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Jon Fosse detalha a difícil busca pelo afeto na peça “Mãe e Filho”

Sinopse

Ganhador do Nobel de Literatura de 2023, o norueguês é autor do texto encenado por Vera Zimmermann e Tiago Martelli no Sesc Ipiranga

Por Ubiratan Brasil

Ganhador do prêmio Nobel de Literatura do ano passado, o norueguês Jon Fosse cria uma obra que segue regiamente os preceitos da tradição dramatúrgica de seu país: investigar a família contemporânea e o lugar do vazio norteia seu trabalho, como se observa em Mãe e Filho, peça em cartaz no Sesc Ipiranga.

“É o lugar do afeto nas relações que impulsiona a trama”, observa a atriz Vera Zimmermann, que divide o palco com Tiago Martelli. Com tradução direta do norueguês de Guilherme da Silva Braga, a peça, encenada pela primeira vez em 1997, mostra o doloroso reencontro entre mãe e filho depois de anos separados. Fruto de uma gravidez inesperada, o rapaz foi educado pelos avós pois sua mãe decidiu cuidar da vida em busca da realização profissional. Quando finalmente voltam a se ver, mágoas adormecidas ressurgem, com trocas de acusações e descobertas doloridas – como a confissão da mãe de que pensou em abortar.

“É o retrato de uma geração impotente em relação ao afeto e à autonomia”, comenta Carlos Gradim, que divide a direção com Lavínia Pannunzio. Para ela, a peça de Fosse mostra como as escolhas interferem mais profundamente no destino da mulher. “A tradição da sociedade patriarcal e capitalista mostra que a vocação feminina está relegada à servidão doméstica, reservando ao homem a transmissão de autoridade. Na peça, a mãe se rebela contra esse destino, mas agora presta contas com o filho.”

Vera Zimmermann e Tiago Martelli em Mãe e Filho. Foto João Pacca

O texto de Fosse é preciso, enxuto, marcado por repetições que se mostram necessárias. “É impressionante como, em poucas páginas, muita informação já foi passada”, comenta Gradim.

De fato, dono de uma linguagem muito própria, com ritmo diferenciado e abdicando da pontuação mais convencional bem como do uso de maiúsculas, o dramaturgo norueguês definiu dessa maneira seu estilo de escrita, em entrevista ao jornal espanhol El País: “Pode ser que eu transporte para a página a minha bagagem de mau músico. Para mim, escrever é ouvir, é um ato mais musical do que intelectual. Em um texto, a forma deve ser extremamente exata, cada vírgula, cada mudança deve ser medida para que, ao ler, seja possível sentir as ondas e a mudança de ritmo conforme avança a trama. Esta unidade entre forma e conteúdo é necessária. Com a escrita ocorre o mesmo que com um ser humano: não se pode separar a alma do corpo, um cadáver não é uma pessoa”.

“Essa mãe busca reconquistar o amor do filho, mesmo sabendo da resistência dele”, comenta Lavínia, cuja direção criada com Gradim deixa os dois atores sempre distantes, com raros momentos de afeto. Em um deles, talvez um dos mais comoventes da peça, a mãe abraça o filho pelas costas, relembrando os momentos que, quando criança, ele se confortava em seu colo.

Outra lembrança que reaproxima mãe e filho é a devoção que ambos dedicam à peça O Zoológico de Vidro, também conhecida como À Margem da Vida no Brasil, clássica obra de Tennessee Williams que já teve uma direção de Lavínia, em uma montagem de 2022. A citação não é ocasional: tanto no texto do americano como no do norueguês, são questionados o fundamento moral da civilização ocidental, a violência a que as mulheres são submetidas e que atravessa as peças como uma das camadas da estrutura opressiva e hierárquica e as brutalidades promovidas pelo capitalismo e pela filosofia judaico-cristã. “Ambas mostram que é tempo de reparações”, diz a encenadora.

Vera Zimmermann e Tiago Martelli em Mãe e Filho. Foto João Pacca

O projeto de Mãe e Filho foi criado originariamente por Tiago Martelli, que se encantou com o texto de Fosse. “Seus personagens não são apresentados de forma convencional”, explica ele, que viabilizou a montagem a partir da formação dos núcleos criativo e técnico coordenados pela Mosaico Produções e com a realização do Sesc.

A cenografia de Bia Junqueira reflete a frieza que marca o reencontro com aspectos da geografia norueguesa, também marcada por um clima frio. Assim, o cenário traz uma estrutura que lembra um fiorde, formação geológica muito comum na Noruega, além de um balanço e uma rampa marítima. Apesar de sua execução discreta durante a encenação, a bela trilha sonora de Rafael Thomazini contribui para pontuar o difícil reencontro. Apesar do final aberto, há quem acredite em uma reconciliação. “Para mim, eles vão voltar se entender”, aposta Vera Zimmermann.

Serviço

Mãe e Filho

Sesc Ipiranga. Rua Bom Pastor, 822. Telefone: (11) 3340-2000.

Sextas e sábados, 20h. Domingos, 18h. R$ 50

Até 11 de agosto.

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Ficha Técnica

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Serviço

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