Musical clássico de Stephen Sondheim ganha versão grandiosa com direção de Zé Henrique de Paula
Por Ubiratan Brasil
Depois de apresentado em 2022 no espaço aberto do 033 Rooftop, o musical Sweeney Todd – o Cruel Barbeiro da Rua Fleet chega agora a um palco tradicional, o do Teatro Santander. “Com a mudança de perspectiva do público, que agora não está no meio do cenário, o espetáculo ganha por apresentar com mais nitidez suas qualidades”, observa o diretor Zé Henrique de Paula. De fato, um dos mais sofisticados musicais criados na Broadway, Sweeney Todd traz também um grande poder de comunicação pela história cruel que narra.
A história sombria acompanha Benjamin Barker (Saulo Vasconcelos), barbeiro que foi obrigado a deixar Londres ao ser condenado pelo inescrupuloso juiz Turpin (Rodrigo Mercadante) por um crime que não cometeu. A época é a era vitoriana do século 19 e o ambiente é o lado sórdido da capital inglesa, onde a decadência e o desespero são evidentes, seja pela pobreza dos transeuntes, maltrapilhos e fedorentos, ou pela paisagem fumacenta e metálica.
Ele volta depois de 15 anos, disposto a se vingar – afinal, com seu exílio, a mulher morreu enlouquecida e a jovem filha, Johanna (Caru Truzzi), vive sob a tutela do juiz, que não esconde seus interesses sexuais, e desperta a paixão do marinheiro Anthony (Pedro Silveira). Agora, sob o pseudônimo de Sweeney Todd, ele encontra sua antiga barbearia, na Rua Fleet, transformada em uma miserável loja de tortas, administrada pela Dona Lovett (Andrezza Massei). Amoral, ela o ajuda em um plano de vingança que também fará a loja prosperar, à custa de assassinatos e canibalismo daqueles que cruzam seu caminho.
Com música e letras de um dos maiores compositores americanos do gênero, Stephen Sondheim (1930-2021), Sweeney Todd é um trabalho engenhoso, com canções que servem às letras. “Mas é tão elaborado que exige muito na interpretação, tanto cênica como vocal”, comenta o veterano Vasconcelos, um dos remanescentes do nascer do teatro ao estilo da Broadway em São Paulo, iniciado em 2001 com Les Misérables – outro nome presente no elenco é o de Fred Silveira, também importante para a história do musical brasileiro.
De volta ao papel da inescrupulosa Lovett, Andrezza percebeu o passar dos anos foi benéfico para a construção da personagem. “Tenho mais domínio da situação, consigo lidar com mais segurança na amargura que tenta mas não consegue abafar a compaixão de Lovett”, explica a atriz, que também sentiu a mudança de um teatro aberto para o tradicional. “Agora os personagens ocupam espaços alinhados.”
Outro remanescente da montagem de 2022, Mateus Ribeiro revive Tobias Ragg, garoto que se torna auxiliar de Lovett, depois da derrocada de seu patrão, o negociante Adolfo Pirelli (grande momento de Pedro Navarro), cujo famoso elixir é desmascarado. “No início, resisti em fazer o papel porque acreditei que era uma criança, até descobrir que é um jovem com problemas físicos, que o deixaram manco e com raciocínio lento. Percebi ali um grande desafio, que se repete na atual montagem”, comenta.
A profusão de detalhes que envolve o espetáculo tornou-se também desafiante o trabalho de Fernanda Maia na tradução das letras e na direção musical do espetáculo. “Sondheim trabalha com acentos e monossílabos, a ponto de a primeira canção ter mais de 35 rimas. Em seu compromisso de contar uma história, ele elaborou uma condição emocional para as canções que envolve teatralmente cada personagem e isso se torna um desafio pois uma mesma canção tem diferentes compassos, quebrando o ritmo”, explica ela que, buscou aproximar o texto da realidade brasileira, ao destacar a forma como o juiz trata as pessoas humildes como gado e também ao apontar a presença de policiais corruptos. “A montagem americana é mais ao estilo de Mozart, fiel aos detalhes do original, mas aqui optei por uma proximidade com Brahms, que é mais passional.”
A dificuldade de cantar a partitura e a excentricidade da temática tornaram o espetáculo também atraente para artistas e plateias acostumados à ópera, público habitualmente avesso a musicais. Sweeney Todd é praticamente música contínua, forma encontrada por Sondheim para homenagear os melodramas britânicos do século 19, nos quais a música era executada continuamente pela orquestra enquanto os atores diziam suas falas – ele se inspirou no livro O Colar de Pérolas, de 1846, escrito por Thomas Peckett Prest e James Malcom Rymer. “É um tratado sobre culpa, raiva, frustração, vingança e desencanto da alma. Mas é sobretudo um espetáculo sobre o amor, cujos tropeços despertam aquelas reações”, comenta Zé Henrique.
Serviço
Sweeney Todd – o Cruel Barbeiro da Rua Fleet
Teatro Santander. Complexo JK Iguatemi. Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041
Quinta e sexta, 20h. Sábado e domingo, 16h e 20h. R$ 21,18 / R$ 300
Até 26 de janeiro (estreia 9 de janeiro)