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XPTO faz 40 anos e enche o palco de pedras que contam histórias

Sinopse

Após extensa pesquisa sobre teatro de objetos, o premiado grupo paulistano, capitaneado por Osvaldo Gabrieli, comemora as quatro décadas com “As Pedras de Javier”, teatro narrativo em tributo ao bonequeiro argentino Javier Villafañe

Por Dib Carneiro Neto 

Sim, tem uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra. Mas, desta vez, não no caminho de Carlos Drummond de Andrade. São várias pedras, de diversos tamanhos e formas, presentes em um livro do poeta argentino Javier Villafañe  (1909-1996), um bonequeiro que marcou a história do teatro de animação em Buenos Aires. Villafañe foi marcante na vida de Osvaldo Gabrieli, diretor, cenógrafo e figurinista profundamente identificado com o teatro de formas animadas. Também natural de Buenos Aires, Gabrieli está há exatos 40 anos à frente do Grupo Teatral XPTO, em São Paulo. Em quatro décadas, a companhia realizou 28 montagens, das quais 17 destinadas ao público infantil e 11 ao público adulto. Recebeu 41 prêmios nacionais (APCA, Mambembe, Shell, APETESP, Governador do Estado, Fundacen, Coca-Cola, Panamco, entre outros) e dois internacionais.

Para marcar os 40 anos, Gabrieli escolheu homenagear seu herói Villafañe, com o espetáculo As Pedras de Javier, que estreia no Sesc Santo Amaro. “Eu sou algo assim como um neto artístico de Javier”, atesta Osvaldo Gabrieli. “Estudei e trabalhei com Ariel Bufano, que foi uma das pessoas que acompanhou Javier por muitos anos antes de formar sua própria companhia, portanto todo o imaginário que envolve Javier esteve presente na minha vida e formação como titereiro desde meus 16 anos. Javier era um grande poeta.”

Cena de As Pedras de Javier. Foto Osvaldo Gabrieli

Ele explica como foi parar nas pedras: “ No seu livro Circulem Cavalheiros Circulem, aparece a personagem ‘O homem que carregava pedras para aliviar o peso das montanhas’. Essa personagem com um nome tão metafórico (apenas citada de forma breve em seu livro) acabou me motivando a escrever a peça, disparando a minha dramaturgia. A personagem secundária ganha protagonismo e uma história pessoal, transformando-se em Ariel, uma espécie de pupilo que acompanha, desde muito jovem, os passos do poeta titereiro. Após a morte de Javier, Ariel tem de levar adiante uma missão: andar pelo mundo recolhendo e carregando pedras para aliviar o peso das montanhas e contar ao público as histórias que essas pedras carregam. As andanças reais de Javier pelo mundo sempre foram delirantes (risos), e nesta peça tentamos trazer um pouco dessa loucura maravilhosa.”

Encontro de três veteranos

Trata-se de um solo de contador de histórias, Tay Lopes. Para todas as idades, em princípio, mas a estreia vai poder confirmar isso. Beto Firmino assina a trilha sonora. E Gabrieli, como sempre, assume dramaturgia, direção, cenografia e luz. “Acho que As Pedras trazem um outro XPTO”, admite o diretor. “É uma obra que junta os três veteranos do grupo, Beto Firmino e eu (fundadores da companhia) e Tay Lopez com 24 anos no grupo. É um trabalho simples, despretensioso, e que se afasta daqueles elefantes brancos criados em outras épocas. Adoro dirigir o Tay, é um grande ator e os três temos uma sintonia muito boa na hora da criação.”

Desta vez, ao que parece, a linguagem da narração (contação) de histórias domina o espetáculo mais do que todas as outras linguagens adotadas pelo XPTO ao longo dos anos, como música, animação de bonecos e exploração das artes plásticas. Gabrieli concorda: “É uma peça em que as personagens são pedras (risos). Realmente a narração domina a cena, visualmente é muito simples, singelo e isso me agrada muito neste momento. Beto, neste trabalho, não aparece em cena, soltará desde a cabine sons pré-gravados a partir de um Ipad. Duas malas e uma mesa – isso é toda nossa tralha. Eu adoro dirigir elencos grandes, com produção farta, mas este trabalho é para mim fruto de uma busca diferente, parece aquela comidinha gostosa que você prepara com muito cuidado para um grupo pequeno de pessoas desfrutar. Também espero viajar bastante com esta obra.”

