Tradicional trupe, que se apresentou no Festival de Curitiba, mescla repertório de músicas interpretadas ao vivo com números de variedades e danças, fragmentos de textos de Brecht e cenas de dramaturgia própria
Por Ubiratan Brasil
O lugar onde acontece a trama não inspira confiança, os cantores e dançarinos parecem eternamente cansados mas, como se trata de um espetáculo do Grupo Galpão, a alegria é contagiante. Depois de passar por várias cidades e de ser um dos destaques do Festival de Curitiba, Cabaré Coragem chega ao Sesc Belenzinho.
Trata-se de uma viagem sonora e visual, comandada por uma trupe trupe envelhecida e decadente. Mas não se engane. “A gente sempre quis que fosse um espetáculo muito festivo, com muito humor, muita alegria e muita crítica social”, disse o diretor e ator Julio Maciel, em entrevista coletiva em Curitiba, onde acontece o festival até o dia 7.
As apresentações na capital paranaense, aliás, foram marcadas por muito entusiasmo do público nas duas apresentações. Nada surpreendente pois a tradição do Galpão, fundado em novembro de 1982 e originado no teatro popular e de rua, é a de derrubar a separação entre palco e plateia e convidar o público a compartilhar da encenação.
A alegria em cena é uma resposta a um dos mais sombrios momentos vividos recentemente pela humanidade, a pandemia da covid. “O espetáculo tem essa ligação direta com aquele momento. Depois que a situação melhorou, queríamos reencontrar o público. E o que acontece é um encontro muito intenso, quase uma catarse”, comenta Maciel. “Mas a alegria nem sempre é fácil, e é por isso que a peça se chama Cabaré Coragem. A palavra ‘coragem’ acompanha o Grupo Galpão há muitos anos. Precisamos de muita coragem pra sobreviver como artistas durante a pandemia e o governo anterior.”
Maciel conta que, durante a pandemia, os integrantes ficaram imersos na leitura da obra do alemão Bertolt Brecht. “Em uma dessas reuniões, a palavra ‘Cabaré’ foi mencionada, gerando várias perguntas sobre que tipo de Cabaré queríamos: Brechtiano, brasileiro, clássico, jovem, contemporâneo, político, feroz, drag, vedete, teatro de revista? E o teatro em si? O que o diferencia do Cabaré? Surgiram ideias como um Cabaré de Beira de Estrada, um Inferninho com tipos excêntricos, ou um show para nos reconectar com o público.”
O musical foi montado a partir de fragmentos de textos de Brecht unidos a trechos de dramaturgia própria, além das canções, escolhidas pelo próprio elenco. “São referências brasileiras, de funk e de rock, por exemplo. Então, o chão da peça é Brecht, mas tem também essa outra camada que os atores trouxeram”, conta Luiz Rocha, responsável pela direção musical, arranjos e trilha sonora. No palco, os atores e atrizes encarnam figuras de um decadente cabaré, onde apresentam números de canto, dança, acrobacia e outros entretenimentos.
Responsável pela supervisão dramatúrgica, Vinicius de Souza explica que Cabaré Coragem – cujo nome faz menção à icônica personagem de Brecht, Mãe Coragem – é um espetáculo que, por meio da música e do humor, permite que as pessoas pensem no velho sistema em que vivem, no qual alguns poucos levam uma vida de privilégios, enquanto a maioria sente fome.
“O espetáculo nasceu de uma série de experimentos cênicos realizados pelo Galpão nos últimos meses. Eles se deram a partir de pesquisa sobre a linguagem do cabaré – que mistura música, teatro, dança – e a obra poética e musical de Bertold Brecht, o famoso diretor teatral alemão”, destaca ele, lembrando que o público é convidado a cantar, dançar e também bebericar uma aguardente, distribuída aos interessados entre as fileiras.
“No entanto, ao modo das personagens de Brecht, as figuras desse cabaré são extremamente carentes, vítimas da guerra e da exploração, esquecidas ou marginalizadas, mas cheias de sonhos e pulsões de vida”, conta Vinicius.
*O repórter viajou a convite do Festival de Curitiba
Serviço
Cabaré Coragem
Sesc Belenzinho R. Padre Adelino, 1.000
Quinta a sábado, 20h30. Domingo, 18h30. R$ 50
Patrocínio: Instituto Cultural Vale, Petrobrás, Cemig
Até 5 de maio