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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Problemas no trânsito rendem um bom espetáculo infantil

Sinopse

Ao falar de trânsito para crianças em sua nova peça, ‘O Encontro’, a veterana Cia Truks encara mais uma vez o desafio do teatro educativo, sem medo do tom didático em cena

Por Dib Carneiro Neto

Uma questão muito discutida no vasto universo das artes cênicas para crianças e jovens é a relação do teatro com a educação. Durante muito tempo, muito tempo mesmo, achava-se que, se é para criança, a peça tem de ensinar, tem de educar, tem de… catequizar. O resultado disso é que, ainda hoje, se vê por esse Brasil afora montagens rançosas e tão obsessivamente didáticas que viram uma chatice só. As próprias crianças saem dizendo que é chato – e, claro, elas não querem ver no palco uma reprodução do que é a sua sala de aula. Em suma, é um tema bem amplo e que dá pano para manga: a relação tão delicada entre escolas e artistas.

Dito isso,  vale sempre investigar como os grupos e coletivos têm encarado essa questão, sobretudo agora que as escolas voltaram ao presencial, após um traumático período pandêmico de portas fechadas e aulas online. O que tem mudado, como avançar nas abordagens dos temas, como ser arte sem ser aula?

Com a estreia da peça assumidamente didática O Encontro, da Cia. Truks, grátis em 15 unidades dos CEUS, em São Paulo (mas também com todas as sessões abertas ao público em geral), fica a curiosidade de saber como esse grupo veterano lida com a tal vertente do “teatro educativo” – e surge uma vontade de aprender com eles a lidar com as demandas do público escolar.

A Truks, referência nacional na arte do teatro de animação, tem 33 anos de atividades e mais de 9 mil apresentações realizadas no Brasil e em 12 países, com mais de 40 prêmios, indicações e menções honrosas, além de 6 livros publicados. Também coordenou por 10 anos o Centro de Estudos e Práticas do Teatro de Animação de São Paulo. Ou seja, um grupo com autoridade para nos ensinar muita coisa.

Cena de O Encontro, da Cia. Truks. Foto Henrique Sitchin

O Encontro é uma peça sobre… trânsito. Com um tema desses, educação de trânsito, como conseguir fazer uma montagem atraente, leve, sem ranços de lição de moral, sem trechos de manual de boa conduta? Em outras palavras, como não fazer uma peça chata sobre isso? “Eu adoro trabalhar com escolas”, declara Henrique Sitchin, fundador e capitão da Truks. “Não quero ser chato nem didático em excesso. Mas quero, sim, falar sobre esses assuntos importantes no teatro. Pedestres, motoristas e passageiros, incluindo as crianças – todas essas partes juntas formam o que é o trânsito. O trânsito somos todos nós. Todos somos vítimas  da violência no trânsito. Há dados estarrecedores sobre morte de crianças no trânsito. A gente quer acreditar que a criança vai chegar em casa falando sobre isso.”

Já aconteceu muitas vezes, desde a estreia no dia 7. Sitchin dá um exemplo. Ele ouviu de uma criança, ao final da peça: “Minha mãe fala ao celular dirigindo, vou explicar pra ela que isso não pode”. Na visão de Sitchin, autor e diretor de O Encontro, “tudo deve ser conversado com crianças, mas o jeito como se conversa é a questão. É preciso deixar aberto o canal de diálogos. Palestras para crianças e adolescentes não resolvem mais, porque o palestrante cansa o público mirim e acaba virando ‘meme’ quando abusa do tom professoral.  Vira piada, alvo de deboche. Ao contrário, se no teatro você fala do mesmo tema, mas com emoção, com poesia, sensibilidade, diversão, isso vai abrir um poder maior de recepção da criança”.

O caminho para O Encontro sair do papel foi inscrevê-la na Lei Rouanet, porque, dessa forma, surgiram empresas interessadas em patrocinar a montagem – empresas relacionadas ao tema do trânsito. Diz Henrique Sitchin: “Isso permite que a peça seja oferecida gratuitamente às escolas. A situação ideal”. 

O Encontro fala de uma situação urgente

“Para mim, essa peça só faz sentido se apresentada para o público das escolas, mas, claro, todo mundo pode ir”, prossegue Sitchin. “Ela tem uma pegada didática assumida. É um didático com outro tratamento, mas ainda assim é um didático. Não gosto da ideia de levá-la a um teatro comercial para pais e filhos, porque para esse público dos fins de semana gosto de montar espetáculos mais oníricos mesmo, que falem de sonho, de amor. O Encontro fala de uma situação urgente e concreta – e isso pode ser feito dentro das escolas com mais eficácia do que no teatro. Tivemos essa dúvida com nosso espetáculo Expedição Pacífico, que falava da situação do lixo acumulado no planeta. Mas vimos que ele cabia no teatro também, porque tinha poesia, estava mais nessa categoria que eu chamo de teatro onírico. Nosso próximo, Serei Sereia, que também é didático, talvez possa ser montado nos teatros, não só em escolas, porque também vai trabalhar no registro onírico.” 

Esse próximo espetáculo da Truks, Serei Sereia, vai tocar no tema da deficiência física. Uma menina cadeirante, na sua imaginação, acha que é assim porque nasceu sereia, mas está fora do mar e não consegue andar na terra.  Nos devaneios dela, mergulha no mar como sereia. Antes, a Truks fez em 2018 – também no circuito de escolas – Pipo e Fifi, peça didática infantil sobre abuso sexual contra crianças e adolescentes. 

