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Tragédias ambientais e ambição do mundo corporativo pautam o espetáculo “Realpolitik”

Sinopse

Dirigidos por Guilherme Leme Garcia, os atores Pedro Osório e Augusto Zacchi reforçam o realismo ao apresentar a peça em uma sala de reuniões

Por Dirceu Alves Jr.

Uma baleia metálica de 20 metros de cumprimento se tornou um dos símbolos da Avenida Faria Lima, o principal centro financeiro de São Paulo. A escultura está localizada na praça de entrada do moderno edifício B32, no cruzamento com Rua Leopoldo Couto Magalhães Junior, no Itaim Bibi. No subsolo deste mesmo prédio, em uma sala de reuniões, capaz de acomodar sessenta pessoas, o espetáculo Realpolitik é apresentado, de sextas a domingos, desde o dia 7 – e nada é mera coincidência.

Sob a direção de Guilherme Leme Garcia, a peça escrita por Daniela Pereira de Carvalho tem como protagonistas os atores Pedro Osório e Augusto Zacchi e recorre ao chamado modelo “site specific”. O termo define uma obra de arte criada em função das condições oferecidas pelo espaço – no caso, a encenação se adequou ao realismo de uma sala de entrevistas usada pelos executivos que trabalham no prédio e preferem agendar reuniões no local sem expor a intimidade de seus escritórios. 

Augusto Zacchi e Pedro Osório em Realpolitik. Foto Raissa Nashla

Em Realpolitik, não há sequer um efeito de iluminação. A peça se desenvolve com a luz branca e chapada comum a estes locais e é ambientada em tempo real, durante uma hora cronometrada. Diante de tamanho pragmatismo cênico, a história pode ser ainda mais impactante aos espectadores, principalmente para aqueles que trabalham ou convivem com pessoas do entorno de onde ela é encenada. “Nós buscamos chegar o mais perto do realismo que fosse possível e colocamos o público dentro de um centro corporativo sem teatralizar nada ao redor”, explica Leme Garcia. “É o realismo na cara do espectador.” 

Henrique (interpretado por Osório) é o CEO de uma poderosa mineradora que recebe o jornalista Rafael (papel de Zacchi) para uma entrevista. Os dois são velhos conhecidos, estudaram juntos em Oxford, e Rafael, com o prestígio de suas reportagens, contribuiu para a ascensão profissional do colega. O recente envolvimento da empresa em uma tragédia ambiental, no entanto, fez com que o jornalista se sentisse cúmplice das mortes registradas e, em uma decisão radical, ameaça explodir com uma bomba a sede da mineradora. “O que acho mais atraente neste texto é que não existe herói ou vilão”, comenta Leme Garcia. “O jornalista sabe que ganhou dinheiro empoderando essas grandes figuram que vivem da exploração do planeta.” 

O ator fluminense Pedro Osório, de 48 anos, é o idealizador do projeto e já foi dirigido por Leme Garcia nas peças A Forma das Coisas, Laranja Azul e A Peste, versão da obra de Albert Camus, encenada entre 2028 e 2019. Foi no fim da temporada desta última, um monólogo em que interpretou um médico que se sacrifica para combater o bacilo de uma terrível doença, que veio a ideia de Realpolitik. “Aquele personagem era um exemplo de humanidade, ninguém podia ser mais santo, por isso, eu quis investigar o outro lado da moeda, viver um homem destrutivo, movido pelo capitalismo selvagem e sugeri essa ideia para a Daniela escrever”, conta Osório. 

Augusto Zacchi e Pedro Osório em Realpolitik. Foto Raissa Nashla

Entusiasmada com o projeto, a dramaturga criou o texto e uma primeira montagem de Realpolitik estreou em 2022 no Rio de Janeiro, em uma sala comercial de um prédio na esquina das avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, na região central. A direção era de Marcello Gonçalves, e Oscar Calixto defendia a papel do jornalista. A curta duração da temporada deixou Osório frustrado e, para concretizar a vinda da peça para São Paulo, começou uma nova produção do zero, amparada por pouquíssimos recursos familiares.

Osório chamou Garcia Leme e Zacchi, dois colegas bastante conhecidos, que, além das afinidades pessoais e artísticas, moram na capital paulista – o que facilitou financeiramente a sua investida. “O meu objetivo é fazer uma provocação ao público de São Paulo, um despertar de consciência, porque precisamos entender como esses homens frios, pragmáticos e que só pensam com a cabeça do dinheiro foram normalizados e transformados em modelos pela nossa sociedade”, afirma Osório.

Na primeira semana, o artista já ouviu de um espectador no final de uma sessão que o seu personagem seria facilmente contratado por qualquer headhunter (o responsável pela seleção dos melhores executivos no mercado) da Faria Lima. Osório se entristece com a realidade, mas percebe que trata de um tema relevante na hora certa. “O texto começou a ser pensado para falar de Brumadinho, depois veio Petrópolis, Maceió e, agora, o Rio Grande do Sul, para ficar só no Brasil, porque o mundo virou um ato terrorista atrás do outro”, declara o intérprete. “Nós, como artistas, precisamos colocar em discussão esses desastres ambientais que são estimulados pelo capitalismo ou estaremos colaborando para neutralizar essa necropolítica”, completa.

A reflexão, sem dúvida, é oportuna, e o tempo parece dar um novo sentido para o texto de Daniela Pereira de Carvalho. Encenado no conhecido edifício da Faria Lima, então, o espetáculo ganha o apoio do ícone da baleia de metal, que amplia os significados em torno do animal ameaçado de extinção e de toda uma natureza devastada, facilmente associada à proposta da dramaturgia. 

Serviço

Realpolitik.

Teatro B32 – Subsolo. Avenida Brigadeiro Faria Lima, 3732, Itaim Bibi.

Sexta e sábado, 20h; domingo, 17h. R$ 100.

Até 28 de julho.

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Ficha Técnica

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Serviço

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