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Halloween fora de época ensina crianças a lidar com perda, morte e fim

Sinopse

De volta a São Paulo, “Aqui Tem Vida Demais”, sobre duas crianças que têm de enterrar seu cachorro, prova que é possível falar de temas tristes no teatro infantil e, ainda assim, conseguir divertir e entreter

Por Dib Carneiro Neto

O teatro para crianças não precisa somente se encher de alegria, euforia e final feliz. Cada vez mais isso tem sido aceito pelo público. Perda, luto, consciência sobre morte e finitude aparecem nas peças de forma corajosa, responsável e, sobretudo, delicada. Assim é Aqui Tem Vida Demais!, em sua segunda temporada por São Paulo: primeiro foi no Sesc Ipiranga e, agora, entra em cartaz no Sesc Bom Retiro. 

No enredo, dois irmãos, Mário e Maria, “investigam” a morte de seu cãozinho, procurando entender para onde ele foi e como conseguirão viver sem ele. Essa jornada é árdua, cheia de enigmas, incluindo viver o ritual de enterrar o cão defunto para, em seguida, querer desenterrá-lo, como tentativa de saber o que já está se passando embaixo de toda aquela terra. Aqui Tem Vida Demais! fala de tudo isso querendo ser alegre, alto astral, divertida. É uma boa sacada querer retratar e desvendar para crianças o ritual do enterro. Afinal, teatro também é ritual. As crianças entram no tema pela via da liturgia, do rito. Há cerimônias e regras para os adultos conseguirem lidar com a morte – e a peça quer deixar isso claro para as crianças. Afinal, “acontece com todo mundo”, deixa claro o texto desde o início.

Cena do infantil Aqui Tem Vida Demais!. Foto Jonatas Marques

“Tem sido delicioso vislumbrar, nas reações do público, respostas e reflexões – dizíveis e indizíveis – sobre tudo o que Aqui Tem Vida Demais! apresenta”, declara o autor da peça, Bruno Canabarro, estreando como dramaturgo no teatro para crianças. “Estamos muito felizes com a recepção do público e da crítica com o nosso espetáculo, agradecemos demais. Ter feito uma temporada linda de estreia no Sesc Ipiranga e agora seguir com uma nova temporada no Sesc Bom Retiro é uma realização para o nosso coletivo (Companhia Teatral Casca). As relações que estabelecemos com o público durante o espetáculo, e também após, foram muito relevantes e fizeram, com certeza, parte da construção da própria encenação – foi no encontro com o público que encontramos o espetáculo que temos hoje.”

Canabarro comenta sobre a recepção das plateias ao tema da morte: “Parece que falar de morte não é fácil… mas falar do encontro com a vida é? O que há quando não há morte? E quando a vida acaba, resta o quê? As plateias, em sua maioria, mistas de crianças e adultos, embarcam nessa aventura de se deparar com a Morte, de revelar o medo, de se encorajar e se identificar. É bonito percebermos que cada pessoa, à sua maneira de se relacionar com a vida e a morte, se diverte com a leveza e se emociona com a delicadeza. Que estes encontros continuem.”

Uma direção atenta e cuidadosa

O diretor Rodolfo Amorim conta que precisou ficar atento a alguns detalhes, já que se trata de um tema tão forte e ainda polêmico no teatro para infâncias. Ele diz: “Um dos maiores cuidados que eu tive na direção foi o de não definir o que vem a ser o pós-morte, ou seja, o que acontece depois que a gente morre. É um tema muito sensível, então não queríamos fechar em nenhuma ideia que pudesse ser de uma religião ou de uma filosofia já preexistentes. Deixamos bem aberta essa resposta e, para tanto, colocamos o foco na vida, em vez da morte.”

O que mais teve de ser pensado pela direção? “Outro cuidado foi o de procurar ‘fisicalizar’ e materializar as imagens do texto, que são muitas e bem poéticas”, responde Amorim. “Por exemplo, por mais que tenha no texto a explicação do que vem a ser saudade, eu achei que deveria ter isso também fisicamente no palco, cenicamente, como uma flor que vai se desfazendo. Toda a poesia do texto virou ação,  imagem, adereço. Eu fiz questão.”

Cena do espetáculo infantil Aqui Tem Vida Demais! Foto Jonatas Marques

Rodolfo Amorim também conta que estudar o texto foi outra medida bem importante: “Trabalhamos muito sobre a palavra, o trabalho de mesa – como se diz – foi longo, e até o Bruno reescreveu algumas coisas. Queríamos demorar no estudo do texto, para ter essa profundidade que acabamos conseguindo na compreensão dos atores. Precisávamos dessa base forte para conseguir tratar tudo com a  delicadeza necessária.”

A emoção pós-pandemia

Não se iluda achando que, por ser uma peça que exigiu assim tantos cuidados de preparação e estudo, a emoção ficou de fora. De forma nenhuma. Na entrevista, o diretor fala disso com voz embargada, inclusive. “Primeiramente, há uma emoção estrutural, porque é o primeiro espetáculo que faço depois da pandemia”, declara ele. “Reapresentei alguns, mas esse foi o primeiro inédito depois de tudo aquilo que passamos. Ver a equipe toda trabalhando, montando, o cenário subindo, afinando a luz, preparando os instrumentos musicais – isso foi a primeira emoção, a volta do nosso fazer teatral. Dito isso, não posso deixar de mencionar a cena que mais me comove. É o momento em que aparece o fantasma do cachorro Manoelzinho. Como me emociono. Acho que é a cena síntese da peça, porque fala e mostra tudo o que a peça é e o que ela representa, a junção de todos os elementos, o boneco do Edson Gon, os figurinos do Felipe Cruz,  os objetos do Zé Valdir, a luz desenhada do Daniel Gonzales, a música da Gabi Queiroz e do Demian Pinto, os três atores – enfim, todas as áreas estão ali contempladas nesta cena, um momento de comunhão, com sutileza e beleza. Isso é bem emocionante para mim.”

O visual do espetáculo, de fato, não pode deixar de ser citado. No quesito criatividade, o espetáculo está bem acima do que se costuma ver nas produções para público mirim. Parece um halloween fora de hora, mas sem cair em clichês. Os créditos vão para o próprio diretor Rodolfo Amorim, que assina cenografia, Felipe Cruz, nos figurinos, adereços e bordados, Rodrigo Carvalho e Frida Braustein Taranto (nas flores de tricô), desenho de luz de Daniel Gonzalez, animações de Fernanda Zotovici e vídeo mapping de Vic Von Poser. Uma turma da pesada.

Aqui Tem Vida Demais! também tem música original ao vido, por Gabi Queiroz e Demian Pinto, com letras de Bruno Canabarro. Ali, como se vê, tem vida demais! Que seja uma linda nova temporada, como foi a primeira. E que venham mais e mais. 

Serviço

Aqui Tem Vida Demais!

Sesc Bom Retiro. Alameda Nothmann, 185, Campos Elíseos, São Paulo.

Domingos, 12h. R$ 30. Crianças até 12 anos não pagam

Até 3 de março

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Ficha Técnica

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Serviço

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