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Lee Taylor dirige “Ilhas Tropicais” como crítica à ânsia de transformar áreas públicas em privadas

Sinopse

Definida como “uma comédia de maus costumes”, a peça tem dramaturgia finalizada por Jô Bilac e nasceu a partir da indignação do artista em uma reunião de condomínio 

Por Dirceu Alves Jr.

Pouco antes da pandemia, o ator e diretor Lee Taylor participou de uma experiência inédita: uma espécie de reunião de condomínio com os moradores das casas da rua em que vive no bairro do Sumaré. A pauta era o aumento da insegurança e o fato da via, considerada tranquila e silenciosa, ter se tornado um trajeto alternativo de carros. O melhor, segundo uma pessoa, seria fechá-la de vez para o trânsito e acabar com o barulho. “Como assim, mas a rua é pública”, pensou Taylor, incrédulo. 

O absurdo ganhou tintas fortes diante da possível contratação de um policial que, de arma em punho, faria a ronda e inibiria a ação de assaltantes. Como se fosse um personagem, daqueles que vivem em sua redoma, um dos moradores questionou a opção por considerá-la perigosa aos próprios vizinhos. “Mas quais seriam as implicações para nós se o policial atirar em alguém na tentativa de alvejar um suspeito?”, perguntou.

Cena da peça Ilhas Tropicais. Foto Marcelo Villas Boas

Enquanto ouvia os desatinos, Taylor esboçou uma peça de teatro na cabeça e até imaginou a escalação do elenco, que teria, entre outros, a atriz Denise Weinberg e o ator Luciano Chirolli. Chegou em casa e deu início a uma pesquisa sobre relações condominiais pela obra do psicanalista Christian Dunker, a abordagem sobre colonialismo e racismo do filósofo e psiquiatra Frantz Fanon (1925-1961) e as reflexões sobre o narcisismo da branquitude pregadas pela psicóloga e ativista Cida Bento. “Dunker vê os condomínios como a lógica do Brasil e, segundo Fanon, é essa ideologia branca que sustenta toda uma estrutura”, justifica. 

O espetáculo Ilhas Tropicais, que estreia nesta quinta, 2, no Centro Cultural São Paulo, pode ter nascido do insight de Taylor, mas se materializou graças ao apoio das cabeças de um grupo de atores e mãos inspiradas. O dramaturgo Jô Bilac é o responsável pela formatação de um diálogo textual que, junto das ideias do diretor e da colaboração de Alex Araújo, formatou as histórias. O resultado é “uma comédia de maus costumes”. 

Os sete atores e atrizes – Dandara Terra, Federico Torres, Jocasta Germano, Leonardo Alcantara, Murilo Bueno, Vandressa Moço e Victoria Cavalcante – entrevistaram moradores e funcionários de condomínios de classe média alta. Uma banda de quatro instrumentistas, sob a direção musical de Luiz Gayotto, completa o elenco. O argumento do espetáculo parte da ideia de que é possível se isolar das diferenças e dos conflitos sociais e, ao mesmo tempo, criar uma sensação de segurança em relação ao mundo exterior.

Outra cena da peça Ilhas Tropicais. Foto Marcelo Villas Boas

Com base na coleta dos depoimentos e no material pesquisado, os atores e as atrizes improvisaram monólogos e, na sequência, algumas cenas foram criadas. “Quando tínhamos uma primeira camada, uma estrutura, fizemos três apresentações na Galeria Olido, em março do ano passado, para receber uma devolutiva do público”, conta Taylor. 

O longo processo para levantar Ilhas Tropicais marca uma nova fase do Núcleo de Artes Cênicas (NAC), curso de interpretação fundado há 13 anos por Taylor e responsável pela formação de mais de uma centena de atores e atrizes. A mudança de foco faz do NAC um coletivo, uma companhia teatral, embora a escola ainda ofereça oficinas pontuais. Boa parte desse elenco chegou ao NAC entre o final de 2019 e começo de 2020 e acompanhou as aulas de forma on-line, devido à pandemia. Uma das integrantes, a atriz Jocasta Germano, já chamou a atenção, inclusive, de outras plateias na comédia The Money Shot, de Neil LaBute, dirigida por Eric Lenate entre outubro e dezembro no Teatro Vivo. “Lenate descobriu a Jocasta nas sessões da Galeria Olido e a chamou para o espetáculo”, diz Taylor.  

Para o diretor, Ilhas Tropicais apresenta uma dramaturgia muito específica – “a melhor já produzida pelo NAC” – para provocar a identificação do público, que, ele acredita, será em sua maioria formado por pessoas brancas. A história é tomada por um tom irônico e atinge o sarcasmo para tratar da necessidade que uma suposta elite tem de expandir os limites das áreas privadas para as públicas. Os personagens abordam questões de classe e poder, desigualdade e exclusão social, além de colonialismo e racismo. “O espetáculo é urgente porque existe uma dominação colonial que transforma tudo em uma violência naturalizada”, afirma. “A convivência não está se tornando possível diante de tanta alienação.” 

Cena da peça Ilhas Tropicais. Foto Marcelo Villas Boas

O rigor diante da dramaturgia e da encenação e o compromisso com o caráter pedagógico são abraçados por Taylor em sua trajetória. O ator goiano, de 40 anos, chegou a São Paulo em 2002 para estudar teatro na Escola de Comunicação e Artes da USP e, dois anos depois, passou na seleção do CPTezinho, o curso de introdução à metodologia de interpretação do diretor Antunes Filho (1929-2019). Ficou no CPT, sob as rédeas e bênçãos do encenador, até 2013 e protagonizou os marcantes espetáculos A Pedra do Reino (2006), Senhora dos Afogados (2008), A Falecida Vapt-Vupt (2009) e Policarpo Quaresma (2010). 

Na televisão, participou das novelas Velho Chico (2016) e A Dona do Pedaço (2019) e da série Onde Nascem os Fortes (2016), todas na Rede Globo. Ainda inédito, o mais recente trabalho no audiovisual é outra série, Dias Perfeitos, versão do romance de Raphael Montes, dirigida por Joana Jabace para o Globoplay. Mas e o ator de teatro? Não está com saudade do palco? “Sim, estreio em setembro um monólogo dirigido por mim e pelo Lenate ainda sem título”, conta. “O tema é inteligência artificial e redes sociais.” 

Serviço

Ilhas Tropicais.

Centro Cultural São Paulo – Sala Jardel Filho. Rua Vergueiro, 1000.

Quinta a sábado, 20h; domingo, 18h. Grátis. Ingressos distribuídos no local ou pelo site www.rvsservicosccsp.byinti.com/#/event/ilhas-tropicais.

Até 19 de maio. A partir de quinta (2).

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Ficha Técnica

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Serviço

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