Estrelada por Dan Stulbach, peça escrita por Shakespeare no final do século XVI e que está em cartaz no Tucarena continua atual ao tratar de xenofobia e intolerância religiosa
Por Ubiratan Brasil (publicada em 15 de outubro de 2025)
Escrita por William Shakespeare entre 1596 e 1598, a peça O Mercador de Veneza ainda trata de temas que permanecem relevantes, como discriminação racial, intolerância e violência. “O texto promove uma reflexão sobre identidade e igualdade”, comenta o ator Dan Stulbach, que vive o famoso personagem Shylock, o agiota judeu, na montagem em cartaz no Tucarena, em São Paulo.
A novidade é que não se trata do texto original do bardo inglês, ambientada no século XVII, mas uma versão atualizada escrita pelo jornalista Bruno Cavalcanti (já publicada em livro pela Giostri), que ambientou a história nos anos 1990, momento em que proliferou uma geração de jovens ambiciosos, que apostavam em investimentos especulativos como a bolsa de valores.

A trama acompanha Antônio, um mercador que contrai uma dívida com Shylock para ajudar seu amigo Bassânio. Como garantia, Antônio afiança uma libra de sua própria carne. O não pagamento da dívida desencadeia um julgamento dramático, colocando em pauta temas como justiça e preconceito.
“Nesse cenário contemporâneo, questões como antissemitismo, preconceito racial e guerras motivadas pelo capital ganham mais força”, diz Stulbach, que nunca havia encenado uma peça de Shakespeare e estreia justamente com uma pouco encenada no Brasil. “Eu queria uma que surpreendesse e também que fosse compreensível pelo público em geral”, justifica.

A escolha revelou-se acertada. Durante o julgamento do caso envolvendo Antônio e Shylock, os espectadores acompanham atentos o duelo de argumentos entre acusação e defesa, transformando o palco em um tribunal improvisado. Aos poucos, questões fundamentais são apresentadas para o juízo público, como se o desprezo de Antônio por Shylock é compreensível e se o desejo de vingança do agiota é aceitável.
Em cinco atos, o texto que foi escrito originalmente para provocar risos revela a habilidade do autor inglês em misturar comédia e drama. “Vilões e heróis se confundem nas máscaras sociais”, diz Daniela Stirbulov, diretora da produção. “A obra, atravessada por tensões religiosas e preconceitos, nos confronta sobre intolerância, identidade e justiça, temas tão atuais quanto no tempo em que foi escrita.”

“Sou um judeu. Então um judeu não possui olhos? Um judeu não possui mãos, órgãos, dimensões, sentidos, afeições, paixões? Não é alimentado pelos mesmos alimentos, ferido com as mesmas armas, sujeito às mesmas doenças, curado pelos mesmos meios, aquecido e esfriado pelo mesmo verão e pelo mesmo inverno que um cristão? Se nos picais, não sangramos? Se nos fazeis cócegas, não rimos? Se nos envenenais, não morremos? E se vós nos ultrajais, não nos vingamos?”, reflete Shylock em dos mais famosos trechos da peça, ponto de partida para uma discussão sobre o preconceito.
Na concepção atualizada por Daniela, um painel circular de LED simula a estética da bolsa de valores enquanto uma baterista executa ao vivo um ritmo que ajuda a tornar as cenas mais aceleradas e motivadas. Também câmeras circulam pelo palco, trazendo imagens com close dos personagens. A peça chega a São Paulo depois de ser apresentada em outras cidades como Santo André, Guarulhos e Rio de Janeiro. Os ingressos para toda a temporada se esgotaram rapidamente, mas a direção do teatro já comenta, ainda que extraoficialmente, que o espetáculo continuará em cartaz por mais algumas semanas.
Serviço
O Mercador de Veneza
Tucarena. Entrada pela Rua Bartira, s/n, esquina com a Rua Monte Alegre, 1024
Sextas e sábados, 21h. Domingos, 18h. Não haverá sessões entre os dias 17 e 19 de outubro e entre 7 e 9 de novembro. R$ 25 / R$ 140
Até 14 de dezembro (estreou em 4 de outubro)
