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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Musical sobre Ray Charles discute sucesso e paternidade

Sinopse

“Ray – Você Não Me Conhece” mostra a tortuosa relação do grande músico com o filho mais velho, em espetáculo recheado de boa música

Por Ubiratan Brasil

Há alguns anos, o produtor Felipe Heráclito Lima trabalhava em um projeto sobre a morte de um pai que não vingou, mas que lhe deixou uma vontade guardada de continuar no assunto. Em 2021, quando pensou em trabalhar em um espetáculo sobre o cantor Ray Charles, aquele desejo de retomar a paternidade como assunto voltou a ganhar força no momento em que Felipe descobriu o ponto que unia os dois assuntos: a biografia de Ray Charles Jr., primogênito do cantor que teve 12 filhos com 9 diferentes mulheres. O resultado é Ray – Você Não Me Conhece, musical em cartaz no Teatro B32.

A dramaturgia e a direção têm a assinatura de Rodrigo Portella, talentoso encenador que dirigiu a premiada peça Tom na Fazenda e o monólogo de sucesso Ficções, com Vera Holtz. “Como nunca havia dirigido um musical, Rodrigo entendeu meu projeto de não seguir a fórmula tradicional de um espetáculo biográfico”, explica Felipe. “Na verdade, eu me interessei pelo tema da paternidade, o que coloca Ray Charles no mesmo patamar de importância de seu filho, no espetáculo”, completa Rodrigo.

Sidney Santiago Kuanza, César Mello, Abrahão Costa e Letícia Soares em Ray – Você Não Me Conhece. Foto Ale Catan

Assim, quatro atores (César Mello, Sidney Santiago Kuanza, Abrahão Costa e Luiz Otávio) se revezam nos papeis de pai e filho – o que os diferencia são os famosos óculos escuros usados por Ray para disfarçar a cegueira. A lista conta ainda com Flávio Bauraqui vivendo apenas o pai e os meninos Caio Santos e Victor Morais alternando o papel do músico quando criança.

Para que isso seguisse uma lógica, a dramaturgia mostra a noite seguinte à morte de Ray Charles, ocorrida em junho de 2004. Sozinho na casa onde viveu com o pai, Jr. percebe a presença do fantasma dele e, na troca de acusações e elogios, eles repassam uma vida marcada por ausências.

“O livro é a tentativa de resgate da memória do pai a partir de uma lembrança profundamente pessoal. Então, me deparei com um filho apaixonado, mas que também vivia uma relação de grande distanciamento, apesar de carregar o mesmo nome. Ele viveu com o pai e tentou seguir o caminho da música, mas há uma diferença imensa entre eles: o pai veio de uma origem humilde e pobre e precisou lutar para chegar onde chegou, enquanto o filho não. Com 5 anos, já era rico, algo muito diferente do que Ray Charles viveu nessa idade. A grande questão para esse menino é de que modo ele vai corresponder às expectativas criadas sobre ele, sendo filho desse grande músico”, explica Portella.

Coro feminino (inspirado nas Raelettes) de Ray – Você Não Me Conhece. Foto Ale Catan

Assim, pai e filho trocam afagos e palavras duras. No meio disso, surgem as mulheres da vida de Ray Charles, a começar pela primeira, Della Beatrice, mãe de Jr. e interpretada com garra por Leticia Soares. Com não menos força, Luci SalutesLu VieiraRoberta Ribeiro vivem outros amores do cantor, além de formar um backing vocal de arrasar.

O espetáculo retrata a trajetória artística de Ray Charles, desde seus primeiros passos no universo musical até sua consagração como um dos maiores ícones da música. Embora a obra tenha uma atmosfera tensa, também incorpora músicas e momentos de humor.

Ray Charles pai e filho em Ray – Você Não Me Conhece. Foto Ale Catan

“A ideia desde o início era tentar o máximo de integração entre música e narrativa, de modo que o espectador percebesse o mínimo possível o limite entre uma coisa e outra. As 20 canções interpretadas na peça foram mantidas na língua original, o inglês. A participação quase que integral de um coro feminino (inspirado nas Raelettes) potencializa a relação entre música e texto“, ressalta Portella.

A criação do papel do grande músico exigiu esforço e concentração de seus intérpretes. “Vi muito vídeo, li bastante a respeito para entender, descobri toda sua movimentação corporal. Quando já tinha tudo em mãos, fui selecionando o que podia acrescentar à minha interpretação”, conta César Mello, que impressiona pela similaridade.

O ator também fez um trabalho vocal minucioso. “Minha voz é mais acolchoada enquanto a de Ray era mais metálica. Estudei muito essa transição. Percebi que tinha de ser menos Mufasa“, brinca ele, referindo-se ao papel que lhe deu grande destaque na primeira montagem de O Rei Leão no Brasil.

Todos os atores que interpretam Ray Charles participaram de uma oficina ministrada pela Fundação Dorina Nowill para Cegos, referência em inclusão social de pessoas cegas e com baixa visão. O objetivo foi o de compreender o universo e dia a dia de uma pessoa com deficiência visual, destacando questões ligadas à legislação pertinente, capacitismo e os termos corretos a serem utilizados. 

Abrahão Costa, César Mello e Sidney Santiago Kuanza em Ray – Você Não Me Conhece. Foto Ale Catan

“Foram dicas muito úteis. Aprendemos muito também com dois músicos da banda que são cegos”, conta César, referindo-se ao pianista Luiz Otavio (que também vive o cantor em determinadas cenas) e o baterista Johnny Capler. A direção musical é de Claudia Elizeu e André Muato.

Ray Charles foi um músico e compositor norte-americano que transformou a música ao integrar R&B, soul, jazz e gospel. Ele perdeu a visão na infância, mas se destacou como pianista e cantor, criando sucessos como I Got a Woman. Com 17 Grammys e uma inclusão no Rock and Roll Hall of Fame, Ray Charles se tornou um dos artistas mais influentes do século 20, conhecido como “o gênio”. Ele faleceu em 2004, mas seu legado musical e seu compromisso com causas sociais continuam a inspirar artistas e fãs ao redor do mundo.

“Existe um aspecto que chama ainda mais a atenção na trajetória do Ray que é a capacidade de transformar coisas simples em obras de importância colossal. Isso se deu porque Ray sabia, como poucos, usar suas raízes para dialogar com outros mundos. Ele misturou o gospel, o country, e outros gêneros da música sulista, com o Pop, o Jazz e acabou por criar sons e ritmos ainda nunca ouvidos naquele país. Ele fez homens e mulheres brancas dançarem música de preto, quando os Estados Unidos viviam o auge da segregação racial. Isso é, no meu entender, o seu maior feito” conclui Portella.

Serviço

Ray – Você Não Me Conhece

Teatro B32. Avenida Brigadeiro Faria Lima, 3.732

Sextas e sábados, 16h e 20h. Domingos, 17h. R$ 100 / R$ 250

Até 14 de dezembro (estreou em 1º de novembro)

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Ficha Técnica

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Serviço

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