O melhor do teatro está aqui

Entre a fé e a razão, “Agnes de Deus” escolhe o mistério

Sinopse

Sob a direção de Murillo Basso, a peça de John Pielmeier volta aos palcos com as atrizes Clara Carvalho, Mariana Muniz e Gabriela Westphal

Por Dirceu Alvers Jr

Caso você tenha visto, esqueça o realismo do filme dirigido por Norman Jewison em 1985 com base na peça de John Pielmeier e protagonizado pelas atrizes Jane Fonda, Anne Bancroft e Meg Tilly. O espetáculo Agnes de Deus, que estreia nesta sexta, 20, no Teatro Aliança Francesa, alimenta o mistério em torno da trama que cruza o universo feminino em um embate sobre questões religiosas e a busca pelas explicações da ciência.

Sob a direção de Murillo Basso, a montagem tem no elenco as atrizes Clara Carvalho, Mariana Muniz e Gabriela Westphal, idealizadora do projeto ao lado do produtor Ariell Cannal, e adota o caminho de um thriller psicológico. Dra. Martha (interpretada por Clara) é uma psiquiatra convocada para visitar um convento onde um bebê recém-nascido foi encontrado morto, enforcado no cordão umbilical.

Clara Carvalho, Mariana Muniz e Gabriela Westphal em Agnes de Deus Foto Ronaldo Gutierrez

A principal suspeita do assassinato é a própria mãe, a jovem freira Agnes (papel de Gabriela), e a reação da madre superiora, a Irmã Miriam Ruth (representada por Mariana), leva a desviar o foco do suposto crime. Ela insiste que a garota foi tocada por Deus e a concepção é resultado de um milagre, argumento descartado por Martha.

Quem matou o bebê? Agnes teria cedido a uma relação sexual? Com quem? Como se pode ainda acreditar em um milagre? Tais interrogações tomam conta da cabeça pragmática e cética de Martha, que, à medida que vasculha a história de Agnes, se envolve cada vez mais com o caso e estabelece conexões com o seu próprio passado. “Martha chega na defesa da razão e despreza o que não pode ser explicado pela ciência, mas, desde o primeiro momento, se quebra nas suas certezas”, antecipa Clara. “Levamos a peça para uma relação com o mistério, não apenas com o milagre e tudo também passa pela arte porque os momentos em que Agnes canta reforçam o espiritual.”

Assim que Murillo Basso leu o texto diferentes ideias passaram a lhe provocar artisticamente. “Não tem como não pensar em religião, no poder das instituições e no debate em relação ao corpo da mulher, mas o que me pegou são as questões que você não consegue decifrar”, diz. Diante destas camadas que não seriam explicadas pela palavra, Basso, de 32 anos, que é formado pela Escola de Arte Dramática (EAD) e, entre 2016 e 2017, passou um ano e meio em Berlim aprofundando os estudos de dança, enxergou que o movimento corporal das atrizes poderia ampliar a aura de mistério da encenação.

Em um dos momentos, Dra. Martha pergunta à Irmã Miriam Ruth “por que a voz de Agnes é tão importante para você?” e, ao invés de uma longa resposta em texto, Mariana Muniz, que, assim como Clara, é bailarina, apresenta um solo coreográfico que atravessa de dois a três minutos. “O desafio da encenação foi equilibrar a dramaturgia e o movimento porque a peça parte de um realismo e vai sendo tomada por uma linguagem poética na segunda parte”, justifica o diretor. “As três atrizes deram a maior abertura para esse processo e, agora, espero que nossa proposta se comunique com o público.”

Aos 30 anos, Gabriela Westphal participou dos espetáculos Hotel Tennessee, O Jardim das Cerejeiras e Escola de Mulheres e abraça em Agnes de Deus o seu personagem de maior destaque. Ela conta que quando assistiu ao filme, por sua sugestão do ator e diretor Brian Penido Ross, ficou profundamente impactada e tratou de correr atrás do texto de John Pielmeier. “Primeiro pensei que era uma peça sobre o aborto, depois me detive na possibilidade ou não do milagre, afinal, ela pode ter descoberto o prazer sexual, e, junto da equipe, ampliei a quantidade de significados”, declara a atriz, entusiasmada.

Para Gabriela, as coreografias propostas por Basso só ampliaram os signos em torno do corpo feminino relacionado ao espaço. “Agnes é uma menina com um corpo diferente, como tantas outras, que não pensa como a madre e nem como a médica e é pouco ouvida”, observa. “Ao mesmo tempo, ela não tem saída, já que não pode ter o filho por ser uma freira e nem abortar porque essa ação é condenada pelos mandamentos religiosos.”

Clara Carvalho, Mariana Muniz e Gabriela Westphal em Agnes de Deus Foto Ronaldo Gutierrez

Um diretor no comando de um espetáculo de temática absolutamente feminina representada por três atrizes. Diante das patrulhas de representatividade, Basso avisa que, em momento algum, pretendeu fazer um manifesto feministas – até porque não teria lugar de fala. Ele afirma que Clara, Mariana e Gabriela, além de ótimas atrizes, são pensadoras do teatro e ainda teve como assistente de direção Marcella Vicentini, que junto do elenco, ficou atenta às questões relacionadas às mulheres.

Yara de Novaes, a diretora inicialmente escalada para o projeto e parceira de Basso em espetáculos como Tiros em Osasco (2016), A Ira de Narciso (2018) e Teoria King Kong (2023), deixou a tarefa nas mãos do colega devido a um acúmulo de trabalhos de coincidiu com os ensaios. Teve tempo apenas para uma rápida supervisão. Nos créditos, Yara aparece como codiretora, mas ela minimiza sua participação para jogar os refletores sobre Basso. “Tem que dar toda a moral para ele porque é um cara muito, muito bom.”

Serviço:

Agnes de Deus.

Teatro Aliança Francesa.

Rua General Jardim, 182, Vila Buarque.

Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. R$ 60,00.

Até 3 de dezembro. A partir de sexta (20).

[acf_release]
[acf_link_para_comprar]

Ficha Técnica

[acf_ficha_tecnica]

Serviço

[acf_servico]