Utilizando a linguagem do Teatro de Objetos, “Para Mariela” foi criado a partir da escuta das crianças que moram nos arredores do coletivo
Por Redação Canal Teatro MF
A infância é um arcabouço de memórias, nas quais se guardam resquícios de um tempo perdido, mas cheio de sonhos ou objetos que ficaram esquecidos e que, vez ou outra, insistem em serem recordados. Uma mochila, um bicho de pelúcia, ou uma garrafa d’água podem remeter a histórias guardadas nos primeiros passos de muitas crianças, ricas em poesia e afeto.
Para o escritor polonês ucraniano Bruno Schulz (1892-1942), o amadurecimento se dá rumo à infância. Em uma de suas memórias mais remotas de criança, ele está sentado no chão, cercado pela admiração de vários membros de sua família, enquanto rabisca um desenho atrás do outro em velhas folhas de jornal.
Entregue a seu arrebatamento criador, ele ainda vive a genialidade, ainda tem um acesso desprovido de censura ao domínio do mito. Ou pelo menos é isso que pensaria o homem em que essa criança se tornou. Todo o seu esforço da maturidade seria no sentido de recuperar o contato com esses seus poderes iniciais, e amadurecer infância adentro.
Pautado nesta ideia latente do encontrar-se com a infância, o Grupo Sobrevento, influenciado também por sua pesquisa em Teatro para Bebês e Teatro de Objetos, transformou esse pensamento em ação ao olhar para o entorno onde o grupo reside há quinze anos, no bairro Belenzinho, em São Paulo.
Ao longo de dezoito meses, o Sobrevento visitou escolas, Centros de Imigrantes, ONGs e diversas organizações vizinhas à sua sede, tudo para se abrir para a população do entorno e descobrir as histórias encerradas nos poucos objetos de afeição que essas pessoas guardam.
A maioria das narrativas foi contada pelas crianças da vizinhança, muitas delas imigrantes bolivianas. Por meio desses relatos, o grupo pôde entender um pouco melhor a realidade e os sonhos que os envolvem. E, ao mesmo tempo, conseguiu reconhecer e compreender melhor a si mesmos.
“Entramos em contato com uma população em situação de vulnerabilidade social. Por isso, quisemos fazer da nossa sede um ponto de encontro. Esses imigrantes vivem temerosos e não têm uma vida muito fora de casa. Quando nos aproximamos das crianças, elas começaram a insistir que queriam ir ao teatro. E elas e as suas famílias passaram a ir frequentemente ao Sobrevento”, conta Sandra Vargas, diretora, dramaturga, atriz e uma das fundadoras do coletivo, que neste ano completa 38 anos.
Para acessar os aspectos do vizinho brasileiro, a encenação explorou músicas e sonoridades de diferentes regiões da multicultural Bolívia: a andina, a aimara e a chaquenha. Esses elementos revelam, aos poucos, o próprio ambiente do espetáculo e a busca do mar perdido, que simboliza tanto os sonhos de um futuro mágico quanto a infância deixada para trás.
Por meio da escuta dessas crianças imigrantes e da própria infância rememorada pelos artistas do Sobrevento, a dramaturgia foi construída com imagens marcantes como a busca pelo sol e a presença do mar, algo muito presente nas narrativas trazidas.
E, como resultado disso, o grupo estreia no próximo dia 6 de setembro, em sua sede, o espetáculo Para Mariela, uma reflexão sobre os sonhos de uma vida simples atravessados pela complexidade da imigração, unindo adultos e crianças em um encontro artístico profundo e universal.
Dirigido por Luiz André Cherubini e Sandra Vargas, o espetáculo explora a busca por um mar utópico (afinal, a Bolívia não tem faixa litorânea), símbolo da infância e dos sonhos perdidos. Baseada em histórias de crianças imigrantes bolivianas da comunidade local, a peça utiliza uma linguagem simples e objetos cotidianos para criar uma narrativa poética e envolvente.
Serviço
Para Mariela
Espaço Sobrevento. Rua Coronel Albino Bairão, 42, Belenzinho
Sexta a segunda, 20h. Ingressos grátis – reservas no email: info@sobrevento.com.br
Até 14 de outubro (estreia 6 de setembro)