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Ricardo Gelli dá voz a três gerações de homens em conflito no monólogo “Puma”

Sinopse

O ator é dirigido por Alexandre Reinecke na peça escrita por Sergio Mello que faz temporada gratuita na Oficina Cultural Oswald de Andrade 

Por Dirceu Alves Jr.

Conhecido por comédias de grande sucesso, como Toc Toc, Sua Excelência, O Candidato e Os 39 Degraus, o diretor Alexandre Reinecke, de 54 anos, estava há meia década longe dos palcos. Seu último trabalho foi O Martelo, com os atores Edwin Luisi, Anderson Muller e Natallia Rodrigues, apresentado na cidade entre janeiro e abril de 2019. Neste período, entrecortado pela pandemia, ele se dedicou aos roteiros para o audiovisual e criou uma versão para o teatro em formato musical da canção Domingo do Parque, de Gilberto Gil, aprovada pelo compositor, que poderá ganhar a cena em 2025.

O jejum é quebrado com a estreia do monólogo Puma, escrito por Sergio Mello e protagonizado por Ricardo Gelli, que entra em cartaz no dia 19 de janeiro, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, com entrada franca. No centro da trama aparece um homem tomado de rancor e frustrações, por volta dos 50 anos, que discute a relação com o pai, um velho escritor antes celebrado e hoje esquecido, e o filho, que, apesar de aspirante a poeta, ganha a vida como motorista de aplicativo e produz vídeos patrocinados na internet. “É o retrato de uma sociedade em que muitos nunca chegam ao lugar de merecimento que sonhavam”, define Reinecke. “O conflito toma proporções maiores quando o neto consegue se descolar das amarguras acumuladas pelo avô e o pai.”

Quando o público entra no teatro, Gelli está em cena, na pele do homem à beira dos 50 anos, desenhando um retrato feminino. Trata-se de uma quarta personagem que vive em sua imaginação, a mãe do seu filho, que os abandonou logo depois do nascimento do bebê e com quem trava diálogos solitários. “Ele começa a fazer uma reflexão paterna porque o garoto cresceu sem referências da mãe”, conta o ator. Como um escritor de relativo potencial, o personagem jamais desenvolveu o talento literário por acreditar que não conquistaria prestígio semelhante ao do pai e aceitou o lugar de fracassado como roteirista de vídeos para o mundo empresarial.

Ricardo Gelli no monólogo Puma. Foto de Rodrigo Sommer

Puma é a segunda parceria de Gelli com o dramaturgo Sergio Mello. Em 2019, os dois montaram o solo Rio Grande, em torno de um metroviário que, nas horas vagas, procurava outros homens na internet para apimentar a relação com sua mulher. “Embora as histórias não tenham ligação entre si, elas integram uma trilogia do Sergio sobre as frustrações masculinas que tem ainda uma terceira peça, Soco na Parede”, comenta o intérprete. 

Gelli e Reinecke se encontraram em meados do segundo semestre passado para a primeira leitura de Puma, e o diretor percebeu que o ator enxergava o texto de uma forma bem mais densa que ele. “Gelli leu tudo com uma amargura, um peso enorme e disse que não era nada daquilo que eu imaginava porque, para mim, aquele sujeito tinha que aparecer carregado de ironia, rancoroso sim, mas com sarcasmo”, sugeriu o diretor. O ator concordou de imediato com a opinião do encenador. “O Sergio tem uma coisa realmente densa que o Reinecke soube conduzir com leveza sem esvaziar o problema”, completa.

Dispostos a colocar o trabalho em cena, Gelli e Reinecke não esperaram um modo de produção ideal – até para não alimentar frustrações. Levantaram uma pequena verba e garantiram a disponibilidade da Oficina Cultural Oswald de Andrade. Os ensaios começaram no último dia 3 e, em dois dias, a peça estava com todas as marcações feitas e as duas semanas que antecederam a estreia foram dedicadas a lapidar a encenação. “Gosto disso, sou ansioso, impaciente e essa objetividade para cumprir o curtíssimo cronograma nos ajudou, inclusive porque o Gelli é uma máquina de decorar texto”, elogia o diretor.  

Aos 46 anos, Gelli coleciona papeis de destaque em espetáculos como Genet – O Poeta Ladrão, Visitando o Sr. Green, Troilo e Créssida e Anjo de Pedra em mais de duas décadas de carreira. Reconhece, no entanto, que ele mesmo e seus contemporâneos sentem na pele os conflitos vividos pelo personagem central de Puma. “Somos parte de uma geração que ficou no limbo e não enxergou o tempo passar”, admite. No momento, o ator grava uma participação especial na novela Beleza Fatal, produzida pela HBO, e aguarda o lançamento das séries Sutura e Aqueles Dias, além do longa-metragem Enterre seus Mortos, dirigido por Marco Dutra. “O trabalho de ator se aproxima ao do operário, do sapateiro, é preciso se aperfeiçoar todos os dias em busca do melhor resultado, mas, no Brasil, tudo é muito inconstante e vivemos na iminência de desistir.”

Preocupação natural entre pais e filhos

Reinecke, por sua vez, entende as questões levantadas por Sergio Mello em Puma. Segundo ele, assim como na peça, muitos profissionais, ainda mais no meio artístico, se consideram muito melhores do que realmente são e, aberta essa porta para a frustração, fica difícil enxergar novas alternativas. Os problemas instaurados entre os três personagens, no entanto, se devem, segundo o diretor, a uma tentativa de proteção, a uma preocupação natural entre pais e filhos. “O meu pai era um artista plástico sensacional, mas foi levado pela minha avó para o mundo empresarial e, quando comuniquei que me dedicaria ao teatro, ele me questionou profundamente”, lembra o diretor. “Hoje, penso que talvez meu pai pudesse ter razão, até porque minha filha mais velha é artista plástica e me angustio com a perspectiva de uma instabilidade profissional.”

Serviço

Puma.

Oficina Cultural Oswald de Andrade. Rua Três Rios, 363, Bom Retiro.

Sexta e segunda, 19h30; Sábado, 18h. Grátis. Ingressos distribuídos uma hora antes.

Até 26 de fevereiro. A partir de sexta (19).    

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Ficha Técnica

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Serviço

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