Cena de As Pedras de Javier. Foto Osvaldo Gabrieli

O lance de Gabrieli com as pedras vem de longa data, desde muito cedo. Ele conta: “Quando era criança, eu tinha uma espécie de hobby, que era recolher e colecionar pedras em todas as viagens de férias que realizava com minha família. Com o passar do tempo, as pessoas amigas também começaram a me trazer pedras quando voltavam de suas viagens. Era emocionante saber que uma determinada pedra tinha vindo do México, do Chile ou de algum outro país distante. Era como fazer uma viagem imaginária a terras que eu não conhecia. Ainda costumo trazer pedras dos lugares que visito, nas viagens nacionais e internacionais que realizo a trabalho. Elas guardam muitas lembranças. Algumas pedras que utilizamos na peça vêm dos lugares citados, enquanto outras foram escolhidas para contar  histórias específicas.”

Pesquisando o teatro de objetos

A força simbólica das pedras se deu muito bem com a proposta de ressignificação de objetos e com o gênero de teatro de formas inanimadas. O diretor também fala um pouco sobre isso: “O ponto de partida desta obra foi uma longa pesquisa realizada pelo XPTO em 2022 para investigar em profundidade a linguagem do Teatro de Objetos. Nessa linguagem, uma das abordagens utilizadas foi o resgate da história prévia de cada objeto e sua capacidade de evocar memórias e emoções. Durante a pesquisa, fizemos alguns exercícios a partir da matéria em estado bruto, nos quais tentávamos descobrir a história prévia que esses materiais carregavam. Foi quando lembrei do personagem do Javier ‘O homem que carregava pedras para aliviar o peso das montanhas’, e deu-se então a motivação para escrever esta obra. A metáfora de carregar pedras para aliviar o peso das montanhas pode ter muitas interpretações. Deixo para o público imaginar (risos). Mas há na peça uma fala final do personagem Ariel que diz: ‘Quando voltarem para casa, fiquem atentos… vai que aparece uma pedra no meio do caminho com uma bela história para ser contada.’”

Impossível deixar de fora da conversa o que de fato significa, no Brasil, uma companhia chegar aos 40 anos de trajetória. “Acho que basicamente é um ato de muita coragem, é muito tempo, camadas e mais camadas de memórias e acontecimentos”, comenta Osvaldo Gabrieli. “Entrou e saiu muita gente nesses anos todos, algumas pessoas foram importantíssimas para o processo criativo e para a consolidação de uma linguagem. Tivemos muitos ‘filhos’ que estão por aí fazendo seus trabalhos. Teve épocas de fartura e também momentos muito difíceis. Acho que são poucos os grupos que duram tanto tempo.”

E há uma pergunta que não pode se calar. Por que o XPTO tem de fazer um espetáculo com recursos próprios, após 40 anos de história? A resposta do resiliente encenador: “Às vezes, quando concorremos em alguns editais dá uma sensação de que existe um pensamento assim: este grupo já está consolidado, vamos fomentar grupos novos (o que realmente tem que acontecer também). Mas a realidade é que, mesmo depois de 40 anos, estamos com o pires na mão correndo atrás de patrocínio como se fôssemos um grupo recém-criado. Quando não aparece o patrocínio, voltamos a fazer teatro como antigamente; muita coragem e seguimos em frente. O edital de Fomento ao Teatro, por exemplo, existe há 24 anos e ainda continua com verba anual para apenas 30 grupos. Quantos grupos havia em São Paulo em 2000 e quantos há agora em 2024? Neste momento o Fomento deveria atingir por baixo uns 100 grupos. Cadê a verba? Durante e depois da pandemia toda a área da cultura perdeu muitas verbas, e patrocínios. Nós fazíamos muitos projetos socioculturais e educacionais que foram todos cortados.” 

De fato, um quadro injusto e incoerente. Que a palavra consagrado pare de afastar os recursos. Que a força da trajetória seja janela aberta, e não porta na cara. E que, agora inspiradas pela poesia de Javier Villafañe, as pedras se movimentem decisivamente no tabuleiro criativo do XPTO.  

Serviço

As Pedras de Javier

Sesc Santo Amaro. Rua Amador Bueno, 505, São Paulo.

Sábado e domingo, às 16h. R$ 30 – Grátis para crianças até 12 anos

Até 23 de junho

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Ficha Técnica

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Serviço

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