canal teatro mf logo

O melhor do teatro está aqui

Search

“O Vazio na Mala” revela traumas de três gerações afetadas pelo Holocausto 

Sinopse

O espetáculo, dirigido por Kiko Marques, ficciona elementos verídicos em torno de um clã judaico que busca o entendimento do passado para aceitar o presente

Por Dirceu Alves Jr.

Em maio de 2021, a atriz Dinah Feldman, de 45 anos, assistiu a um vídeo com uma entrevista dada por seu primo, o empresário William Jedwab, de 58, a um projeto do Museu Judaico de São Paulo. A instituição cultural, localizada na Bela Vista, recebe doações de objetos, livros e documentos de valor histórico ou afetivo e grava depoimentos pessoais com aqueles que fizeram a oferta.

Jedwab entregou uma mala que havia pertencido aos seus avós paternos, Käethe e Wilhelm Jedwab, nos anos do nazismo alemão, repleta de papéis em alemão e chinês, que andava esquecida em um canto da sua casa. “Nunca pensei em montar um espetáculo sobre o Holocausto porque, para mim, tudo já foi dito sobre o assunto, mas, na hora, falei para o William: ‘Cara, isso dá uma peça”, lembra a artista. “Ele ficou um pouco reticente, já que era um assunto guardado com muita reserva pelos pais e avós, mas, aos poucos, entendeu que, quando se mexe em uma história, ela vira ficção e deixa de ser só sua para virar de todos.”

Cena da peça O Vazio na Mala. Foto João Caldas Fº

Por uma coincidência, três meses depois, Dinah recebeu um convite para desenvolver um trabalho educativo no Museu Judaico e, por um ano inteiro, contava a origem da bagagem de guerra para quem passasse por lá e estivesse disposto a ouvi-la. Era como se o passado dos seus familiares estivesse lhe chamando, assim como a responsabilidade de contar uma pouco dessa história esquecida para um público maior de interessados. 

A partir desta quinta, 21, Dinah, os atores Emílio de Mello e Fabio Herford e a atriz Noemi Marinho abrem parte dessas memórias dos Jedwab no espetáculo O Vazio na Mala, que estreia no Teatro do Sesi. Sob a direção de Kiko Marques, a montagem se apoia no texto da dramaturga Nanna de Castro, que parte dos elementos verídicos para criar uma ficção em torno de uma família judaica que reabre um baú traumático para entender e aceitar suas relações com o presente.

Na trama escrita por Nanna, o jornalista Samuel (interpretado por Mello) volta ao Brasil para vender o apartamento dos seus pais, mortos há cinco anos. A sua avó, Esther (papel de Noemi), de 92 anos, convive com o mal de Alzheimer e guarda, desde 1941, uma mala que teria acompanhado ela e o marido durante a fuga da Alemanha, primeiramente para a China e, na sequência, para o Brasil.

Outra cena do espetáculo O Vazio na Mala. Foto João Caldas Fº

Em meio às lembranças da dupla, a figura violenta de Franz (representado por Herford) paira como um fantasma ao ser evocado ora pelo filho, Samuel, ora pela mãe, Esther. Como ligação de afeto entre os dois personagens aparece Ruth (vivida por Dinah), a cuidadora responsável pela idosa. “A mala é o lugar das memórias coletivas e pessoais dessa família e traz respostas para esse homem entender por que, desde menino, foi odiado pelo pai”, conta o diretor.

O Vazio na Mala é a segunda peça comandada por Marques sobre a questão judaica em menos de um ano. Em maio passado, ele estreou Cinco Poemas para a Senhora R, que reconstituía a biografia de Rita Braun, judia de origem polonesa, uma das últimas sobreviventes do Holocausto que mora em São Paulo.

“O curioso é que os dois projetos chegaram a mim simultaneamente e nascem da experiência vivida por famílias que desejam ver estas histórias perpetuadas no palco”, comenta Marques, que não tem qualquer ascendência judaica. “Com a recente guerra de Israel e Hamas, a peça até ganha conotações que não tinha, mas, para mim, nós estamos tratando das consequências do Holocausto para três gerações de uma família.”

Foi justamente a rara capacidade de Marques em retratar traumas o longo do tempo que levou Dinah a pensar no nome do diretor para o trabalho. Cais ou Da Indiferença das Embarcações (2012), Sínthia (2016) e Casa Submersa (2019) são três títulos de sua obra como dramaturgo e encenador junto ao seu grupo, a Velha Companhia, que apresentam relações pessoais transformadas por fatos históricos. As peças tratam de gerações atravessadas respectivamente, pelos anos do Estado Novo, o golpe militar de 1964 e a corrupção no período de redemocratização entre as décadas de 1990 e 2010. 

Dinah, como artista e judia, não consegue deixar para trás as raízes. Os avós maternos vieram da Romênia e da Rússia no intervalo entre as duas guerras mundiais. O seu pai, por sua vez, chegou do Egito aos 3 anos, em 1958, em uma época em que os judeus foram convidados a se retirarem do país ou morria, e só conseguiu se naturalizar brasileiro sete anos depois.

O Vazio na Mala tem direção de Kiko Marques. Foto João Caldas Fº

“Tem uma frase da personagem Esther na peça que me pega muito porque ela diz ‘eu fui para países que nunca quis conhecer”, comenta a atriz. “Eu mesma demorei para ter noção do quanto estas pessoas sofreram, porque imagina o tamanho dessa fissura humana, você ser obrigado a sair do seu lugar e jamais poder voltar”, comenta.

Nascida no bairro paulistano do Ipiranga, Dinah cresceu no Bom Retiro, estudou em escola judaica e reconhece que foi educada bem dentro da comunidade. Começou a estudar teatro aos 14 anos e, então, o seu mundo se expandiu. A história dos seus, entretanto, nunca deixou de ser lembrada. “A cultura judaica é meu arcabouço”, diz.

No começo dos anos 2000, ela passou uma temporada de estudos de dois anos entre Portugal, Inglaterra e França e, como uma estrangeira na Europa, compreendeu a sua verdadeira identidade. “Fui descobrindo que sou uma brasileira, mulher e judia e essa minha ancestralidade diz muito também sobre o país onde nasci, que é formado por italianos, portugueses, alemães, japoneses, árabes e tantos outros povos.”

Estão previstos quatro bate-papos aos domingos após a sessão da peça. Confira a programação:

24/03 – Carlos Reiss, do Museu do Holocausto de Curitiba – Mediação da Prof. Dra. Anelise Froés
Por que fazermos mais uma obra sobre Holocausto nos dias de hoje?
Pedagogia do Holocausto, uma das principais vertentes do museu.

28/04 – Prof. Dra Andrea Kogan e Prof. Dra. Anelise Fróes – Mediação de Daniel Douek.
Antissemitismo e racismo. Do Holocausto até os dias de hoje.

26/05 – Kiko Marques, Nanna de Castro e Denise Weinberg com – Mediação da Prof. Dra. Anelise Froés.
Como é adaptar uma história real para o teatro.

23/06 – Leando Karnal – Mediação da Prof. Dra. Anelise Froés.
Traumas transgeracionais.

Serviço

O Vazio na Mala.

Teatro do Sesi. Avenida Paulista, 1313.

Quinta a sábado, 20h; domingo, 19h. Grátis. Reservas e informações no site centroculturalfiesp.com.br.

Até 30 de junho. A partir de 21 de março

[acf_release]
[acf_link_para_comprar]

Ficha Técnica

[acf_ficha_tecnica]

Serviço

[acf_servico]