“O Retrato de Janete”, primeira peça infantil da carreira do dramaturgo e diretor Marcelo Romagnoli, é reencenada pela Cia. Bendita, nos domingos no Sesc Pinheiros
Por Dib Carneiro Neto
Ela vem aí. Com 200 anos de idade e uma única amiga inseparável (a vespinha de estimação chamada Janete), Maristela, diva e atriz melodramática, ocupará de forma assombrada os domingos do Sesc Pinheiros, esquecida num camarim cheio de truques. O Retrato de Janete, de Marcelo Romagnoli, terá as músicas, efeitos sonoros e sonoplastia executados ao vivo – o que é sempre bem-vindo no teatro para crianças, por expor a elas um pouco do que costuma se fazer em estúdio, além de estimular possíveis vocações musicais.
Há uma curiosidade relevante: foi a primeira peça infantil da carreira do hoje consagrado Romagnoli, que desde então já produziu outros 30 textos para público infantil e jovem. A estreia foi em 2002, com Magali Biff no papel que agora é de Jackie Obrigon. É chavão dizer que as peças são “um presente”, mas essa, de fato, por ser um monólogo que homenageia o teatro, é um presentão valioso para sua intérprete. Maristela exige nuances, humores, mergulhos que toda atriz sonha em praticar um dia de forma solo, coroando sua carreira.
Romagnoli nos conta que o texto original tinha apenas sete páginas. “Era uma espécie de encomenda pra Magali Biff, com direção da Dedé Pacheco”, ele relembra. “Podia qualquer tema, mas tinha que ser monólogo. Escrevi a mão, em três dias, no verso de uns papéis usados. Não teve correção nem nada. Fizemos uma leitura com xerox do rascunho e praticamente daquele jeito ele foi para a cena. Não sei como deu certo.”
“Parecia que escrever era fácil”
E como foi que retomaram a ideia, tanto tempo depois? Romagnoli responde: “Desde então nunca mais reli, mesmo porque o original se perdeu. E, graças à Dedé, que tinha uma cópia datilografada guardada, a ideia de remontar caminhou. Foi uma oportunidade de entender mais a fundo o que antes estava só apontado pela intuição. Parecia fácil escrever. Agora acrescentei cenas, mas a estrutura é a mesma. No processo da montagem atual, com leitura pública na Oficina Oswald de Andrade e depois na sala de ensaios, fui sendo convencido de que O Retrato de Janete ainda tinha o que dizer e que seu tema poderia ir para além do metateatro. Depois de todo esse tempo, fui sendo levado a melhorar a escrita, a desenvolver com mais consciência as ideias que surgem do nada e a pensar na funcionalidade da estrutura. Uma peça precisa pelo menos funcionar. Trinta textos depois, com altos e baixos, dão a chance de eu desconfiar que escrever é, sim, fácil. Só que não.”
Jackie Obrigon, comemorando os 12 anos de sua companhia, a Bendita, e seus 30 anos como premiada atriz, não chegou a ver a montagem de 2002 com Magali Biff. “Não vi, mas sempre a achei incrível como atriz e como pessoa, sou fã”, diz Jackie, se sentindo desafiada com a missão. “O grande desafio, para mim, está sendo fazer um solo. Eu tinha esse receio, porque sou uma pessoa de grupo, sempre trabalhei nos coletivos. Mas o próprio Romagnoli diz que é um monólogo anti-monólogo, porque não sou só eu, há um músico em cena (Bruno Garcia) e, além disso, eu estou ‘contracenando’ com uma personagem invisível, a vespa Janete, minha parceira de cena. É com ela que vou conversando o tempo inteiro. No teatro, nunca estamos sozinhos, tem sempre uma equipe artística nos apoiando. E o público vai começar a chegar e eu vou fazer a peça com eles, não estarei sozinha. Estou pensando assim e isso está me ajudando a diluir a tensão de estrear um solo. Nós vamos dar conta juntos, eu, a plateia e a equipe.”
Mostrar valores de forma divertida
O que uma diva assombrada, de 200 anos, tem a dizer para as crianças de hoje? Jackie Obrigon, que adora refletir muito sobre todas as suas personagens, responde com facilidade e paixão: “A peça diz para a garotada de hoje o quão importante é ter memórias, ter laços que a gente vai construindo durante a vida, desde criança. Eu tenho 60 anos e muitos laços. Como é importante a gente se apropriar dessas memórias, desses laços de amor, no trabalho, na família. Isso é a nossa base. Estar com o outro. Evoluirmos juntos. É importante também a gente saber da nossa história, de onde viemos, onde estamos, para onde caminhamos. Sempre digo para minhas netas que, quando a gente consegue encontrar a nossa missão, e descobrir o que nos move, isso nos preenche e nos liberta para a felicidade. Não se trata de conquistar bens materiais, mas o bem maior que é estar com o seu emocional fortalecido. Conseguir passar isso para a plateia vai ser muito importante. Quero que saiam se perguntando: o que você gosta de fazer com você?”
O Retrato de Janete, em boa medida, fala de mulheres. “Estou aprendendo muito com a Maristela”, diz a atriz. “Há uma camada que, em um primeiro momento, eu não tinha enxergado, porque vemos logo as camadas da paixão, de valorizar a memória, de enxergar o outro, de praticar o afeto, mas ela é também uma mulher empoderada, no sentido de que ela foi fazer o que ela quis na vida dela, e a gente sabe a dificuldade que é isso. Ela fez escolhas e seguiu. A vespa Janete também é uma rebelde feminina, que sempre quer fugir, subverter. Falar sobre isso para crianças de todos os gêneros vai ser bem importante.”
Serviço
O Retrato de Janete
Sesc Pinheiros – Auditório, 3º andar. Rua Paes Leme, 195 Tel: (11) 3095 9400.
Domingos, 15 e 17h. R$ 30. Gratuito para crianças até 12 anos.
Até 30 de junho (estreia 2 de junho)