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“Trilha para as Estrelas” mostra que meninas podem tudo

Sinopse

Espetáculo infantil da cia. Barracão Cultural aproveita o tema urgente e frequente da preservação da natureza para falar com as crianças também sobre outro assunto: empoderamento feminino

Por Dib Carneiro Neto

Está em cartaz na sala pequena do Itaú Cultural, desde o início de abril, uma peça infantil que é mais uma parceria da instituição com a companhia paulistana Barracão Cultural, na verdade, a segunda parceria. A primeira, em 2022, foi Jogo de Imaginar, um encanto de atração que introduzia as crianças na história universal do teatro. Desta vez, o tema é ambiental, para aproveitar a exposição de fotos que está em cartaz no subsolo do prédio, Claudia Andujar – Cosmovisão, em que a renomada  fotógrafa mostra suas vivências na floresta –especialmente com o povo Yanomami. A peça, Trilha para as Estrelas, foi encomendada à trupe para se encaixar tematicamente no escopo da mostra. Jogada inteligente, que parece ter dado muito certo, a julgar pela adesão do público às duas atrações. É o teatro em casamento arranjado, mas feliz, com as artes visuais. 

E, assim, lá vamos nós para mais um espetáculo que fala de preservação da natureza, esse tema tão frequente no teatro infantojuvenil do século 21. Como abordá-lo de um jeito atraente, que não se pareça demais com tudo o que já foi feito até aqui? Um desafio e tanto. Trilha para as Estrelas, em cartaz só nas tardes de domingo, até pelo menos o fim do mês de julho (pode ser prorrogada), tem direção de Thaís Medeiros, trilha sonora de Morris e produção de Eloísa Elena (o mesmo trio de Jogo de Imaginar). O texto é coletivo, mas tem dramaturgismo de Amanda Carneiro. 

Cena de Trilha para as Estrelas. Foto Letícia Vieira

“O caminho que escolhemos foi o de abordar o tema a partir do que é verdadeiro para nós,  de como realmente vemos e pensamos os desafios da nossa relação com a natureza”, diz a produtora Eloisa Elena. A diretora Thaís argumenta pela mesma linha: “Encontrar uma chave comum de discurso entre todos da equipe é desafiador, ainda mais um tema que pode facilmente ficar chato e didático. Procuramos achar o tom da honestidade e um tom em que a gente também se coloca como questionadora, porque honestamente não temos as respostas, também queremos saber como transformar as coisas para melhor. Até encontrar essa trilha, fiquei muito ansiosa, mas isso faz parte de se fazer teatro de forma responsável e verdadeira”.

Receita: diminuir o ímpeto consumista

Eloisa detalha mais essa opção pela busca da verdade cênica sobre o tema:  “Esse olhar passa por dois pontos fundamentais: somos parte da natureza e não algo apartado dela; e precisamos repensar nossa cultura de produção e consumo. A partir destes eixos, seguimos na construção do espetáculo.”

Thaís, a diretora, completa: “Apesar de querermos a mata de pé e reconhecermos a importância da floresta, da biodiversidade, dos animais, a gente também adora fazer uma ‘comprinha’. A gente está sempre comprando, comprando, comprando. É uma dinâmica nossa, bichos da cidade, com nossas relações sempre aceleradas e distantes da natureza. Quisemos colocar isso em cena, a questão do consumo exagerado. As personagens chegam à conclusão de que, mais do que precisar de coisas,  é urgente conseguir respirar. A nossa contribuição foi essa. E também achamos um jeito de falar sobre a natureza que está em todos os lugares, mesmo nas cidades. Há uma provocação no texto: imaginar a natureza que existia onde hoje é o metrô, por exemplo. Onde hoje é cidade, antes já foi floresta. Os brotinhos de vegetação que aparecem tímidos pelos muros da cidade: a natureza é isso também. Claro, é a natureza em densidades diferentes, mas é a que está perto de nós de alguma forma. É importante reconhecer isso primeiramente, porque essa visão mais próxima fortalece a gente depois, para a grave situação da Amazônia, por exemplo”.

Uma parceria tranquila e frutífera

Eloisa Elena, na coordenação geral, fala da importância dessa parceria com o Itaú Cultural: “Receber o convite para repetir a parceria foi uma grande surpresa. Jogo de Imaginar,  nosso primeiro projeto em parceria, foi um espetáculo muito bem recebido pelo público e crítica, e então a expectativa e o desafio ficaram agora gigantes.  Mas tanto no Jogo, como no Trilha, todo o processo se deu com muita confiança, transparência, respeito e tranquilidade. Nos sentimos muito à vontade com a equipe do Itaú Cultural, para trocar ideias,  propor caminhos –   e tudo é construído num diálogo muito bom. Ter a confiança da equipe de uma instituição como essa é uma grande responsabilidade, mas também motivo de alegria para a nossa companhia.  A área de cênicas,  nossa interlocutora direta na instituição, tem uma equipe super comprometida, com quem  estabelecemos uma troca muito rica”.

