Dramaturgia, inspirada em em livro escrito no século XIV, escrita a muitas mãos e com muitas transições cênicas de tempo, faz percurso entre pandemias – a da peste bubônica e a recente da covid-19
Por Redação Canal Teatro MF
Durante a pandemia da covid-19, a humanidade precisou se isolar e, cada qual no seu “bunker” possível, inventou artifícios de sobrevivência e maturação do tempo, buscando atividades como leituras, filmes, lives, e horas na cozinha elaborando receitas que no dia a dia da correria da vida comum, isso não era possível.
A curta distância de tempo na qual nos vimos em relação a esse período foi suficiente para inspirar a criação de obras no teatro, cinema e literatura. Se não falada explicitamente, essa criação abordava de uma tal maneira as sensações causadas que repercutiram em imaginários e fabulações a partir da ideia do isolamento e da iminência da morte nos rondando.
Em um outro tempo, em meados do século XIV, a pandemia da peste bubônica assolou parte da Europa e o italiano Giovanni Boccaccio se apropriou artisticamente da situação para reunir em um livro cem narrativas contadas por sete damas e três cavalheiros que, a fim de escapar da tal peste que assolava Florença, se recolheram numa vila senhoril.
Para passar o tempo e celebrar a vida, narravam histórias uns aos outros. O título deste livro, Decameron, é o mais recente trabalho do grupo Os Parlapatões, que há trinta e três anos cria trabalhos voltados para a comédia, utilizando técnicas circenses e de teatro de rua. Eles reestrearam o espetáculo para uma curta temporada no espaço da companhia, situado na Praça Roosevelt.
Tal como a proposta feita pelo poeta Giovanni Boccaccio, a nova peça dos Paralapatões, reuniu damas e cavalheiros contemporâneos que criaram uma dramaturgia que mescla farsas medievais com a linguagem festiva do teatro de revista, unindo as novelas originais e histórias contemporâneas. O time de contadores da vez reuniu 12 pessoas: Airton Nascimento, Andreas Mendes, Avelino Alves, Camila Turim, Hugo Possolo, Jo Bilac, Leandro Vieira, Luh Mazza, Marcelo Oriani, Mawusi Tulani, Michelle Ferreira e Nado Cappucci.
Ao abordar momentos históricos distintos sob o recorte de duas pandemias, a peste bubônica (século XIV) e a recente pandemia de covid-19, o espetáculo revela o quão obsoletas podem ser as narrativas e estratégias humanas aplicadas ainda hoje, especialmente em situações limite. Para explicitar essa transição cênica entre os tempos, o inusitado início do espetáculo se dá com um cenário de fim de mundo, onde dois arqueólogos descobrem uma foto que registra pessoas praticando o extinto gesto de abraçar e, quebrando protocolos, sentem a necessidade de darem um abraço.
Para a transição entre esses tempos, criou-se um narrador, o Boccacião, que se locomove entre passado e presente para chegar na era das redes não sociais, entre lives, podcasts, reuniões virtuais e TVs.
A criação, possível graças a Lei do Fomento ao Teatro, nasceu das experiências do projeto Ocupação Decameron, que envolveu mais de 120 artistas, entre diretores, dramaturgos, bandas musicais e grupos parceiros. Durante dez dias foram feitas apresentações nas ruas de São Paulo, ocupando a Praça Roosevelt, o Parque Augusta e as escadarias do Theatro Municipal.
Dessas intervenções, foram escolhidos os textos e cenas que compõem o espetáculo. A montagem sintetiza antropofagicamente a pesquisa e todas as experimentações, incluindo visões trocadas na interlocução com os temas, grupos e artistas convidados.
Serviço
Decameron
Espaço Parlapatões. Praça Roosevelt, 158
Sábados, 20h30. Domingos, 19h. R$ 50
Até 3 de novembro (reestreou em 12 de outubro)