O melhor do teatro está aqui

Em “xs culpadxs”, Carlos Canhameiro discute a crise do drama

Sinopse

Espetáculo parte de um thriller violento, regado a música sertaneja, para questionar a própria linguagem teatral

Por Malu Barsanelli

Há uma crise sem solução. Uma crise social, política e de violência, mas em especial uma crise de linguagem.

Em xs culpadxs, o dramaturgo e diretor Carlos Canhameiro nos apresenta um thriller, a história de uma família que se muda para uma cidade do interior e logo surge por lá uma doença fatal. Não tarda para que os novos habitantes sejam vistos como os responsáveis pela mazela e condenados sem qualquer julgamento.

Canhameiro escreveu o texto em 2020, nos primeiros meses da pandemia da Covid-19, porém não era dessa crise que tratava a obra. “Não queria falar da pandemia de fato”, explica o autor, “mas de como as narrativas dramáticas não dão conta das situações complexas, de como são formadoras de uma subjetividade um pouco limitante”. Além da questão sanitária, o mundo via uma ascensão de ideias extremistas e negacionistas, e a ficção, comenta o encenador, “não dá conta de narrar esses processos que se mostraram muito mais complexos que uma peça do Brecht”.

Cena da peça xs culpadxs. Foto Sergio Santos Miranda

O espetáculo – com Daniel Gonzalez, Marilene Grama, Nilcéia Vicente, Yantó, Rui Barossi e Paula Mirhan no elenco – se passa num lugar indeterminado de um Brasil dos anos 1980. Percorre os momentos de tensão nessa cidade, desde que vizinhos descobrem que uma das filhas da família forasteira está gripada. Surgem, então, as tentativas de apaziguamento, que logo se provam frustradas e culminam em violência e tragédia. Afinal, os sentimentos dos habitantes ressoam aquilo que a psicanalista e escritora Maria Rita Kehl descreve no livro Ressentimento (ed. Boitempo, 20209), de atribuir ao outro a responsabilidade por aquilo que nos faz sofrer.

Essa estrutura narrativa é toda recortada e entremeada por uma série de comentários, feitos pelos próprios atores, que se alteram entre a encenação dramática e o papel de críticos. São “comentários sobre a cena”, “comentários sobre o comentário”, “comentários indeterminados”. Ou seja, uma representação da própria crise, ou uma “uma complexização até o insuportável”, como define o autor.

O diretor e escritor Carlos Canhameiro. Foto Christian Pianna

“Um dos motes da peça era eu mesmo me criticando por usar uma estrutura dramática para tentar dar conta de um momento histórico. Eu me sentia culpado por escrever um drama. O drama tem força, tem seu magnetismo, mas também suas limitações, e não acho que o teatro tenha que dar conta de todas essas respostas.”

É algo que ele leva também para outras criações, como o espetáculo infantil A Grande Questão, trabalho com a Cia. De Feitos que levanta temas filosóficos sem trazer conclusões. “Acho que as crianças não merecem ser aprisionados no nosso imaginário já estabelecido. Eu me incomodo muito quando o teatro vai para o público dizendo: aqui está a resposta certa. Isso é subestimar a capacidade de fruição do espectador”, comenta o artista.

Cena do infantil A Grande Questão. Foto Sergio Santos Miranda

Mais que tudo, Canhameiro joga com as formas e com o risco. A Grande Questão é todo feito com músicas, sem diálogos. Desconhecido Afeto, seu terceiro livro de poesia, lançado em agosto, percorre de gestos cotidianos a questões políticas e metalinguísticas

Já em xs culpadxs, o autor busca um estranhamento, transitando entre linguagens – tanto que no prefácio da dramaturgia, publicada pela editora Mireveja, a pesquisadora e editora Silvana Garcia prefere chamar a obra não de épica, mas de híbrida.

Isso também se dá na encenação, que divide o palco em dois. O cenário, assinado pelo diretor e por José Valdir Albuquerque, é uma caixa que lembra um aquário, coberto de acrílico, um espaço confinado e dividido em dois andares. Abaixo, está um bar, onde se passa o drama da cidadezinha. Acima, num ambiente familiar, de aparência refinada, ficam músicos que costuram a trama com sertanejos femininos de sucesso nos anos 1980. São canções que resgatam um imaginário popular de culpa e remetem a uma estrutura patriarcal, que mantém os vínculos dentro de uma relação de poder, diz Canhameiro. “É mais um tempero de como as metanarrativas dramáticas impõem para a gente um modo de vida.”

Serviço

xs culpadxs

Tusp Butantã. Rua do Anfiteatro, 109 – Campus Butantã.

Quinta a sábado, 20h; domingos, 19h. Grátis. Até 17 de setembro

Galpão do Folias. R. Ana Cintra, 213 – Santa Cecília.

Quintas e sextas, 21h; sábados, 18h e 21h; domingos, 18h. Grátis. De 28 de setembro a 8 de outubro

A Grande Questão

Sesc Belenzinho. Rua Padre Adelino, 1.000 – Belenzinho.

Sábados e domingos, 12h. R$ 8 a R$ 25. Até 1º de outubro

Capa do livro Desconhecido Afeto, de Carlos Canhameiro

Desconhecido Afeto

Carlos Canhameiro, Editora 7Letras, 2023. 120 páginas. R$ 54

[acf_release]
[acf_link_para_comprar]

Ficha Técnica

[acf_ficha_tecnica]

Serviço

[acf_servico]