canal teatro mf logo

O melhor do teatro está aqui

Search

“The Boys in the Band” continua atual ao lutar pelos direitos civis dos homossexuais; veja vídeos

Sinopse

Peça de 1968 ganha montagem no Teatro Procópio Ferreira e trata de questões de identidade, sexualidade, relacionamentos e autoaceitação

Por Ubiratan Brasil

Em uma cena do filme clássico Nasce uma Estrela, versão de 1954, o personagem Norman Maine (James Mason) comenta para sua pupila Esther (Judy Garland) que ela está cantando para si mesma e para “os rapazes da banda”, gíria da época usada para se referir aos homossexuais. Pois é justamente The Boys in the Band o título de uma peça que se tornou referência na dramaturgia mundial e que ganha nova versão nacional, agora com o subtítulo de Os Garotos da Banda, no Teatro Procópio Ferreira.

“Foi um consenso no elenco de trocarmos ‘rapazes’ por ‘garotos’”, explica o diretor Ricardo Grasson. Decisões coletivas marcam o espetáculo brasileiro e não apenas como ato democrático – com emoção à flor da pele, a peça necessita de um grupo unido para realmente acontecer.

Primeira peça a tratar abertamente das questões homossexuais, The Boys in the Band foi escrita pelo americano Matt Crowley e estreou nos EUA em 1968. Sucesso imediato – e não apenas entre os gays -, o espetáculo reforçou uma onda, da qual também fazia parte o musical Hair, na qual questões de gênero eram abordadas com franqueza. Isso porque Crowley não fez um retrato idílico da comunidade, mas tratou de temas incômodos, como a inveja e o poder destrutivo presente entre os gays, mesmo em suas fechadas comunidades.

“A década de 60 testemunhou um mundo em transformação, uma era de mudanças radicais, com os movimentos pelos direitos civis, a contracultura hippie, o movimento Black Power, o movimento Gay Power, os movimentos estudantis e a revolução sexual moldando o tecido da sociedade”, comenta Grasson. “O cenário de lutas e conquistas que caracterizou esse período não se limitou apenas à causa LGBTQIAPN+. Foi nesse contexto que Mart Crowley escreveu The Boys in the Band, uma obra que desafiou tabus e expôs a vida de homens gays de maneira honesta e ousada.”

O elenco da nova versão de The Boys in the Band. Foto Rafael Cusato

A história se passa em Nova York, em 1968, quando um grupo de amigos gays se reúne para celebrar o aniversário de um deles. À medida que a festa avança, porém, conflitos e ressentimentos reprimidos entre os personagens vêm à tona durante um venenoso jogo que leva a revelações pessoais e momentos emocionais tensos.

“O apartamento tem uma função muito dúbia: ao mesmo tempo que é o lugar onde eles podem se libertar, também é uma espécie de prisão”, comenta Bruno Narchi, que interpreta Harold, o aniversariante. “O trunfo desse texto é o de questionar a origem de pensamentos negativistas. E, ainda que hoje tenhamos mais espaços para estarmos juntos e celebrarmos quem somos, a gente ainda é afetado pela formação tradicional do ser humano, que condena os gays.”

Além de aceitação e sexualidade, a peça trata ainda de assuntos que ainda merecem atenção, como racismo. “Como homem negro, não posso falar da vida gay na década de 60 e anular todo os contexto social e político no qual estávamos lutando naquele período”, comenta Tiago Barbosa, que vive Bernard, o único personagem preto da história e que sofre com piadas racistas, como ser chamado de mucama. “Havia movimentos pelos direitos civis e também o Black Panther e a luta de Martin Luther King Jr. e Malcolm X. Isso retrata um povo sedento por voz de fala, empoderado, sem medo do embate, sedento por ser visto e respeitado.”

Ricardo Grasson conta que as discussões no grupo sobre racismo duraram duas semanas e foram decisivas para a colocação de Bernard no contexto atual. “Eu até coloquei dreads”, diz Tiago.

Outro ponto muito importante está representado no personagem Alan McCarthy, vivido por Caio Paduan. Ele é amigo de faculdade de Michael (Mateus Ribeiro), dono do apartamento onde acontece o encontro. De passagem pela cidade, ele, aparentemente heterossexual, visita o amigo inesperadamente durante a festa e descobre a homossexualidade de Michael. “Descobre? Isso não fica bem claro, pois parece que tiveram uma atração platônica”, comenta Mateus.

Os impropérios disparados por Alan, no entanto, revelam a situação delicada vivida sempre pelos gays, discriminados por boa parte da sociedade ainda hoje. “É uma heterossexualidade tóxica que também fez parte da minha formação”, comenta Paduan. “Muitas frases do Alan são repetidas ainda hoje, 55 anos depois da escritas por Crowley.”

Momento de ruptura

Para Tony Kushner, dramaturgo que escreveu Angels in America, também um clássico sobre as relações sociais e sexuais, The Boys in the Band representa justamente o momento de ruptura para a humanização dos homossexuais. Em introdução para a edição impressa de 2018, Kushner explica que “há momentos em que os padrões se quebram, comportamentos mudam, e seus personagens conseguem articular um comprometimento para mudarem sua postura”. Segundo ele, a peça captura o que há de desconcertante, estranho e embaraçoso nesses momentos pré-explosão rumo à libertação.

Para o crítico teatral Peter Filichia, a produção original da peça ajudou a inspirar os protestos de Stonewall, em 1969, e desencadeou o movimento pelos direitos dos homossexuais. Afinal, no dia da Revolta de Stonewall, The Boys in the Band estava em cartaz em um teatro próximo ao local do protesto. Ao fugir da repressão policial, os manifestantes se abrigaram no teatro. 

No Brasil, a peça estreou em São Paulo em 1970, no Teatro Cacilda Becker, com produção de Eva Wilma e John Herbert, um casal heterossexual. Com tradução de Millôr Fernandes, Os Rapazes da Banda tinha no elenco nomes como Raul Cortez, Walmor Chagas, Paulo César Pereio, Otávio Augusto, Gésio Amadeu, Dennis Carvalho e o próprio John Herbert. Apesar de ter sido um sucesso, no auge da ditadura militar, o espetáculo sofreu com a crítica conservadora e a censura por abordar relacionamentos entre homens em plena revolução sexual na era pré-aids. “Na temporada carioca, tivemos de esperar pela liberação da censura militar”, comenta Otávio Augusto.

Versão no cinema e streaming

The Boys in the Band foi adaptada para o cinema em 1970, com roteiro escrito pelo próprio Matt Crowley e dirigida por William Friedkin, recentemente falecido. Em 2020, dois anos depois de ter sido remontada na Broadway e vencido um prêmio Tony na categoria de Melhor Revival de peça de teatro, The Boys in the Band ganhou uma nova filmagem com direção de Joe Mantello e produção de Ryan Murphy. A versão está disponível na Netflix.

O elenco da atual versão, escrita por Caio Evangelista, conta ainda com Leonardo Miggiorin, Otávio Martins, Caio Evangelista, Júlio Oliveira, Heber Gutierrez e Heitor Garcia.

Serviço

The Boys in the Band – Os Garotos da Banda

Teatro Procópio Ferreira. Rua Augusta, 2.823. Telefone: (11) 3083.4475

Terças e quartas, 21h. R$ 120

Até 22 de novembro

[acf_release]
[acf_link_para_comprar]

Ficha Técnica

[acf_ficha_tecnica]

Serviço

[acf_servico]