Em “It’s Me: Elton”, o ator e dramaturgo Pedro Ruffo mostra como a luta contra a droga ajudou o pop star a se reerguer e também a se firmar
Por Ubiratan Brasil
O vício das drogas deixa marcas na carreira de muitas estrelas do mundo artístico e a redenção é vista como uma forma de reafirmação. Foi o que aconteceu com Elton John, que revelou ter sido viciado em cocaína durante 16 anos. É justamente esse momento crítico da vida do músico britânico que inspirou o ator e dramaturgo Pedro Ruffo a escrever e interpretar It’s Me: Elton, musical intimista e delicado, que está em cartaz no Giostri Livraria Teatro às segundas e terças-feiras.
“Essa fase da carreira do Elton me interessa porque permite traçar temas como o desenvolvimento da autoestima, a formação de uma identidade e também a dualidade que envolve os artistas, divididos entre a fama pública e as questões pessoais marcadas por problemas”, conta Ruffo ao Canal MF. “Então, esse percurso da cocaína me permitiu descobrir quem é Elton John. Costumo dizer que, no espetáculo, eu interpreto Reginald Kenneth Dwight, que é seu nome de batismo, que ele tanta odeia e que precisou enterrar para ser hoje Elton John.”
Memórias recuperam momentos doloridos
A mudança para o nome que o tornou mundialmente conhecido aconteceu muito antes do envolvimento com a cocaína, mas Ruffo percebeu que o período da internação provocada pelo vício, época em que Elton revisitou suas memórias, seria dramaturgicamente mais interessante.
Assim, ambientado em agosto de 1990, o musical traz Elton John no Hospital Luterano, onde enfrenta uma torturante luta diária contra a cocaína. Já em reabilitação, é obrigado a escrever uma carta de despedida à “Dama de Branco” e, em um comovente relato confessional, retorna ao passado e resgata memórias de sua infância e juventude.
É quando, além da batalha química, ele é obrigado a enfrentar a lembrança de figuras que tanto o oprimiram (como o pai Stanley e o ex-namorado e produtor John Reid) como aqueles que o ajudaram a enfrentar os problemas, como o tio Reg e o melhor amigo Bernie Taupin. “Decidi que todos esses personagens masculinos seriam interpretados por apenas um ator, Gustavo Mazzei, porque são homens que ajudaram Elton a se emancipar, ainda que de maneira dolorida”, conta Ruffo, que também conta no palco com a presença de um pianista (Mikael Marmorato).
O processo criativo foi particularmente produtivo para o emocional do ator, também em busca de caminhos que apontassem para a descoberta e a consolidação de uma boa autoestima. “Percebi uma conexão com esse personagem, pois, em muitos momentos, já me achei baixo demais, gordo, com um rosto um tanto estranho. E, assim como o Elton daquela época, busquei entender a formação de uma identidade.”
Para relembrar momentos que foram decisivos na trajetória de Elton, a trama é entremeada por canções de sucesso, como Your Song, I’m Still Standing, Tiny Dancer, Rocket Man e outras. Foi uma música, aliás, Good Bye Yellow Brick Road, que inspirou o primeiro título do musical, Good Bye Elton – A Estrada dos Tijolos Amarelos. “Mas, conversando com algumas pessoas, notamos que passaria a impressão de que ele tivesse morrido, ainda que meu foco era a recente despedida dos shows já anunciada por ele”, explica Ruffo, que mudou para o atual It’s Me: Elton baseado no titulo da canção I’m Still Standing. “Especialmente no verso ‘estou de volta uma vez mais’, que reforça essa luta pela identidade.”
Na composição do personagem, Pedro Ruffo garante que não se apoiou em vídeos do pop star em busca de gestos característicos – a identificação vem por meio dos figurinos. E vocalmente foi algo natural, pois o ator domina o repertório de Elton – já cantou inclusive em uma live em 2021. No espetáculo, ele contou com o apoio do diretor musical Gui Leal.
“A diretora Daniela Stirbulov aposta no jogo cênico, ou seja, em alguns momentos eu sou Elton; em outros, sou o narrador”, conta ele. “Também ela acredita que menos é mais, ou seja, quanto menos forçada a cena, mais ela será emocionante.”
Original também é o cenário, onde o mobiliário tradicional como mesa e cadeiras é cercado por diversos discos de vinil. Um deles, aliás, com músicas de Elton, é escutado em um toca-discos no momento da saída do público, embalando o encerramento de um espetáculo modesto na estrutura, mas grandioso em sua ambição artística.
Serviço
It’s Me: Elton
Giostri Livraria Teatro. Rua Rui Barbosa, 201
Segundas e terças, 20h30. R$ 40 / R$ 80. Até 29 de agosto