“Parabéns Sr. Presidente In Concert” idealiza a conversa entre a atriz e a cantora lírica, marcada por confissões e que quase aconteceu em 1962, em Nova York
Por Ubiratan Brasil
A noite de 19 de maio de 1962 foi marcante. Faltavam dez dias para o aniversário de 45 anos do então presidente americano John Fitzgerald Kennedy, mas, mesmo assim, ele foi homenageado em um grande evento no Madison Square Garden, em Nova York, que recebeu 15 mil pessoas e teve transmissão ao vivo pela televisão.
Daquela noite memorável, entraram para a história dois momentos: a apresentação da soprano greco-americana Maria Callas (foi aplaudida de pé durante vários minutos) e a sexy interpretação da atriz Marilyn Monroe que, usando o hoje icônico vestido de sereia brilhante, cantou o Parabéns a Você ao presidente de forma sensual, cena até hoje exibida e imitada incessantemente.
Fascinada com a apresentação de Callas, reconhecida como uma das principais vozes do século XX, Marilyn tentou cumprimentá-la no camarim, mas não foi recebida pela cantora lírica. Depois, ao ver como a atriz foi hostilizada pelos seguranças da presidência, que a tiraram do palco para evitar um encontro com Kennedy, Callas se arrependeu e, no dia seguinte, enviou flores para Marilyn, que fez ali sua última aparição pública – morreu pouco mais de dois meses depois, aos 36 anos, em circunstâncias ainda misteriosas.
“O que teria acontecido se a própria Callas tivesse ido entregar essas flores?”, questionou-se o dramaturgo Fernando Duarte que, com a colaboração de Rita Emôr, escreveu a peça Parabéns Sr. Presidente In Concert, cuja nova montagem estreia na sexta-feira, dia 6, na Sala Paschoal Carlos Magno do Teatro Sérgio Cardoso, com direção artística de Fernando Philbert.
Assim, protegidas pela intimidade do camarim, as duas divas conseguem ser mais autênticas, desabafando sobre seus dilemas. “A peça quebra a quarta parede e mostra problemas reais daquelas duas mulheres”, comenta Ju Knust, que interpreta Marilyn (1926-1962) – lá, a atriz fala abertamente sobre os abortos espontâneos que sofreu, as crises conjugais e a violência doméstica que sofreu durante a conturbada relação com o ex-marido, o jogador de baseball Joe DiMaggio, que a agredia fisicamente.
“E elas descobrem muitas coincidências em suas trajetórias”, completa Vannessa Gerbelli, que vive Maria Callas (1923-1977), cantora que amava seu então marido, o milionário Aristóteles Onassis, mas, por ser uma relação que a deixava insegura, levava ao descontrole: Onassis a desprezava (“Você se se acha muito especial só porque tem esse apito enferrujado na garganta?”, ironizava ele) e gostava de exibi-la como um troféu, circulando nas altas rodas ao lado da cantora mais famosa do mundo, pois a diva abria as portas de todos os salões. Ele só aceitou ir a Nova York, aliás, porque queria conhecer Kennedy pessoalmente.
Mulheres por trás do mito
“A proposta é apresentar essas duas grandes mulheres em um evento histórico. Mas, quando fazem essa conexão, elas tiram as máscaras, saem do pedestal, e a plateia passa a conhecer as mulheres por trás do mito, mostrando mais a Maria e menos a Callas, mais a Norma Jean (nome verdadeiro da Marilyn) e menos a Monroe, figura sensual que povoa o imaginário do público ainda nos dias de hoje”, explica o autor e produtor Fernando Duarte.
Escrita em 2013, a peça ganhou novos ajustes ao longo dos anos e também o aposto In Concert graças às canções inéditas compostas por Maíra Freitas e interpretadas pelas duas atrizes.
“Foi um desafio para mim, pois não cantava, só encantava”, brinca Ju, que fez aulas de canto e só se sentiu bem quando decidiu tirar o peso da responsabilidade das costas. “Tento ser livre como Marilyn buscava ser, uma mulher inteligente que sofria por se sentir usada, desvalorizada. Os problemas dela e da Callas continuam atuais, infelizmente, e a plateia acompanha uma aconselhando a outra de uma forma muito terna.”
Carmen, de Bizet, e Vissi d’Arte, de Puccini
Com mais experiência no teatro musical (protagonizou Todo Seu, em 2013, um dos melhores musicais montados naquela década), Vannessa Gerbelli enfrenta, porém, o desafio de cantar duas árias (Seguidilla, de Carmen, de Bizet, e Vissi d’Arte, da Tosca, de Puccini), além de canções de Tom Jobim (quando Callas declara seu amor por Onassis).
“Claro que é impossível cantar como Callas – ninguém consegue isso. Tentei não mimetizar nem imitar. Ouvi muitas de suas interpretações e estudei canto lírico para adquirir a técnica necessária”, conta ela que, como Ju, fez aulas com Breno Pizzorno, cantor erudito sensível à obra de Callas.
Admiradora de Callas, Vannessa estudou também detalhes de sua personalidade. “Ela mesmo definiu o mito que a cercava e que a levou a alcançar uma projeção incrível”, conta a atriz. “Quando ouvia suas próprias gravações, Callas reconhecia que não pareciam humanas – e até brincava com isso. Aliás, quando bebê, ela chorava de uma forma tão diferente que os vizinhos vinham ver quem era aquela criança cuja voz se destacava.”
“É uma peça sobre dois mitos, duas divas que se encontram no camarim e ali, no reconhecimento de suas dores, alegrias, amores, elas se abrem em uma conversa franca sobre suas vidas”, comenta o diretor Fernando Philbert. “Elas se escutam e refletem sobre caminhos. Aqui existe um meta teatro pois tanto Vannessa quanto Ju reconhecem este universo onde, às vezes, são vistas mais como divas que mulheres com seus desejos iguais a todas as mulheres.”
Serviço
Parabéns Sr. Presidente In Concert
Teatro Sergio Cardoso – Sala Paschoal Carlos Magno. Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista. Telefone (11) 3288-0136
Sexta a domingo, 19h. R$ 80
Até 29 de outubro