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Renato Borghi se emociona ao voltar ao palco do Teatro Oficina; veja vídeo

Sinopse

Depois de 50 anos, ator e diretor retorna ao espaço que ajudou a fundar, agora com a peça “O Que Nos Mantém Vivos?”

Por Ubiratan Brasil

Mais que respeitoso, o silêncio incomodou o ator e diretor Renato Borghi ao retornar ao palco do Teatro Oficina, onde reestreia seu mais recente espetáculo, O Que Nos Mantém Vivos? Fazia mais de 50 anos que ele não encenava um texto no espaço que ajudou a fundar, há 65 anos. O silêncio, na verdade, marcava a ausência de José Celso Martinez, morto em julho de forma trágica, quando um incêndio destruiu seu apartamento.

“Quando começamos aqui, aquela árvore era pequeninha”, diz Borghi ao repórter do Canal MF, apontando para a frondosa espécime cujo tronco invade o palco antes de espalhar seus galhos e folhas ao ar livre. Sua presença imperial marca o forte instinto ecológico do grupo que coordena o espaço e ainda luta pela posse do terreno com o grupo Sílvio Santos – o plano é criar ali um parque público. Por ora, o que se tem é uma horta cercada de grande vegetação no fundo do teatro.

Passear com Borghi pelo Oficina é identificar a presença de Zé Celso em todos os poros do teatro. “Eu que o incentivei a ser diretor, pois o Zé queria ser apenas dramaturgo. Depois da minha saída, ele continuou à frente e transformou esse espaço no que é hoje.”

Renato Borghi e Débora Duboc em O Que Nos Mantém Vivos? Foto Bob Sousa

Borghi e Zé Celso fundaram o Oficina em 1958, grupo com o qual realizaram peças que marcariam o teatro brasileiro, como Pequenos Burgueses e Rei da Vela. Trabalharam juntos por quase duas décadas até que, nos anos 1970, Borghi fundou com Estér Góes o Teatro Vivo, produzindo espetáculos de forte impacto e resistência à ditadura, como O Que Mantém um Homem Vivo? e Mahagonny, ambos de Bertolt Brecht. “Precisávamos de textos inteligentes, cujas metáforas expressavam nossa luta contra a censura. O que nos ajudava é que a platéia também era inteligente e entendia nossa mensagem.”

Aos 86 anos, Borghi mantém um olhar penetrante que ajuda a encobrir a limitação física imposta pela idade. Às vésperas da reestreia (a peça estreou no ano passado no Teatro Anchieta), ele calcula os gestos, economizando energia para os quase 200 minutos de duração do espetáculo. “Ainda sinto aquele friozinho na barriga que sempre aparece antes de cada estreia”, comenta, sorriso discreto, revelando o persistente e necessário amor à arte. “Não fosse assim, seria melhor parar, pois revelaria a falta do tesão necessário.”

Mesmo com 65 anos de carreira, Borghi cita as peças que ainda gostaria de encenar. Como A Tempestade, de Shakespeare. E Rei Lear? “Adoraria, mas não sei se teria as forças suficientes.”

“O que nos mantém vivos?”, questionou-se Borghi ao passar por uma cirurgia no coração pouco antes do início dos ensaios. “Aquela experiência radical de ter meu coração arrancado e colocado sobre uma mesa fria me deu vontade de colocar meu coração toda noite sobre o tablado para fazer essa pergunta ao público”. Para ele, é uma peça que prega a sobrevivência – não apenas individual, mas de todos. “Há um mundo organizado em bases desumanas. Brecht quer contribuir para sua mudança. Seu teatro é crítico, agudo e lúcido. Ele busca aclarar as contradições do indivíduo no relacionamento social. Brecht é carne, suor e sobrevivência e sua obra é inspirada no ser humano concreto em sua luta diária pelo pão.”

Renato Borghi em O Que Nos Mantém Vivos? Foto Bob Sousa

Para preparar o espetáculo, Borghi e Elcio Nogueira Seixas, com quem fundou o Teatro Promíscuo, em 1993, releu toda a obra de Brecht, especialmente O Que Mantém um Homem Vivo?, encenado pelo próprio Borghi e Estér Góes em 1973, no auge do uso da força pela ditadura militar, especialmente contra artistas. O texto foi escolhido justamente por sua capacidade de elaborar uma crítica feroz por meio de estruturas fabulares sofisticadas e, muitas vezes, repletas de humor, que despistavam a vigilância dos agentes do regime.

O Que Nos Mantém Vivos? nasceu como uma espécie de continuação ao texto de Brecht a partir das inquietações provocadas pelas agruras sofridas pela sociedade brasileira durante o governo Bolsonaro. A montagem se divide em quatro unidades temáticas – Todo Dia Morre Gente, Deus Acima de Todos, Pátria Armada e Luta Amada – para se debruçar criticamente sobre os elementos que criam ambiente para o triunfo da distopia fascista, abrindo caminho para a falência das utopias e do humanismo e o triunfo de um sistema sem humanidade e autoritário. 

Para o diretor Rogério Tarifa, a peça é um ato-espetáculo musical com a intenção de provocar distintas sensações ao se questionar, como propõe o título da obra. A peça tem direção musical de William Guedes e canções originais e inéditas de Jonathan Silva, executadas ao vivo. O teatro de animação também está presente na montagem, aprofundando a poesia e o olhar crítico para o desenvolvimento do enredo, sob a condução de Luiz André Cherubini, fundador do Grupo Sobrevento, que assina com Tarifa a direção de atores e a cenografia. 

No elenco, Borghi e Seixas dividem o palco com Débora Duboc (parceira de longa data do Teatro Promíscuo), Cristiano Meirelles e Nath Calan

Veja vídeo com a entrevista.

Serviço

O Que Nos Mantém Vivos?

Teatro Oficina. Rua Jaceguai, 520, Bela Vista

Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h. R$ 80

Até 29 de outubro

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Ficha Técnica

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Serviço

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