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O que criança aprende com jongo, congado e outros cortejos

Sinopse

As tradições da cultura afro do Sudeste estão no infantil “Menina do Candeeiro”, que mata a curiosidade da plateia mirim sobre manifestações artísticas que quase sempre ficam de fora dos currículos escolares

Por Dib Carneiro Neto

Falemos com franqueza: já passou da hora de as crianças brancas irem ao teatro para conhecer as realidades, as culturas, as mitologias ligadas ao universo das crianças pretas. Como faltam espetáculos assim. Como o mundo seria melhor se desde cedo todos pudessem entrar em contato com diversidades e, assim, praticar alteridades. 

Dito isso, eis a boa nova: entra em cartaz neste fim de semana no Centro Cultural São Paulo, o CCSP, a peça infantil A Menina do Candeeiro, uma aposta da Cia. EmbarcAções Teatrais nas manifestações culturais que as crianças de famílias brancas praticamente desconhecem – e quase sempre por lamentável preconceito dos adultos. Para a autoestima das crianças afrodescendentes, a iniciativa também é fundamental, pois, ao se verem retratadas no palco, se sentirão mais fortes, mais corajosas, mais orgulhosas de suas histórias e crenças ancestrais. 

Sergio Oliveira na peça A Menina do Candeeiro. Foto Fernanda Procópio

A atriz, dramaturga e diretora Cecília Schucman idealizou e criou o espetáculo a partir de seu livro homônimo, lançado no ano passado, que, por sua vez, foi inspirado no conto europeu A Menina da Lanterna, de autoria desconhecida.  A Menina do Candeeiro será apresentado de 22 de março a 7 de abril, e contou com a parceria decisiva da musicista e educadora Daniela Munafó. 

“A música é dramaturgia neste espetáculo”, conta Cecília. “A menina protagonista precisa entender as dicas, os sinais implícitos que estão nas letras das canções, para encontrar a luz do seu candeeiro. Ela desata musicalmente esses pontos para reacender seu candeeiro.” Que proposta linda e instigante. Vai certamente funcionar na tarefa de iniciação musical da plateia mirim, além de fazer a garotada compreender a função de uma trilha em um espetáculo. Ideia incrível. Só por isso a peça já vale a sua presença com as crianças de sua família. Mas tem muito mais surpresas nessa proposta. 

De olho nas tradições do Sudeste

A atração para todas as idades quer lançar luz principalmente sobre as culturas tradicionais do sudeste do Brasil, como o jongo (na forma como é praticado nas cidades paulistas de Guaratinguetá e Cunha), as brincadeiras do congado mineiro e a dança Moçambique de Bastões, do Vale do Paraíba. “Queremos aproximar as pessoas de uma filosofia de vida que propõe um diálogo completamente fora do padrão eurocêntrico”, explica Cecília Schucman. “Uma conversa que pede o envolvimento do corpo e a capacidade de desatar os mistérios e sabenças lançados pelos mestres em cada ponto entoado na roda.”

Ericka Leal em cena da peça A Menina do Candeeiro. Foto Fernanda Procópio

O jongo é uma herança dos povos africanos do Congo/Angola. O de Guaratinguetá caracteriza-se por uma grande roda, em que todos cantam respondendo ao coro. Um par de cada vez dança ao centro da roda. No jongo de Cunha, os tambores ocupam o centro da roda e a dança é mais coletiva. O congado mineiro celebra a fé e ancestralidade do povo negro em cortejos ritualizados e variadas evoluções coreografadas. Já o Moçambique, também uma dança-cortejo, utiliza bastões de combate/defesa e também os paiás (tornozeleiras de guizo) amarradas às pernas dos dançarinos.

Encontro entre teatro e cultura popular

Com muito brilhantismo e sagacidade, Cecília nos esclarece por que é tão importante mostrar isso tudo em uma peça de teatro. Vejam que maravilha de raciocínio: “O encontro entre teatro e as culturas populares ressignifica tanto um quanto o outro, exigindo do primeiro mais jogo, mais cumplicidade, uma nova relação com a palavra, com o inusitado, com a presença, com a comunidade que se forma no encontro com cada plateia. O teatro pede que a tradição seja ressignificada e, dessa forma, também, possibilita sua manutenção nos territórios, evocando seu lugar tão potente de nos enraizar ao nosso chão para brotarmos renovados e conectados a ele.” 

Para ela, houve um grande desafio ao adaptar o próprio livro para o teatro. “No livro, a menina do candeeiro é uma menina só”, conta. “Na peça, ela é interpretada por três atrizes de ancestralidades completamente diferentes.” E por que isso foi tão desafiador? Ela reponde: “Quando a menina que eu imaginei no livro ganhou materialidade em três corpos diferentes, foi preciso estar com a escuta bem aberta para o que cada um desses três corpos queria narrar no encontro com a história do livro, com os batuques, com as rodas de dança e música. Isso trouxe camadas novas para a trajetória da personagem.”

Cena do infantil A Menina do Candeeiro, com Ericka Leal. Foto Fernanda Procópio

O tema da descoberta e valorização de nossa ancestralidade é muito urgente neste mundo, que infelizmente ainda engatinha nas conscientizações antirracistas. Cecília agora comenta de que forma a peça vai colaborar nessa questão e por que é importante falar disso com as crianças: “Este livro e esta peça nascem para conectar pessoas e abrir espaço de respeito e empatia para manifestações extremamente complexas, profundas, repletas de sabedoria e com uma espiritualidade riquíssima. Sobretudo porque são manifestações conectadas ao corpo e à vida. A peça permite às crianças e aos adultos acessarem esse universo invisibilizado e massacrado, para poderem admirar, ter orgulho e reencontrar os saberes da cultura do nosso chão”.

Uma trajetória de boas motivações

A Menina do Candeeiro é o terceiro infantil da companhia, fundada em 2009, conforme nos conta Cecília Schucman.  O Rapto da Princesa, com direção de Sergio Oliveira, foi o primeiro e tinha um cenário todo inflável, com um castelo de três metros. Uma comédia inspirada nos filmes do Monty Python e em desenhos animados. O segundo trabalho foi um espetáculo pocket, o infantil Mil e uma Histórias de Sereia,  com o qual o grupo ganha reconhecimento maior. 

Para arrematar suas ideias tão elucidativas, Cecília Schucman fala um pouco mais sobre suas motivações no teatro. “Em primeiro lugar”, ela diz, “eu faço teatro porque gosto de estar com pessoas e porque gosto de criar com elas outras possibilidades de ver o mundo e viver nele. Quanto ao teatro para infância, ele felizmente está na contramão de tudo o que é oferecido às crianças nesses últimos anos, coisas que as fazem se desconectar de si mesmas e de suas capacidades de conviver e acessar a imaginação. O teatro me ensinou que a imaginação é a maior arma que temos para transformar nossas angústias, nossas dores, nossas dificuldades e também para transformar as relações e, consequentemente, nossa sociedade. Faço teatro para crianças para que elas se conectem com esse manancial de potência transformadora dentro de si e consigam reagir com amor e criatividade nas suas vidas também”.

Serviço

A Menina do Candeeiro

CCSP – Centro Cultural São Paulo – Sala Jardel Filho. Rua Vergueiro 1.000

Sextas, 15h. Sábados e Domingos, 16h. Grátis

Até 7 de abril

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Ficha Técnica

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Serviço

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