Em celebração ao centenário de um dos maiores intérpretes da cena brasileira, o espetáculo, que estreia no teatro que leva seu nome, busca um recorte reflexivo para instigar as novas gerações
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 19 de setembro de 2025)
Quem é mesmo Sérgio Cardoso (1925-1972)? Um teatro movimentado na Rua Rui Barbosa, no Bixiga, em São Paulo. Esta é a principal referência que grande parte dos espectadores, principalmente aqueles nascidos a partir da década de 1970, carrega de um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos. Em março, ele teria completado um século de vida se não tivesse sofrido um infarte fatal aos 47 anos, na reta final da novela O Primeiro Amor. Poucos se lembraram, quase nada se falou.
Nome fundamental da moderna cena nacional, o paraense Sérgio da Fonseca Mattos Cardoso levou ao extremo a máxima “ser ou não ser: eis a questão”, bradada pelo personagem Hamlet, da peça de William Shakespeare (1564-1616), que revelou a sua vocação em 1948. Para ele, o ator tinha a obrigação de se transformar no personagem ou não seria completo. Assim, brilhou no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), fundou uma profícua companhia em parceria com a atriz Nydia Licia (1926-2015), sua mulher na época, e, depois dos 40 anos, conheceu o estrelato na teledramaturgia da TV Tupi e da Rede Globo, o que desapontou muitos fãs do teatro.

Rara iniciativa para jogar luz sobre a sua relevância foi o livro biográfico Sérgio Cardoso – Ser e não Ser, escrito pelo professor Jamil Dias, publicado em maio pelas Edições Sesc. Uma nova oportunidade se dá com o espetáculo Seis Atores em Busca de Sérgio Cardoso, dramaturgia e direção de Rita Batata, que estreia nesta sexta, 19, na Sala Paschoal Carlos Magno, o espaço alternativo do popular teatro que leva o seu nome no Bixiga. “Meu desejo é que esse trabalho instigue as novas gerações a buscar informações não só sobre o Sérgio, mas sobre estas pessoas que construíram o nosso teatro”, comenta a autora e diretora.
Não espere um documentário cênico ou uma biografia formal, como é comum de ver na cena brasileira em peças inspiradas em celebridades. A proposta da Rima Coletiva, grupo fundado por Rita e Mariana Leme há 8 anos, é um recorte reflexivo sobre o que significou Sérgio Cardoso e como o seu estilo ecoaria nos profissionais de hoje.
As atrizes Bárbara Arakaki, Lilian Regina e Mariana Leme e os atores Bruno Lourenço, Felipe Ramos e Rafael Pimenta protagonizam um painel que busca enxergá-lo como material de pesquisa para discutir a crise da representação e a impossibilidade de retratar Cardoso com fidelidade no panorama cênico da atualidade. O título faz referência a Seis Personagens à Procura de um Ator, de Luigi Pirandello (1867-1936), uma das montagens protagonizadas pelo intérprete no TBC.

“Não é uma peça sobre a nossa memória até porque tudo sobre ele que conhecemos é através da visão dos outros”, explica Rita. “Estamos aqui para falar desse ofício tão instigante, mas que é muito desgastante e foi repleto de perrengues também para um artista como Sérgio Cardoso e toda a sua geração, que inclui Paulo Autran, Tônia Carrero, Fernanda Montenegro e tantos outros.”
Diante do descompromisso com a verossimilhança, a peça adota a metalinguagem para mostrar um elenco que ensaia o espetáculo Seis Atores em Busca de Sérgio Cardoso – quer dizer, uma peça dentro da peça. Alguns personagens marcantes de sua carreira, como o consagrador Hamlet, o Henrique IV, de Luigi Pirandello, ou o Lampião, da peça escrita por Rachel de Queiroz, são revividos no palco. O que salta, no entanto, dos atores e atrizes é angústia diante da tarefa de interpretar um mito e não chegar perto disto.
“O que movia o Sérgio era a lógica da composição, era apagar a sua imagem e parecer outra pessoa, algo que não se vê na cena contemporânea em que se busca uma proximidade cada vez maior da realidade”, observa a dramaturga e diretora. “Por isso, temos vários espectros do Sérgio em cena para discutir essa possibilidade de cada ator se transformar um outro.”

A própria Rita, de 39 anos, assume que conhecia Cardoso muito mais de orelhada e só se aprofundou em sua história quando foi convidada para comandar o projeto. A ideia surgiu de Sylvia Cardoso Leão, filha do ator, em parceria com a APAA (Associação Paulista dos Amigos da Arte), gestora do Teatro Sérgio Cardoso. Por razões óbvias, são poucos os materiais audiovisuais disponíveis sobre o pesquisado – um de seus raros trabalhos no cinema foi o filme Os Herdeiros, dirigido por Carlos Diegues em 1970. Restou para Rita assistir a alguns casos especiais produzidos pela Rede Globo com a sua participação encontrados na internet.
Um deles foi O Médico e o Monstro, adaptação de Domingos Oliveira para o romance de Robert Louis Stevenson com direção do polonês Zbigniew Ziembinski, um dos responsáveis pela modernização do teatro brasileiro. “É um trabalho tão expressionista que tive a sensação do que seria ver o Sérgio no palco”, comenta Rita. “Se ele não tivesse morrido tão cedo acredito que se tornaria tão popular quanto o Paulo Autran e lotaria os grandes teatros com o público conquistado através da televisão.”
Serviço
Seis Atores em Busca de Sérgio Cardoso
Teatro Sérgio Cardoso – Sala Paschoal Carlos Magno. Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista
Sextas, sábados, domingos e segundas, 19h. R$ 40
Até 20 de outubro (estreia 19 de setembro)
