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Fabrício Pietro empreende longa jornada ao encontro do solo “A Grande Obra”

Sinopse

Sob a direção de Fernanda Stefanski, o ator discute o capitalismo e as ilusões em monólogo que tem como ponto de partida uma peça de Tennessee Williams 

Por Dirceu Alves Jr.

Em uma das cenas de A Grande Obra, o ator Fabrício Pietro, de 44 anos, fala “eu olho para as minhas mãos e tenho a sensação de que elas estão vazias e me pergunto: ‘o que eu poderia fazer com elas, além do que estou fazendo agora?’”. O espetáculo, em cartaz no Espaço Parlapatões até o dia 14, foi criado a quatro mãos, as de Pietro e as de Fernanda Stefanski, de 43, que, além da direção, construiu a dramaturgia com o protagonista. Esta frase vem de O Filho de Moony não Chora, peça curta de Tennessee Williams, sobre um casal do proletariado que, com um bebê, vê seus problemas financeiros soterrarem as perspectivas de vida às vésperas do Natal.

O texto do dramaturgo americano, que caiu nas mãos de Pietro há quinze anos, serviu esse tempo como provocação ao artista – e uma assombração da qual precisava se livrar. O caminho para enfrentar o fantasma foi longo e suado. Em O Filho de Moony não Chora, a mulher sai de casa e deixa o recém-nascido aos cuidados do pai, que precisa aprender a tocar o barco. “É o capitalismo colocado à prova e eu carreguei essa angústia, parece que minha vida teatral ficou parada porque não realizei essa peça”, confessa o ator, que, na época em que leu o texto, vivia curva ascendente em montagens como R&J e Mojo, ambas de 2007, e O Livro dos Monstros Guardados (2009), todas dirigidas por Zé Henrique de Paula, com o grupo Núcleo Experimental. 

Fabricio Prieto em A Grande Obra. Foto Ronaldo Gutierrez

Um trabalho na televisão, como apresentador e editor-chefe do programa cultural Espaço Mix, da Grupo Mix, entre 2009 e 2016, ofereceu outras vitrines a Pietro, que entrou em uma zona de conforto e viu desaparecer o intérprete. “Tinha salário fixo e pouca disponibilidade para ensaiar porque entrevistava os artistas de acordo com a agenda deles, não queria me estressar”, lembra. “Só que perdi minha identidade e me neutralizei a ponto de me desconectar do ator que era.”  

Um dia, veio a ordem de demissão e suas mãos, agora livres, poderiam ser usadas para outras coisas. Pietro, no entanto, foi crítico de si mesmo e não voltou ao ponto em que tinha parado, há quase dez anos. Começou a estudar, procurar cursos que reconectassem com a interpretação, como se fosse um novato no ofício. Em 2018, em uma oficina promovida pela Cia. Hiato, o ator em fase de retomada conheceu Fernanda Stefanski, atriz e cofundadora do grupo dirigido por Leonardo Moreira. “Entendi pela primeira vez que poderia ter uma autonomia artística”, comenta Pietro, que convidou Fernanda para dirigi-lo em um projeto.

E lá chegou ele com a peça de Tennessee Williams dentro da mochila. “Não entendi a ligação dele com essa história de um operário, mas eu queria sair da inércia, construir uma dramaturgia que não fosse tão apoiada teatro documental, diferente de tudo o que fazia na Hiato, e topei”, justifica ela. Fernanda, porém, sabe instigar o interlocutor, arrancar verdades inesperadas e, cutucando Pietro, entendeu que era preciso falar não só de coisas que ele olhava de relance, mas daquelas que o angustiavam, como o tal do capitalismo.

Conversa vai e vem, a pandemia trancou todos em casa, Fernanda deu à luz Tiago, seu primeiro filho, em setembro de 2021, e se agarrou aos livros do francês Antonin Artaud, começando a enxergar tudo diferente. “Nesta peça, a mulher é o sistema porque ela faz o cara trabalhar para sustentar o filho e, de repente, inverte os papéis, sai de cena e deixa o marido com o bebê”, observou Fernanda, que, em seguida, fez uma proposta a Pietro. “Vamos jogar fora todos os textos que criamos e nos concentrar no Tennessee porque nosso espetáculo é sobre um homem que cuida sozinho do filho e não tem nenhum outro discurso nisso.”

Fabricio Prieto em A Grande Obra. Foto Ronaldo Gutierrez

O projeto ganhou um norte. A insônia do pai, que vara as madrugadas cuidando do bebê, veio de uma análise do filme O Clube da Luta, realizado pelo cineasta americano David Fincher em 1999. O mito de Sísifo, o homem que batalha diariamente para chegar ao topo da montanha e volta sempre para o mesmo lugar, foi um dos muitos objetos teóricos estudados. A Grande Obra, de Pietro e Fernanda, entretanto, coloca esse sujeito um ano depois às voltas com o filho e preparando a árvore de Natal para que as ilusões não sejam perdidas.

“A minha investigação é sobre trabalhos que não sejam discursivos, quero pensar de novo na metáfora e estabelecer uma comunicação com a plateia que não seja explicativa”, ressalta a diretora, que, no ano passado, montou o espetáculo Nós, em torno do fim do amor romântico, e, para 2024, promete Véspera, sobre a saída de cena, na vida ou no teatro, inspirada na personagem Ofélia, do clássico Hamlet, de Shakespeare.

Fabrício Pietro está feliz – depois de ter espantado monstros e assombrações. Em sua longa jornada até estrear A Grande Obra, firmou parceria com o ator André Garolli, que o dirigiu em Inferno, Um Interlúdio Expressionista (2019), do mesmo Tennessee, e Travessia Brasil – Um Caminho para a Pedreira (2022), inspirado em Pedreira das Almas, de Jorge Andrade. Entre os dois trabalhos, produziu e protagonizou Jardim de Inverno, encenação de Marco Antônio Pâmio, em que contracenou com Andréia Horta e Bianca Bin em duas temporadas diferentes.

“Eu idealizei Jardim de Inverno para me relançar como ator, fui estudando, me preparando porque só depois de tantos estímulos eu poderia render bem nestes trabalhos”. assume. “Por isso, me sinto preparado em A Grande Obra para fazer a curva do teatro documental e chegar ao teatro ficcional porque senão seria só mais uma peça de um ator falando de seus próprios conflitos.”  

Serviço

A Grande Obra.

Espaço Parlapatões. Praça Franklin Roosevelt, 158, centro.

Terça a quinta, 20h. R$ 50.

Até o dia 14 de dezembro

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Ficha Técnica

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Serviço

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