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Marisa Orth encena “Fica Comigo Esta Noite” pela terceira vez, agora com Miguel Falabella

Sinopse

A atriz, que fez a viúva da comédia escrita por Flavio de Souza em 1988 e 2006, cogita uma quarta montagem do texto aos 80 anos

Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 24 de julho de 2025)

Com a estreia de Fica Comigo Esta Noite, a atriz Marisa Orth, de 61 anos, se vê diante de um desafio incomum no teatro. Talvez ela seja uma das únicas artistas, senão a única, a interpretar a mesma personagem de uma peça pela terceira vez em montagens realizadas em décadas diferentes e distantes – os anos de 1980, de 2000 e, agora, os de 2020. 

Fica Comigo Esta Noite, que entra em cartaz no Teatro Bradesco nesta quinta, 24, é uma comédia escrita pelo dramaturgo Flavio de Souza em 1987 sobre o inusitado acerto de contas de um casal. A nova versão, dirigida por Bruno Guida, ganhou os palcos em Portugal em outubro passado e, depois da temporada paulistana, vai para o Rio de Janeiro, com apresentações no Teatro Casa Grande.  

Miguel Falabella e Marisa Orth em Fica Comigo Esta Noite. Foto Priscila Prade

Como se fosse uma trilogia pessoal, Marisa representa a viúva que recebe parentes e amigos para velar o marido recém-falecido (personagem de Miguel Falabella, na atual montagem) na própria casa. Por decisão dela, o corpo fica estirado na cama, e o caixão vazio, na porta do quarto, impede a circulação. O morto acompanha a movimentação, esboça algumas reações e, depois que todos se despedem, o casal revisita o roteiro tragicômico de um amor interrompido pela finitude. 

Em 1988, Marisa tinha 24 anos, morava com os pais, cantava com a banda Luni e, recém-formada pela EAD (Escola de Arte Dramática), começava a entender a profissão que abraçaria. Fica Comigo Esta Noite, sob a direção do autor, estreou no Teatro Igreja, no Bixiga, nas noites de segunda e terça, e o defunto era interpretado pelo ator Carlos Moreno, no auge como garoto-propaganda da Bombril. Uma nova temporada, desta vez no Teatro Maria Della Costa, repetiu o êxito e, diante da repercussão, a jovem foi chamada para a sua primeira novela, Rainha da Sucata, lançada pela Globo em 1990.  

“Essa peça foi como uma revelação porque me dei conta de que podia desempenhar um papel que passava por registros engraçados, profundos e tristes”, lembra. “Mas eu achava aquele casal tão jovem e perfeito para ser atingido por uma morte precoce, tudo parecia injusto com eles e imaginava que os dois mereciam uma nova chance.”  

No começo da década de 1990, Fica Comigo Esta Noite estourou pelo Brasil afora protagonizada por Debora Bloch e Luiz Fernando Guimarães sob a direção de Jorge Fernando. A vida seguiu de vento em popa até que, em 2006, o telefone de Marisa tocou. O ator Murilo Benício, apaixonado pela montagem de Debora e Guimarães, decidiu produzir Fica Comigo Esta Noite e gostaria de tê-la como colega. Aquela segunda chance ao casal, imaginada no fim da década de 1980, chegara e, sob a direção do cineasta Walter Lima Jr., a peça estreou no Teatro Abel, em Niterói, seguiu para o Teatro das Artes, no Rio, cruzou 27 cidades e, em junho de 2007, ocupou o atual Teatro UOL (então Teatro Folha), em São Paulo.

Marisa Orth em Fica Comigo Esta Noite. Foto Priscila Prade

Aos 43 anos, Marisa tinha a segurança de sobra para saber que era capaz de fazer bem a personagem, mas, como artista popular, os desafios surgiram disfarçados sob outras camadas. “Existia a cobrança por ser famosa e a obrigatoriedade de fazer uma comédia, porque as pessoas queriam ver um pouco da Magda do Sai de Baixo”, reconhece ela, em referência ao sitcom exibido pela Rede Globo de 1996 a 2002, em que vivia a mulher do trambiqueiro Caco Antibes, personagem de Falabella. “Só que não dá para se esquecer de que é uma história sobre a morte, ambientada em um velório e, mesmo cheia de comicidade, é permeada pela tristeza.”

Marisa foi feliz nesta segunda investida. Trabalhou pela primeira vez com Benício, um ator que sempre admirou, e experimentou uma nova linguagem com Walter Lima Jr., realizador de belos filmes como Inocência (1983) e A Ostra e o Vento (1997), que investia no teatro. O resultado, para ela, foi de uma profundidade quase metafísica, consequência da vivência de três pessoas mais maduras que sabiam que o amor também é finito. “O Murilo salientou um lado poético, triste, e o Walter deu uma pegada que valorizava o contraste de vida e morte”, lembra a artista. “Tanto que, na época, pensei que ainda gostaria de fazer essa peça novamente, quem sabe depois dos 60.”        

No ano passado, uma produtora portuguesa propôs levantar um espetáculo que reunisse Falabella e Marisa em Lisboa. A dupla considerou adaptar um clássico do francês Molière (1622-1673). Depois, Falabella cogitou escrever um texto inédito e, logo a seguir, a atriz sugeriu uma releitura de Fica Comigo Esta Noite. Veio dela a ideia de chamar para a direção Bruno Guida, com quem trabalha no monólogo Bárbara. “A gente precisava de um olhar jovem, de alguém de uma outra geração e que fosse realmente democrático para não colocar cabresto em mim e no Miguel.”

Os encontros de Falabella e Marisa são recorrentes quedas de braços, daquelas que só são permitidas entre colegas íntimos. Agora, os dois são livres e não precisam provar nada a ninguém, então as provocações ficam restritas à dupla. “Miguel me mostra o tempo inteiro que sou uma comediante, que sou engraçada e eu insisto para ele se entregar ao personagem e trazer a densidade do grande ator que é”, explica. “‘Pô, você faz a morte, aprofunda o papel, tem toda a liberdade permitida por uma fábula’, repito o tempo todo.” 

Miguel Falabella em Fica Comigo Esta Noite. Foto Priscila Prade

A protagonista conta que Flavio de Souza viu a atual versão em Portugal e brincou que, com Falabella, o morto finalmente se levantou do caixão. O texto, que nasceu como o monólogo de uma viúva, foi aos poucos dando mais espaço ao personagem masculino – méritos de Moreno, Benício e Falabella. “Fica Comigo Esta Noite é uma peça em constante processo e, como Miguel tem o talento de colocar uma autoria em tudo o que faz, aproveitou bem o personagem”, observa a atriz. 

Poucas adaptações foram feitas e, como exemplo, Marisa cita passagens em que a submissão da viúva foi levemente amenizada ou xingamentos exaltados ganharam um tom mais sutil. “A personagem tem falas que não se tornaram obsoletas porque, na maioria das vezes, ainda é a mulher que cuida da casa enquanto o homem sai para trabalhar”, aponta. “Por isso, tenho vontade de remontar o texto quando tiver os meus 80 anos, só que, nesta próxima vez, quero interpretar o morto.”

Serviço

Fica Comigo Esta Noite

Teatro Bradesco. Bourbon Shopping. Rua Palestra Itália, 500, Perdizes

Sexta, 20h. Sábado, 17h e 20h. Domingo, 19h. R$ 100 / R$ 220

Até 14 de setembro (estreia 24 de julho)

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Ficha Técnica

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Serviço

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