os colegas poderiam lhe transmitir. “Essa convivência não só me incentivou, mas me seduziu, era como se eles falassem de uma iguaria muito apetitosa que precisava provar imediatamente”, compara.
Em paralelo à temporada de Protocolo de Segurança, o artista tem outros dois projetos de cinema. Em um deles, com o roteiro em desenvolvimento, voltará a interpretar Peçanha e, no outro, uma comédia romântica, deve dar vida a um personagem diferente de tudo o que já fez. “Depois de 12 anos trabalhando com as mesmas pessoas no Porta, descobri o barato que é conhecer e trocar com gente diferente”, afirma. “A novela me propiciou isso e fiquei amarradão, o teatro é a mesma coisa e, no cinema, estou interessado em contar histórias mais densas.”
Serviço
Protocolo de Segurança
Teatro Gazeta. Avenida Paulista, 900
Sábado, 22h30; domingo, 19h30. R$ 100
Até 13 de outubro (estreia 21 de setembro)