Lavínia Pannunzio dirige espetáculo que trata do processo de emancipação através de uma mulher que transforma a sua vida através da escrita de uma peça
Por Dirceu Alves Jr. (publicado em 27 de agosto de 2025)
Como atriz, Fran Ferraretto, de 36 anos, teve o talento e a técnica forjados pelo Club Noir, companhia marcante da cena paulistana na década de 2010. Ela nasceu em Barão de Antonina, na fronteira entre Paraná e São Paulo, foi criada em Sorocaba, no interior paulista, e, aos 19 anos, veio para a capital. Estudou teatro no grupo capitaneado pelo diretor Roberto Alvim e a atriz Juliana Galdino, ficou por lá cinco anos em que foi assistente das aulas de dramaturgia e participou como intérprete de 17 peças que viajaram para diversos festivais.
“Eu não fiz faculdade porque trabalhava muito na companhia, um processo denso e enriquecedor para a minha formação”, diz a artista. “Reconheço isto independentemente da postura política assumida depois pelo Roberto (o diretor foi secretário de cultura do governo Jair Bolsonaro entre junho de 2019 e janeiro de 2020) mesmo não concordando com a sua visão.”

A mesma maturidade pode ser observada na evolução artística de Fran que, desde 2018 se converte em dramaturga. Embalada pelo nascimento do sobrinho Enzo quatro anos antes, a atriz estreou como autora com a peça infantil A Minicostureira, adaptação do conto A Moça Tecelã, de Marina Colasanti (1937-2025), sob a direção de Cynthia e Débora Falabella. A ótima repercussão motivou o passo seguinte, um diálogo com o mundo infanto-juvenil em Valentim Valentinho, lançado em 2023.
O espetáculo, dirigido por Marcelo Varzea e Erica Rodrigues, reflete sobre o bullying sofrido por um menino que tem medo de cachorro, não sabe nadar e tampouco joga futebol. De presente de aniversário, ele pede mais coragem. “Eu respeito muito o teatro infantil e, durante a temporada, ouvi de vários adultos que Valentim Valentinho era a peça que eles queriam ter visto quando crianças”, conta a autora.

Nesta sexta, 29, Fran conclui um caminho de autoconhecimento artístico que resulta em Adulto, peça de sua autoria, em que contracena com os atores Iuri Saraiva e Sidney Santiago Kuanza e a atriz Jennifer Souza. Sob a direção de Lavínia Pannunzio, a montagem estreia no Teatro do Sesc Ipiranga e propõe discussões sobre o fim do ideal do amor romântico. Bem-sucedida nos diálogos contemporâneos com as temáticas infantis e infanto-juvenis, a dramaturga apresenta o primeiro texto para o público maduro enfocando dois casais que vivem e encaram os seus relacionamentos com muitas diferenças.
Fran e Saraiva interpretam respectivamente Sara e João. Ela quer investir na carreira de dramaturga, mas, enquanto escreve a primeira peça, acumula horas extras como revisora de textos de uma agência para bancar as contas da casa. João, por sua vez, é um ator em crise que convive com a instabilidade da profissão e parece não se dar conta dos esforços feitos pela mulher para bancar o seu sonho profissional. “Sara está em curso de uma grande mudança, se entendendo melhor como uma pessoa com desejos e vontades próprias que vão além da simbiose do casamento”, define Fran. “É uma mulher que ainda se vê presa a uma relação falida porque alimenta a imagem romântica dos primeiros tempos.”
Em compensação, Vitor e Paula, representados por Sidney Santiago Kuanza e Jennifer Souza, são os apostos que servem de contraponto a Sara e João. Os dois formam um casal em permanente diálogo, disponíveis para se reconhecerem um no outro e abertos para o que de novo possa se manifestar. Vitor é o ator em ascensão em um mercado que João começa a ser preterido e Paula é uma antropóloga que serve de farol para a virada de mesa ansiada por Sara. “Tudo o que estava silenciado vem à tona e começa uma jornada de emancipação de Sara para construir uma nova vida dentro de sua vida”, explica Fran.

Atriz em flertes cada vez mais constantes com a direção, Lavínia Pannunzio se encantou com o texto desde a primeira vez que leu. Para ela, além de Fran despertar para a história, que já é naturalmente boa, ela abre um precedente para revelar ao público a estrutura da dramaturgia através da obra que a personagem escreve. “Sempre é bom ter uma quebra de linguagem para que a peça não fique restrita a um mero drama, mas, quando encontro uma fusão de dramaturgia e literatura, fico louca”, comenta a encenadora. “Fran, que é uma mulher branca adulta, consegue escrever os quatro personagens com a cabeça de brancos e pretos, tantos que os personagens pretos, a Paula e o Vitor, representam a positividade e dão de dez no casal branco.”
Lavínia define Sara como aquela mulher soterrada em um grande buraco existencial que começa a resolver essa guinada de vida através da ficção, quer dizer na peça que começou a criar. Assuntos contemporâneos, como saúde mental, maternidade, monogamia, machismo, racismo e tantos outros inevitáveis na vida adulta, aparecem no texto sob uma ótica coletiva e nunca como anseio individual. “A alma dos quatro personagens é social porque o drama deles vem da falha civilizatória da falta de empatia que vai nos matar”, diz a diretora. “As peças da Fran, mesmo as infantis, têm uma figura heroica ligada à contemporaneidade e, assim, se espalha esse universo de pautas que precisamos pensar.”
Para segurar essa metalinguagem proposta pela dramaturgia – o conflito entre os dois casais e o desenvolvimento da peça dentro da peça -, Lavínia destaca a importância de contar com dois atores e duas atrizes dispostos a engradecer o espetáculo. “Fran é estilisticamente formada pelo teatro e o Iuri é o tipo de ator que ativa a dramaturgia e não faz um personagem, mas uma obra inteira, assim como o Sidney, que é uma presença forte e afetuosa”, define. A grande surpresa de Lavínia é Jennifer Souza, jovem atriz de 31 anos, que se destacou nos recentes espetáculos Fuga e Tá pra Vencer. “Estou encantada com o jeito espontâneo e intuitivo, ainda não guiado pela técnica, que ela traz com força para a cena”, elogia a diretora.
Serviço
Adulto
Teatro do Sesc Ipiranga. Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga
Sexta e sábado, 20h. Domingo, 18h. R$ 60
Até 12 de outubro (estreia em 29 de agosto)