Outra cena do infantil Trilha para as Estrelas. Foto Letícia Vieira

Eloísa comenta também os caminhos que sua companhia escolheu desta vez. Ela assegura: “A linguagem do espetáculo segue na mesma linha dos outros trabalhos da Barracão. Acreditamos que é possível falar de coisas importantes usando a matéria prima do teatro,  que é a poesia,  a imaginação, a delicadeza, sem precisar ser excessivamente didático. E, em Trilha para as Estrelas, nos alimentamos dessa mesma matéria, usando os recursos que caracterizam os trabalhos da Barracão: o cuidado com cada elemento da cena, uma trilha sonora que permeia todo o espetáculo de forma bem forte, com canções que, além de exercer um papel narrativo, ajudam a contar a história e trazem leveza para o espetáculo; e a aposta em um trabalho que, apesar de ter poucos elementos cênicos, se apoia no trabalho artístico de cada integrante e do elenco”.

O momento de interação com a plateia

A resposta do público tem sido muito boa até aqui. Eloisa atesta: “Estreamos há 2 semanas e fizemos 3 espetáculos até agora, mas tem sido lindo observar como o público se deixa levar pelas situações propostas pelo espetáculo.  Algumas coisas me chamaram a atenção nesses dias: a resposta do público em um momento em que abrimos espaço para as pessoas falarem sobre o mundo que elas sonham. Dão respostas lindas,  emocionantes.”

A diretora, Thaís, reforça: “Não é original fazer isso, faz parte de muitos trabalhos interpelar o público. Mas, ainda assim, a gente se surpreende muito com as respostas que chegam. São tocantes. O público é muito verdadeiro e consegue ser poético, imaginando possibilidades de um mundo melhor. É fantástico esse momento. A sala é bem intimista, com 50 lugares, e o público fica bem colado nas atrizes.”  As duas, produtora e diretora, lembram da reação de uma criança que acreditou tanto no momento em que surge uma onça que, quando colocaram um rugido na trilha, a criança disse para a mãe: “É a onça, eu tô com medo!”.

Cena de Trilha para as Estrelas. Foto Letícia Vieira

E, já que o tema é a natureza, a produção procurou ser coerente na escolha dos materiais da cenografia e dos figurinos. Eloisa Elena dá a ficha: “Quando começamos a pensar a estética do trabalho e  os conceitos que orientariam a linguagem,  pensamos imediatamente que a estética deveria ser espelho da ética.  Não queríamos fazer um espetáculo com essa temática e encher o palco de plástico,  de materiais que não possuem na sua cadeia de produção e distribuição uma preocupação e cuidado com o meio ambiente.  Então iniciamos uma busca por materiais que tivessem uma pegada ecológica menor: tecidos de algodão,  roupas de brechó e o material de parte do figurino e do cenário,  que é feito de guarda-chuvas retirados de aterro sanitário.  Também nos perguntamos, em alguns momentos da produção,  se aquele item era necessário,  ou se seria apenas um objeto a mais. Esse repensar antes de consumir é uma atitude fundamental para diminuir o consumo e seus impactos no meio ambiente.”

Só mulheres em cena

Outro ponto a se destacar em Trilha para as Estrelas é o elenco formado só por mulheres – Arami Argüello, Lilian Regina e Vicka Matos. Palavra da direção: “Esse elenco feminino veio surgindo de mansinho”, comenta Thaís Medeiros. “Havia uma questão de dialogarmos com a exposição de Claudia Andujar, então a perspectiva feminina desde o começo estava posta para nós. Foi natural. Difícil explicar racionalmente a escolha, foi uma intuição que se confirmou com a produção, com a dramaturgia. Houve um fluxo de criação com essa sintonia e essa escuta entre todas nós. Tem a ver também com nossa vontade de mostrar meninas fazendo coisas que até hoje pensam que só menino pode fazer. É legal retratar isso para as crianças. E o valor da amizade entra nisso tudo também. Como é gostoso ter um tempo entre amigas, na trilha, contemplando o horizonte, coisas assim. Foi ficando muito simpática essa proposta de três atrizes, que, aliás, são muito carismáticas. E eu venho da Cia. Delas, com elenco feminino e peças sobre mulheres fazendo coisas bacanas pelo mundo. Sempre foi minha trajetória.”  Eloisa se lembra de contar uma curiosidade: “Outro dia, três amigas foram assistir,  porque são meninas que fazem trilhas juntas e, ao lerem a sinopse em algum material de divulgação,  se interessaram exatamente pelo fato de as personagens serem mulheres fazendo uma trilha.” Nada como comprovar tão rapidamente o acerto nas escolhas feitas. Que a trilha continue leve e reveladora. 

Serviço

Trilha para as Estrelas 

Itaú Cultural. Sala Vermelha.  Av. Paulista, 149. Tel.: (11) 2168-1777 e WhatsApp (11) 96383-1663

Domingos, 16h. Grátis

Até 28 de julho

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Ficha Técnica

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Serviço

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