“Eu conheci a escritora e psicóloga Caroline Arcari num congresso de Educação e ela me mostrou seu livro”, conta Sitchin. “O texto me inspirou muito. E quando vem essa inspiração, eu preciso fazer virar um espetáculo. O resultado estreou em 2019 e foi incrível ver o efeito nas crianças, as conversas que elas tinham com as professoras ao final – e sobre um tema tão árduo. Esse limite entre o que há de didático e o que é artístico numa peça me interessa muito. A Truks nasceu assim. A Bruxinha, nossa primeira peça, quase não tinha iluminação, porque sabíamos que iríamos para o pátio de escolas sem recursos de luz. Digo até que é a vocação do grupo – estar nas escolas. E me orgulho muito disso. Eu amo fazer espetáculos em escolas e para escolas. Amo de paixão. Encaro a escola como um espaço sagrado, tão sagrado quanto fazer em sala de teatro.” 

Henrique Sitchin nos conta um pouco sobre a linguagem específica do teatro de formas animadas, especialidade do grupo. Em O Encontro, segundo ele, o que há de novo nesse segmento é a forma como os olhos dos bonecos se expressam. “Acho essa a grande sacada desta vez”, relata. “Eu queria muito o boneco morrendo de sono, com os olhos meio fechados, tipo Garfield, ‘a meio pau’, e também queria que no momento do encontro esses olhos se iluminassem. Como conseguir isso? Criamos uma maleta cheia de olhinhos dentro dela. O manipulador abre a mala e escolhe os olhos certos para a cena certa. E vamos trocando a expressão do boneco, à vista do público, que fica encantado. São bonecos com três manipuladores cada um, como gostamos de fazer.” 

Cena de O Encontro, da Cia. Truks. Foto Henrique Sitchin

Outra curiosidade foi com a animação dos carrinhos, já que se trata de uma peça sobre trânsito. No início, pensaram em miniaturas de carros, mas depois a solução foi fazê-los na forma de caixinhas de papelão com ‘suspensórios’, meio Os Flintstones, meio Corrida Maluca. “No caso do ônibus, em vez de aumentar essa caixa para caber mais gente”, diz Sitchin. “Fizemos um ônibus 2D só com os olhinhos dos personagens aparecendo. Ou seja, para mim, o teatro de objetos precisa se apegar a essa síntese, não precisa ser realista no tamanho nem na forma. As crianças entendem tudo muito facilmente. Teatro de objetos é puro exercício de síntese.”

Além do tema trânsito, a história criada para os personagens passa muito por situações de solidão. “Falamos dos nossos tempos atuais, de tantas e tantas pessoas solitárias”, explica o diretor. “Ressaltamos o sagrado do encontro, o sagrado de ter alguém que se preocupa com você e com quem você também se preocupa. Adoro uma frase do filósofo Mário Sergio Cortella: quando você é importante para alguém é porque você foi importado para dentro dessa pessoa. Ser importante é ter sido importado por alguém. Nosso mundo é um mundo solitário. Tornou-se necessário dizer no teatro que a gente precisa muito um do outro. É tão importante comunicar isso para as crianças. Ao final do espetáculo, ouço crianças dizendo sobre os personagens: ‘Eles vão ser muito amigos agora’. O recado, então, foi dado.. A importância do outro. Antigamente, tínhamos um monte de irmãos e mais os primos juntos o tempo todo. Hoje em dia, isso ficou mais difícil e cada um fica no seu núcleo, o que gerou um novo paradigma para a infância. Por exemplo, as crianças não podem mais ir à rua porque é perigoso. As crianças de hoje não têm mais a turma da rua.”

Como se vê, sem medo de encarar mais uma vez um tema essencialmente educativo, a Cia. Truks vence barreiras e preconceitos e mescla o didático com o artístico, ensinando o que quer ensinar, mas também lançando mão de emoção e humor. Um verdadeiro encontro – da arte com a vida. 

 Serviço

O Encontro

21 de agosto de 2023 – 10h e 14h (as duas sessões com libras). CEU São Rafael. Rua Cinira Polônio, 100 – Conjunto Promorar Rio Claro

22 de agosto – 10h (com áudio descrição). Colégio Vicentino de Cegos Padre Chico. Rua Moreira de Godói, 456 – Ipiranga

23 e 24 de agosto – 10h e 14h. CEU Parque Bristol. Rua Professor Artur Primavesi, s/n° – Parque Bristol

29 de agosto – 9h, 10h30, 14h e 15h30. CEU Casa Blanca. Rua João Damasceno, 85 – Vila das Belezas

30 de agosto – 10h e 14h. CEU Vila Alpina. Rua João Pedro Lecor, 141 – Vila Prudente

31 de agosto – 9h30 e 15h. CEU Heliópolis. Estrada das Lagrimas, 2385 – São João Clímaco

4 de setembro – 10h e 15h. CEU Vila Atlântica. Rua Coronel Jose Venâncio Dias, 840 – Jardim Nardini

5 de setembro – 9h e 15h. CEU Tiquatira. Av. Condessa Elizabeth de Robiano, 5280 – Vila Moreira

6 de setembro – 10h e 14h. CEU Taipas. Rua João Amado Coutinho, 240 – Jaraguá

12 de setembro – 10h e 15h. CEU Perus. Rua Bernardo José de Lorena, S/N – Vila Fanton

15 de setembro – 9h, 11h e 15h. CEU Meninos.  Rua Barbinos, 111 – São João Clímaco

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Ficha Técnica

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Serviço

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