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Fernanda Stefanski investiga a possibilidade de voltar à cena depois do fim em “Véspera”

Sinopse

A atriz, dramaturga e diretora busca referências na Ofélia de Shakespeare, na G.H. de Clarice Lispector e em Marilyn Monroe para tratar de desilusão e transformação

Por Dirceu Alves Jr.

A atriz paulistana Fernanda Stefanski tinha apenas 8 anos em seu primeiro contato com a morte. Ela foi acordada no meio da madrugada por seus pais para entrar na Brasília cinza da família rumo a BR-116, o começo de um longo trajeto até a cidade de Maravilha, em Santa Catarina. O Tio Lauro, irmão de sua mãe, disparara o gatilho na altura da nuca, a arma desaparecera e o suicídio foi dado como certo.

No velório, a garota brincou em volta do caixão, tocou no pé gelado do morto e até compreendeu a dor daqueles que não escondiam o inconformismo com a perda. A real dimensão do ato extremo do Tio Lauro, porém, só foi entendida na vida adulta, como uma artista. “O suicídio marca quem fica porque é um ato e não uma atuação e define um antes e depois para todo mundo”, afirma. “Todos nós pensamos em como pode ter sido a véspera daquele dia para encontrar uma justificativa.”

Uma das fundadoras da Cia. Hiato, grupo consagrado na década de 2010, com os espetáculos Escuro, O Jardim, Ficção e Amadores, Fernanda, aos 43 anos, tem se experimentado como diretora, dramaturga e atriz em trabalhos que concretizam suas pesquisas, a maioria delas, em torno da desilusão. “Mas isso não é algo negativo, quando você se desilude é sinal de que está pronto para enfrentar a realidade e viver de verdade”, explica.

Fernanda Stefanski em Véspera. Foto Ligia Jardim

Em 2022, ela e o marido, o ator e videoartista André Zurawski, montaram a peça Nós, uma discussão da quebra do amor romântico inspirada em Romeu e Julieta, de William Shakespeare (1564-1616), e, no ano passado, Fernanda dirigiu A Grande Obra, monólogo do ator Fabricio Pietro, sobre a decepção com o status e a ascensão social.

A parte final desta trilogia, Véspera, que estreia na sexta, 12, no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca, é o começo de tudo e vem sendo desenhada desde 2018. A demorada gestação se deve às múltiplas camadas descobertas pela artista ao desmembrar uma ideia inicialmente pensada para ser tratada como “a saída da cena”. Embasada por novas leituras, Fernanda constatou que, depois do enfrentamento de um grande conflito e da desilusão com o heroísmo, pode existir uma “volta à cena” e, logo, o pensamento suicida abre portas para motivar uma transformação. 

Fernanda escreveu, dirige e protagoniza o solo em que cruza a jovem Ofélia, da peça Hamlet, de Shakespeare, o romance A Paixão Segundo G.H., de Clarice Lispector (1920-1977), e o mito da atriz norte-americana Marilyn Monroe (1926-1962). A personagem central de Véspera é Ofélia que, declarada morta, volta para reconstituir a sua história, enquanto a criatura de Clarice é pulsão criativa que a provoca e a estrela do cinema hollywoodiano aparece como uma espécie de espectadora invisível a quem a mensagem é endereçada.

Fernanda Stefanski no monólogo Véspera. Foto Ligia Jardim

Rejeitada pelo príncipe Hamlet, Ofélia mergulhou em um lago, mas, disposta a voltar à superfície, se descola da dramaturgia shakespeariana para superar a desilusão amorosa e reescrever o seu destino. “G.H. é a mulher que quase deu cabo de sua vida depois de ser abandonada, mas atravessou uma jornada existencial e, agora, é a mão que puxa Ofélia de volta à cena”, declara Fernanda. “Acho provável que se a Marilyn tivesse lido A Paixão Segundo G.H. não teria se matado.”

Se Marilyn não teve tempo de conhecer a obra de Clarice, publicada em 1964, dois anos depois de sua morte, Fernanda adiou por muito tempo a leitura porque não se julgava pronta para a complexidade da trama que cruza uma mulher e uma barata. Só em 2018 ela abriu o livro e já perdeu as contas de quantas vezes recorreu a ele novamente. “Eu fico em um limite muito tênue entre a obsessão e o comprometimento em tudo o que faço”, reconhece. 

Testemunha invisível

Desde então, Fernanda viveu uma significativa transformação na rotina que não diz respeito somente ao isolamento da pandemia comum a todos. Seu filho, Tiago, veio ao mundo em setembro de 2021 e a artista, assim como G.H., precisou enfrentar as próprias metamorfoses. “Eu me via lavando roupa, cuidando da mamadeira, cozinhando e desenvolvendo a peça dentro da minha cabeça” conta a artista. “Agora, com a estreia, acho que vou escovar os dentes com mais calma porque, para dar conta da criação e da vida, preciso deixar algumas coisas de fora.”   

O começo dos ensaios, no palco do Teatro Arthur Azevedo, lhe revelou mais uma surpresa do destino. O espetáculo Marilyn, Por Trás do Espelho, protagonizado pela atriz Anna Sant’Ana, cumpriu temporada no espaço até o último domingo, dia 7. Fernanda desenvolveu o seu processo solitário diante do cenário da outra montagem que enfocava a estrela de Hollywood e, quem sabe, a atriz de Quanto Mais Quente Melhor e O Pecado Mora ao Lado não tenha sido a testemunha invisível dos últimos preparativos de Véspera. “Marilyn era uma mulher inteligentíssima aprisionada naquele modelo de símbolo sexual”, diz Fernanda. “Um de seus projetos era protagonizar uma peça de Shakespeare para ser reconhecida como atriz de teatro e isso poderia ter sido a sua volta à cena.”

Serviço

Véspera.

Teatro Arthur Azevedo – Sala Multiuso. Avenida Paes de Barros, 955, Alto da Mooca.

Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. Grátis. Ingressos distribuídos uma hora antes.

Até o dia 28. A partir de sexta (12). Sessão extra, na quinta (25), às 20h.  

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Ficha Técnica

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Serviço

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