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Festival Internacional de Teatro de Rio Preto cultua a memória

Sinopse

Curadoria do tradicional evento que acontece em cidade paulista até 27 de julho aposta em espetáculos que trazem a história de figuras fundamentais, como “Maria Auxiliadora”

Por Ubiratan Brasil

São José do Rio Preto* – Ao analisar os espetáculos inscritos para o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, os curadores Diego Valadares, Monique Cardoso e Naruna Costa observaram um significativo número de trabalhos que cultuam a memória. Foi a palavra guia para a montagem da programação. “Foi ela que mais transitou nas dramaturgias e regeu as pesquisas na maioria das obras que se apresentavam”, afirmam eles, na apresentação do festival.

Segundo os curadores, memórias não são o resultado espontâneo da passagem do tempo, tampouco um relicário das experiências individuais. “Nossa relação com o passado é um ato simultaneamente individual e coletivo que se realiza no presente e que pode se orientar em muitas direções. Lembrar é um trabalho social e político que pode ser caracterizado pela lembrança e pelo esquecimento, pela voz e pelo silenciamento, pela liberdade e pela opressão, pelos afetos e pela violência”, afirmam.

Cena do espetáculo Maria auxiliadora. Foto Zé Barretta

Um dos espetáculos convidados é Maria Auxiliadora, trabalho com que a Cia dOs Inventivos comemora seus 20 anos de atividade. Trata-se da história de uma expoente cultural da capital paulista e uma das primeiras artistas plásticas negras a expor no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o Masp. “Trazer à cena a vida e obra de Maria Auxiliadora da Silva é reverenciar a produção de toda a família Silva, fortalecendo as lutas das(os) artistas negras(os) brasileiras(os), sempre partindo da premissa de que nós não estamos sozinhas(os)”, comenta o diretor Flávio Rodrigues.

A história começa no final dos anos 1930 quando a família Silva se instala na região da Casa Verde, zona norte de São Paulo. Lá, além da sobrevivência básica, os Silva, na figura de Maria Auxiliadora, iniciam um trabalho criativo, especialmente na pintura de quadros.

“Maria Auxiliadora é fruto de uma comunidade composta de artistas de várias áreas. Sua mãe era uma artesã brilhante, rainha dos bordados. Seu pai era músico. São muitas Marias em uma só e cada uma delas é apresentada sempre em comunhão seja com a própria família, em mutirões para construir casas, na escola de samba, no baile black, no mundo das artes visuais ou em momentos de espiritualidade, no qual se conecta com sua ancestralidade afro-indígena”, comenta a dramaturga Dione Carlos.

Cena da peça Maria Auxiliadora, da Cia dOs Inventivos. Foto Zé Barretta

Com isso, a Cia dOs Inventivos convida o público a pensar sobre ética comunitária, famílias alargadas e práticas ancestrais herdadas e reatualizadas na cidade. Assim, o trabalho do diretor Flávio Rodrigues se baseou em três eixos fundamentais. “O primeiro foi reconstituir as memórias, mesmo que lacunares, da vida de Maria Auxiliadora da Silva e de sua família”, conta o encenador. “O segundo eixo foi partir da multiplicidade de experiências artísticas do elenco (a dança, a música e as artes plásticas), e por último, buscamos aproximar as artes plásticas ao universo do samba, linguagem muito presente na produção dos artistas da família Silva.”

No festival, a apresentação aconteceu uma arena montada no Sesc de São José do Rio Preto, que teve todos seus lugares tomados. A estrutura favoreceu a encenação cujo cenário é composto por um mobiliário amontoado que remete às dificuldades de uma vida precária na cidade. À medida que os objetos são distribuídos em cena, o público é levado para a residência da família Silva, ao ateliê, às ruas, à praça da República, aos bailes e aos barracões.

Cena do espetáculo Maria Auxiliadora, da Cia dOs Inventivos. Foto Zé Barretta

“Os objetos cênicos desmontam, se encaixam, formam alturas diferentes, e se transformam em palco, palanque e oratório. Sob o ponto de vista estético, o tom do barroco mineiro entrecruza-se às nuances da São Paulo desvairada do néon, das máquinas fabris e dos projetos de modernização”, explica o diretor Flávio Rodrigues.

Já o figurino reflete as habilidades da família Silva, que costurava as próprias roupas. Por fim, a trilha sonora bebe no samba, no jongo, nos batuques, nas congadas e no samba-rock. Por meio desta história de vida e relações, a Cia dOs Inventivos revela a importância da participação dos negros na construção da metrópole paulistana.

Um dos pontos altos do espetáculo é o momento em que o então diretor do Masp, Pietro Maria Bardi, confessa seu erro ao subavaliar o trabalho artístico de Maria Auxiliadora, tratando-o como simplista. Em seguida, ele organizou uma exposição dos quadros no próprio Masp.

*O repórter viajou a convite da produção do festival

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Serviço

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