No monólogo “Não me Entrego, Não!”, que chega ao Sesc 14 Bis, ator de 91 anos rememora com humor e emoção seus 74 anos de carreira
Por Ubiratan Brasil
A expectativa mais positiva era ficar dois meses em cartaz no Rio, talvez viajar em seguida para outras cidades. Mas o monólogo Não me Entrego, Não! já foi visto por mais de 40 mil espectadores e 120 apresentações desde junho do ano passado e chega agora ao Sesc 14 Bis, em São Paulo. No palco, o ator Othon Bastos rememora com bom humor seus 91 anos de vida e 74 de carreira, marcada por trabalhos que se tornaram clássicos da cultura brasileira.
“Miramos acertar no passarinho e acabamos pegando a águia”, comenta Flávio Marinho, autor do texto e também diretor do espetáculo. “Por conta da trajetória mais séria do Othon, as pessoas pensam que vão encontrar um espetáculo sisudo, quando, na verdade, ele se revela um ator muito engraçado. O próprio Miguel Falabella, que entende de humor como poucos, comentou isso”, diz ele. “Eu queria algo debochado, leve mesmo”, completa Othon, que possui uma carreira de títulos marcantes no cinema (Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, e São Bernardo, de Leon Hirszman) e no teatro (Um grito parado no ar, de Gianfrancesco Guarnieri, e na montagem de O Rei da Vela, de José Celso Martinez Corrêa).

“À primeira vista, o que temos é o próprio Othon Bastos em cena contando histórias divertidas e dramáticas da sua vida pessoal e profissional. Isto seria, digamos, o esqueleto dramático da peça. Só que este esqueleto é recheado de diversas reflexões, frutos imediatos do tema abordado por Othon. Por exemplo, depois que ele encontra o amor da vida, Martha Overbeck, com quem está casado há 57 anos, o texto passa a refletir o sentimento do amor através de diversas referências e citações”, afirma Marinho, que foi procurado pelo autor depois de assistir a uma outra peça sua.
Foi Judy: o Arco-Íris é Aqui, uma bela costura dos momentos vividos pela atriz Luciana Braga com os da americana Judy Garland. “Pensei como é maravilhoso contar a vida de alguém no palco. Foi quando disse ao Flávio que eu queria fazer um espetáculo com ele sobre a minha vida – e entreguei umas 600 páginas de pensamentos escritos sobre coisas que eu gosto, autores, anotações. Ali tinha um bom resumo sobre mim. E fomos fazendo: ele leu, entendeu e foi montando o espetáculo. E é mais difícil me lembrar do texto, embora seja uma peça sobre a minha própria memória, porque ela chega editada, diferente das lembranças espontâneas”, conta Othon.

O ator, de fato, teve no inícios falhas de memória para decorar o texto. A solução genial encontrada por ele e Marinho foi criar uma personagem, chamada Memória, que o ajuda assoprando as falas esquecidas. O papel é vivido por Juliana Medella. “Ao longo da temporada, fomos aumentando a participação dela, que chega a fazer massagem nas costas do Othon”, diverte-se Marinho. “E Juliana trouxe também dicas valiosas, que ajudaram a dar mais dinamismo à montagem.”
A peça segue uma ordem cronológica, mas sem rigidez. “Se alguém me perguntar como comecei minha carreira, eu digo que comecei substituindo o Walter Clark, que era meu colega de turma de teatro, e depois muitas outras coisas aconteceram. Chico Xavier já dizia que se uma coisa é sua, ela te encontra, não é preciso se preocupar”, comenta Othon. “É uma experiência muito forte eu ter que ser o meu próprio centro em cena. Mas não trazemos nenhuma lembrança amarga, apenas as alegres e divertidas, para levar curiosidades que vivi ao longo desses anos todos ao público, que saberá o que se passa com um ator – que é uma pessoa comum.”
Detalhe: o título da peça foi inspirado em uma frase que se tornou famosa do personagem Corisco, vivido Othon no longa Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. É com essa frase também que o ator encerra o monólogo, depois da emocionante passagem inspirada no poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca.
Serviço
Eu Não me Entrego, Não!
Sesc 14 Bis – Teatro Raul Cortez. Rua Dr. Plínio Barreto, 285
Quinta a sábado, 20h. Domingo, 18h. Não haverá sessão dia 18 de abril e haverá uma extra dia 21 de abril, segunda-feira, 15h. R$ 70
Até 21 de abril (estreia 20 de março)