Inspirada em Pirandello e Aimé Césaire, “As Armas Milagrosas: Seis personagens à Procura da Existência” reflete sobre o racismo estrutural e as disputas por visibilidade no Brasil contemporâneo
Por Ubiratan Brasil (publicada em 12 de novembro de 2025)
O dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936) deixou uma obra que revolucionou o teatro com peças que tratavam de temas como a loucura, o sofrimento e a solidão. Baseado principalmente nos reveses da vida, ele escreveu Seis Personagens à Procura de um Autor (1921), Cada um a seu Modo (1924) e Esta Noite se Improvisa (1930), que formaram uma trilogia marcada por uma escrita pessimista em que a incomunicabilidade, o paradoxo e a contradição estão sempre presentes, e a verdade existe apenas como impossibilidade.
As Armas Milagrosas: Seis personagens à Procura da Existência, nova criação de Anderson Negreiro e Daniela Manrique, acompanha um grupo de funcionários negros que, durante o ensaio de uma peça de Pirandello, interrompe a cena e reivindica o direito de narrar a própria história, transformando o palco em um campo de confronto simbólico entre representação, autoria e existência. A peça, que estreia no Sesc Vila Mariana, parte da escrita de Pirandello e do poeta Aimé Césaire (1913-2008) para refletir sobre o racismo estrutural e as disputas por visibilidade no Brasil contemporâneo.

A ideia surgiu em 2021, quando Negreiro trabalhou com o texto E os cães se calavam, tragédia de Césaire presente na coletânea de poemas As Armas Milagrosas. O contato com a obra do autor martinicano, um dos fundadores do movimento da negritude, foi revisitado posteriormente, a partir da releitura do clássico Seis Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello.
“Percebemos que aquelas personagens que entram pela coxia em busca de um autor, reivindicando a continuidade da própria existência, poderiam ser corpos reais – personagens da branquitude que, mais do que personagens ficcionais, lutam por existir e afirmar sua autoria no mundo”, afirmam Negreiro e Manrique.
Na nova dramaturgia, as seis personagens originais do texto de Pirandello foram substituídas por personagens presentes na obra de Césaire – o Rebelde, a Mãe e o Coro -, representadas como funcionários de um teatro. Essas figuras deixam de ser ficcionais e passam a ser corpos reais, racializados, que reivindicam o direito de existir e de se expressar por meio da arte.

“Pensando nisso, me veio a ideia de trabalhar com conceitos presentes no livro da Lilia Schwarcz, Imagens da Branquitude – Presença e Ausência, em que ela analisa como as pessoas negras aparecem nas pinturas ao longo das décadas, sempre à margem, no fundo, em perspectiva e quase desaparecendo, enquanto as figuras brancas estão no centro e com muita luz. A partir disso, percebi que a própria luz poderia ser o dispositivo da encenação”, afirma Negreiro.
A peça se estrutura inteiramente a partir da luz criada por Matheus Brant, que organiza o espaço em torno de um cubo central iluminado que separa o centro da margem. “A luz é a dramaturgia que revela a separação dos corpos. É por meio dela que a gente torna visível uma estrutura que normalmente não se vê – o racismo que organiza quem está no centro e quem fica à margem”, afirma Negreiro. O resultado é um teatro de conflito e exposição que desloca as hierarquias entre quem é visto e quem é invisibilizado.
Serviço
As Armas Milagrosas: Seis Personagens à Procura de Existência
Sesc Vila Mariana. Rua Pelotas, 141
Quinta a sábado, 20h. Domingo e feriados (15/11 e 20/11), 18h. R$ 60
Até 7 de dezembro (estreia 14 de novembro)
