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Memórias do exílio de Eduardo Galeano inspiram reflexão sobre ditaduras em “Dias e Noites de Amor e de Guerra”

Sinopse

O diretor Cesar Ribeiro trata de regimes autoritários e capitalismo em peça que transita entre o expressionismo e o teatro documental no Sesc 24 de Maio

Por Dirceu Alves Jr.

Nas últimas temporadas, o diretor paulistano Cesar Ribeiro, de 53 anos, levou ao palco montagens dos clássicos Esperando Godot (2017) e Dias Felizes (2023), ambos do irlandês Samuel Beckett, e O Arquiteto e o Imperador da Assíria (2021), do espanhol Fernando Arrabal. Com a estreia de Dias e Noites de Amor e de Guerra, no sábado, 16, no Sesc 24 de Maio, o artista promove uma espécie de retorno às origens, não como encenador, a marca de sua assinatura, mas adaptador de dramaturgias.

O espetáculo, protagonizado pelos atores Helio Cicero, Pedro Conrado e Rodrigo Bolzan e a atriz Mariana Muniz, parte da obra homônima sobre as experiências no exílio do escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) no período em que a América Latina vivia dominada por ditaduras militares.

Costurar dramaturgias é uma facilidade para Ribeiro desde os tempos em que estudava artes cênicas no Indac, a escola em que se formou. Subterrâneo, a primeira direção, de 1995, nasceu da obra de Dostoiévski e abriu a trilogia completada por Desimagem, a partir de Charles Baudelaire, e Millenium, sobre Edgar Allan Poe.

Cena de Dias e Noites de Amor e de Guerra. Foto Bob Sousa

Junto à literatura e ao teatro, Ribeiro já fundia referências cinematográficas e das histórias em quadrinhos como uma fuga ao realismo e o naturalismo que jamais o agradaram. “Foram dramaturgias construídas em sala de ensaio depois de seis meses de estudos em que eu me influenciava nas obras do diretor polonês Tadeusz Kantor e da bailarina alemã Pina Bausch, além de Antunes Filho e Gerald Thomas”, conta. “Só depois de ver Paraíso Zona Norte, do Antunes, e The Flash and Crash Days, do Gerald, no começo dos anos de 1990, percebi que teatro não era chato.”

Os livros de Galeano acompanham Ribeiro desde o fim da adolescência e, há pelo menos uma década, existe a vontade de adaptar as histórias reais de Dias e Noites de Amor e de Guerra. “A minha questão era como fazer Galeano sem cair no blábláblá porque o meu interesse é na reprodução de universos paralelos”, diz.

Em cena, são dez quadros que buscam adaptar a linguagem literária com as características trágicas e do teatro documental para falar da desumanização decorrente dos sistemas autoritários. O percurso de Galeano por diversos países da América Latina entre os anos de 1960 e 1980 é reconstituído em seus testemunhos – com Bolzan, Cicero, Conrado e Mariana se revezando nos personagens, inclusive na representação do escritor, algo que o diretor chama de “agentes narrativos”. 

Cena do espetáculo Dias e Noites de Amor e Guerra. Foto Bob Sousa

Em uma história, Galeano encontra com Fidel Castro e Ernesto Guevara, enquanto, em outra, ele rememora para uma mulher a amizade com o presidente chileno Salvador Allende, deposto em 1973. A notícia da morte do jornalista Vladimir Herzog, nos porões da repressão brasileira, é o mote de outra narrativa, e uma cena, batizada de “O Sistema”, reúne cerca de 30 textos curtos que mostram as ligações dos grandes empresários com o financiamento dos governos antidemocráticos.

“A peça reflete sobre a ditadura e o capitalismo através do discurso moral destas pessoas e o envelopamento para a conquista econômica”, define o diretor. “Mas, claro, projetando para a atualidade ao falar sobre escravidão, guerras e a volta do conservadorismo em diversos países.”

A ascensão da extrema direita pelo mundo afora é vista, no mínimo, como absurda por Ribeiro. Para ele, é inacreditável que Javier Milei tenha se tornado presidente da Argentina, Donald Trump possa ser reeleito nos Estados Unidos e, aqui no Brasil, a situação não é mais tranquila.

Com a vitória de Lula, nós saímos da falta de esperança, da revolta gerada pela pandemia, mas continuamos rodeados de fascistas, com a corda no pescoço, porque, a qualquer momento, Bolsonaro ou outros desses caras podem voltar ao poder”, lamenta.

Por isso, o diretor acredita que sua versão para Dias e Noites de Amor e de Guerra ocupa o palco na hora certa e valeu a espera de, pelo menos, 10 anos para realizá-la. “Nós não podemos deixar esquecido o que representou a ditadura militar para derrubar essas narrativas absurdas de que foi tudo ficção, assim, como não dá para ser banalizado que o Brasil enterrou 700 mil pessoas por causa da Covid-19.”     

Com Dias e Noites de Amor e de Guerra, Ribeiro dá a largada a uma nova trilogia, em parceria com Cia. Mecenato Moderno, da produtora Silvia Marcondes Machado e do ator Helio Cicero. A segunda parte, batizada de Prontuário 12.528, começa a ser ensaiada em maio e trabalha em cima de textos da Comissão da Verdade, em uma reconstituição de diversas épocas da historiografia brasileira.

Sob o título provisório de Infância Roubada, a peça final será construída com base em depoimentos de filhos de presos e perseguidos políticos para mostrar como o regime militar afetou a vida de crianças e adolescentes. “Um dos objetivos dos sistemas autoritários é o apagamento da memória, então precisamos deixar vivas e registradas estas histórias porque, com o tempo, as pessoas morrem e tudo pode ser perdido.”  

Serviço

Dias e Noites de Amor e de Guerra.

Teatro do Sesc 24 de Maio. Rua 24 de Maio, 109

Quinta e sexta, 20h; sábado, 16h e 20h; domingo, 18h. R$ 50.

A partir de sábado (16). Sessões extras na quarta (20), 20h, nos dias 3 de abril, às 20h, e 4 de abril, às 16h.

Até 7 de abril.  

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Ficha Técnica

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Serviço

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