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Ney Piacentini e Alexandre Rosa recriam visões da infância de Graciliano Ramos

Sinopse

O ator e o contrabaixista percorreram cinco mil quilômetros pelo sertão nordestino para montar peça em cartaz no Ágora Teatro

Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 21 de agosto de 2025)

O escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953) enfrentou uma tremenda dificuldade na alfabetização e chegou aos 9 anos sem saber ler. As suas memórias de menino, reveladas no livro Infância, publicado em 1945, nasceram de um senso de observação das paisagens e das pessoas que o rodeavam e foram construídas através do imaginário de um garoto que não dialogava com as letras. 

Em 10 de dezembro de 2021, o ator e dramaturgo Ney Piacentini e o contrabaixista Alexandre Rosa embarcaram em um Chevrolet Spin. Saíram de São Paulo e empreenderam uma jornada para testemunhar com os próprios olhos as sensações transmitidas pelo autor dos romances São Bernardo (1934) e Vidas Secas (1938) no relato biográfico. Por um mês, eles rodaram cinco mil quilômetros pelo sertão de Pernambuco e Alagoas, dormiram em hotéis de beira de estrada e, ao compreender o universo formador de Ramos, descobriram um país inédito para quem está acostumado aos centros urbanos.

Alexandre Rosa e Ney Piacentini em Infância. Foto João Maria Silva

As experiências desta viagem são a base do espetáculo Infância, adaptação da obra de Ramos, que voltou ao cartaz no Ágora Teatro e permanece em cena até 5 de outubro. Para levantar o projeto, Piacentini e Rosa visitaram as ruas das cidades de Quebrangulo, Viçosa, Palmeira dos Índios e Buíque, todas citadas no livro, e conviveram com os moradores da região. Nenhum contato assumia o caráter formal de entrevista. Eram conversas para entender um pouco mais da vida e dos sentimentos dos habitantes do sertão e da zona da mata nordestinos.

“Nós fomos ao sítio em que Graciliano nasceu, vimos a pitombeira e o cemitério mencionados nos textos e realizamos apresentações em bibliotecas para pessoas tão simples que nem conheciam a convenção do aplauso no final da apresentação”, conta o ator. “Foi uma experiência que começou do nada e revelou para nós um novo olhar sobre a vida como homens e artistas.”   

Quem assiste ao espetáculo Infância não deve esperar uma montagem teatral pautada por convenções. Piacentini e Rosa criaram uma partitura cênico-musical que priorizou a falta de trato familiar, a precariedade do ambiente escolar e as dificuldades sofridas por Ramos no início dos estudos como uma questão estrutural no Brasil naquele final do século 19 que acabara de ter a República proclamada. 

Lançado em 2022, Infância já circulou por São Paulo, Maceió, Aracaju, Curitiba e Florianópolis, cidades do interior de Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas e Paraná e faz parte de um novo planejamento artístico estabelecido por Piacentini. “Já passou o tempo da angústia e do não pertencimento e tudo o que faço agora é em nome de uma imensa alegria e não do retorno financeiro”, garante ele, aos 64 anos. 

Ney Piacentini e Alexandre Rosa em outra cena de Infância. Foto João Maria Silva

O ator paranaense vive em São Paulo desde 1985 e, em 1997, foi um dos fundadores da Companhia do Latão, coletivo responsável por espetáculos de contundente teor político e social. Sua trajetória no grupo é marcada pelas peças A Comédia do Trabalho (2000), O Círculo de Giz Caucasiano (2006), Ópera dos Vivos (2011) e a recente A Banda Épica na Noite das Gerais, vista entre fevereiro e março no Sesc 14 Bis. “Nosso objetivo sempre foi criar um teatro deslocado, heterodoxo e, como sempre tive a necessidade de trabalhar em grupo, sigo na retaguarda do Latão à espera dos próximos projetos”, afirma. 

Em 2015, Piacentini decidiu criar uma frente de produção além da Companhia do Latão para testar novas linguagens e se exercitar como intérprete. O primeiro trabalho desta nova fase, Espelhos, sob a direção de Vivien Buckup, estreou no ano seguinte com a reunião de dois contos de títulos iguais – O Espelho – escritos por Machado de Assis (1839-1908) e Graciliano Ramos respectivamente em 1882 e 1962 – e lhe rendeu uma indicação ao prêmio da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).

“A descoberta da literatura desvendou um novo teatro na minha vida e passei a ler sem parar os autores brasileiros, até que Infância caiu em minhas mãos”, lembra. “Eu deparei com elementos da formação do país e um objeto de estudo que mostra de onde a gente veio sem recorrer à sociologia ou a filosofia.”

Para Piacentini, o que interessa na vida é continuar sempre a aprender, tanto que, já maduro, ele investiu em um mestrado e um doutorado na USP e um pós-doutorado na Unesp. Dos seus estudos resultaram quatro livros sobre atuação, como Eugênio Kusnet: Do Ator ao Professor (2014) e O Ator Dialético (2018), e uma nova obra será lançada em 13 de setembro, às 17h, no Ágora Teatro.

Em Traços da História e Identidade da Atuação Brasileira, o artista e pesquisador se debruça sobre diferentes escolas de interpretação, desde as companhias de João Caetano (1808-1963), Procópio Ferreira (1898- 1979) e Dulcina de Moraes (1908-1996), passando pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), Teatro de Arena e Teatro Oficina até chegar aos representantes do século 21.  “Eu tenho filho, neto, vou me aposentar e levo uma vida modesta que só vale porque me proporciona um permanente aprendizado”, diz. “Basta ver a obra de Graciliano, que sempre manteve uma existência humilde e deixou um legado que faz a gente se embevecer até hoje.”

Serviço

Infância

Ágora Teatro. Rua Rui Barbosa, 664, Bela Vista

Sábado, 20h. Domingo, 19h. R$ 100

Até 5 de outubro (estreou em 9 de agosto)

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Ficha Técnica

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Serviço

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