Ator apresenta o solo focado no escritor nas quintas-feiras no Teatro BDO Jaraguá e reflete sobre os seus 50 anos de carreira
Por Dirceu Alves Jr. (publicado em 7 de agosto de 2025)
Por quatro anos, o escritor João Guimarães Rosa (1908-1967) adiou a posse na Academia Brasileira de Letras, algo que sempre sonhou e, mesmo respeitado no meio literário, endossaria a sua vaidade. Temia ser tomado por uma emoção incontrolável ou até mesmo não encontrar sentido para dar sequência ao processo criativo. Em 16 de novembro de 1967, o autor do romance Grande Sertão: Veredas finalmente vestiu o fardão dos imortais e, três dias depois, sofreu um infarte fulminante, aos 59 anos, que, de certa maneira, confirmou a intuição.
São estas facetas humanas, carregadas de vulnerabilidades e contradições, que o ator Giuseppe Oristanio procura transmitir no monólogo Pormenor de Ausência. Com texto de Lívia Baião e direção de Ernesto Piccolo, a montagem será apresentada todas as quintas-feiras de agosto no Teatro BDO Jaraguá, no centro de São Paulo, depois de estrear em 2022 no Rio de Janeiro e percorrer diversas cidades de Minas Gerais. “Fiquei impressionado que Rosa é mais celebrado no Rio e em São Paulo que em Minas, a sua terra”, conta o protagonista. “Por lá, ele é reverenciado no meio intelectual, e o povão pouco o conhece.”

No palco, Oristanio, de 66 anos, interpreta Guimarães Rosa em seus últimos momentos. O ilustre personagem está em seu escritório, diante da máquina de escrever, quando o coração para de bater e começa um mergulho em suas memórias privadas. O texto, claro, repassa impressões sobre Riobaldo e Diadorim, os protagonistas do clássico Grande Sertão: Veredas, fala de Sagarana, Corpo de Baile e Tatumeia, outros livros importantes, mas a essência é a sua intimidade. “O que mostro é o pensamento de um cidadão, o interior de um sujeito que carregava as fraquezas de qualquer ser humano”, diz o ator. “Rosa era um autor respeitado, viveu experiências extraordinárias como diplomata, porém falava que só fazendo parte da ABL a sua mãe acreditaria no seu sucesso.”
Em 2022, o artista paulistano completou cinco décadas de uma carreira iniciada aos 13 anos. Tudo começou com a peça A Menina que Viu o Brasil Nascer, em 1972, protagonizada pelos então desconhecidos Lucélia Santos e Ney Matogrosso e apresentada no Teatro Aquarius e no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). “Sabe aquelas cenas mostradas no filme do Ney antes do sucesso dos Secos e Molhados?”, pergunta. “O Ney vendia pulseiras e colares de miçanga que ele mesmo fazia nos intervalos da peça.”
Para marcar as bodas de ouro artística, veio o desejo inédito de interpretar um monólogo. Oristanio saiu à procura de textos com o amigo Ernesto Piccolo e chegou a Lívia Baião, doutora na obra de Rosa, que havia criado uma dramaturgia biográfica do autor e deixado na gaveta. “Ela escreveu a partir de correspondências pessoais, entrevistas, tudo é a voz de Rosa, mas julgava não ter teatralidade suficiente para chegar ao palco e quando li foi uma surpresa”, afirma. “O que me encantou é que o texto traz a vida e a obra de Rosa filtradas por sensações próprias.”
É guiado pelas emoções que Oristanio revisita a sua carreira. Entre a metade da década de 1970 e começo dos anos de 1980, o ator participou de novelas da Tupi, Band e SBT e, em 1987, se mudou para o Rio de Janeiro. Ele estreou na Globo como um dos personagens principais de Vida Nova, trama sobre a imigração italiana escrita por Benedito Ruy Barbosa em 1988. No ano seguinte, foi um dos protagonistas de Kananga do Japão, produção da TV Manchete, em que contracenou com Christiane Torloni e Tônia Carrero (1922-2018).

No teatro, trabalhou com o Grupo Tapa, fez peças dirigidas por José Wilker (1944-2014) e Miguel Falabella e, em 2010, estreou o grande sucesso Doidas e Santas, com elenco liderado por Cissa Guimarães, que até hoje volta ao cartaz conforme as agendas do elenco. “Nunca tive e nem terei um plano B porque sempre fui um ator e me orgulho de ter tocado a minha vida e criado meus filhos com relativo conforto graças a esta profissão”, garante.
Ainda dos palcos, vem a lembrança do espetáculo Artaud, O Espírito do Teatro, escrito por José Rubens Siqueira (1945-2025) e dirigido por Francisco Medeiros (1948-2019) em 1984. Em tempos de anunciada abertura política, a peça foi proibida pela censura sem ser avaliada pelos fiscais da ditadura. Na véspera da estreia, o elenco, que contava com Elias Andreato, Ary França, Haroldo Botta e Tania Bondezan, entre outros, realizou um ensaio geral para os censores e conseguiu a liberação. “Pulamos algumas passagens do texto e deu tudo certo”, conta. “Pelo que sei, fomos o último grupo a fazer uma sessão aos censores.”
Oristanio lamenta que a passagem de Pormenor de Ausência por São Paulo fique limitada a uma apresentação semanal. Ele espera que apareçam formas de viabilizar financeiramente uma temporada maior. “Eu nem me inscrevo mais em editais porque não acontece nada, já desisti”, lamenta ele, que aproveitou o fim das gravações na semana passada da série A Vida de Jó, da TV Record, para vir à cidade.
O pessimismo, entretanto, cessa por aí. Oristanio acredita que os avanços tecnológicos já começaram a beneficiar o teatro e uma mudança de mentalidade deve ganhar força nas próximas décadas. “Eu acredito que a inteligência artificial só vai fortalecer o nosso trabalho porque o contato humano se fará necessário em meio à mecanização”, reflete. “O fim da pandemia mostrou que as pessoas voltaram a ver teatro com frequência e nada substitui experiências presenciais.”
Serviço
Pormenor de Ausência
Teatro BDO Jaraguá. Rua Martins Fontes, 71
Quinta, 20h. R$ 100
Até o dia 28 de agosto (estreia 7 de agosto)
