Enquanto luta pela manutenção da sede na Luz, coletivo estreia montagem dirigida pela atriz no Sesc Pompeia
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 25 de setembro de 2025)
A atriz e diretora Isabel Teixeira construiu uma sólida parceria com a encenadora Christiane Jatahy, fundadora da Cia. Vértice, sediada na Europa. As duas começaram a trabalhar juntas no Brasil em 2014 na peça E Se Elas Fossem para Moscou?, versão do clássico As Três Irmãs, do russo Anton Tchekhov (1860-1904), e, quatro anos depois, Isabel participou em Paris de Ítaca, montagem em cima do épico de Homero. A linguagem de Jatahy funde recursos de cinema e teatro em um diálogo simultâneo de atores e atrizes com a câmera e o público.
Interessados nesta experiência, os integrantes da Cia. Mungunzá de Teatro convidaram Isabel há três anos para comandar um projeto inspirado nas fronteiras entre o audiovisual e a cena presencial. “Só que meu negócio agora é livro, papel, gráfica, a gente pode fazer outra coisa?”, perguntou a artista, entusiasmada com o chamado, mas, para a surpresa dos interlocutores, transformando a proposta. Confiantes nas habilidades da nova diretora, eles embarcaram na jornada e foram surpreendidos em cada etapa do processo que, finalmente, chega ao público.

O espetáculo Elã, dirigido por Isabel e criado coletivamente pelos sete integrantes do grupo, Léo Akio, Lucas Beda, Marcos Felipe, Pedro das Oliveiras, Sandra Modesto, Verônica Gentilin e Virginia Iglesias, além da convidada Dilma Correa, estreia nesta sexta, 26, no Teatro do Sesc Pompeia, onde fica em cartaz até 12 de outubro. No dia 24, uma série de apresentações se inicia no Teatro de Contêiner Mungunzá, a sede do coletivo na região da Luz, com previsão de se encerrar em 30 de novembro.
Elã costura oito histórias entremeadas a partir da pulsação de cada intérprete. Entre elas estão a de um ator e vendedor de morangos (interpretado por Marcos Felipe) que tenta convencer uma renomada diretora a assinar o seu próximo espetáculo e a de um andarilho (papel de Pedro das Oliveiras) que sente a sua vida virar um violento jogo de videogame. Em outra, a mãe do mesmo ator (representada por Dilma Correa), que nunca teve uma experiência no palco, passa a trabalhar no espetáculo do filho e, aos poucos, se liberta dos papéis impostos pela sociedade. Dilma, de 65 anos, professora aposentada, é mãe de Felipe e Oliveiras, e estreia no teatro. “Sempre tive a intenção de trazer minha mãe para o grupo e a ideia se concretizou”, justifica Felipe.
Desde 2008, Isabel pratica o método Escrita na Cena, que estimula o intérprete a desenvolver e gravar improvisos nos quais mistura o personagem em criação com a sua própria fala, evocando memórias pessoais. De posse das gravações, a diretora transcreve os fluxos narrativos e faz as devolutivas com sugestões. “Só tinha trabalhado com um ator ou uma atriz em espetáculos solos e fui desafiada a testar o método com sete artistas que, com a entrada da Dilma, viraram oito”, afirma ela, que já orientou montagens com Mateus Solano, Martha Nowill e Mariana Lima, entre outros. “O resultado foi um dossiê de 700 páginas que cortamos juntos como um trabalho editorial.”

Em maio de 2024, Isabel levou o elenco que conhecia somente de reuniões pelo zoom, já que, nos oito meses anteriores, ela gravava uma novela no Rio de Janeiro, para uma imersão em São Bento do Sapucaí, no interior paulista. É lá que fica o Ateliê do Velho Livreiro, do editor Pablo Peinado. “Nós nos conhecemos diante de uma mesa de encadernação e trabalhamos manualmente com o material que recebia dos fluxos narrativos” lembra Isabel. “Eu tirei todos eles do coletivo para a realização das gravações individuais para depois devolvê-los ao exercício em grupo que sempre estiveram acostumados.”
O resultado foi cem cópias encadernadas e numeradas de O Livro de Linhas, publicado no fim de abril pela Mungunzá e a Fora de Esquadro, a editora artesanal mantida por Isabel em seu apartamento, em Higienópolis. Somente em 1º de junho passado, todos entraram na sala de ensaios e começaram a colocar de pé o espetáculo que se tornaria Elã. “Primeiro, a gente fez um livro em todas as etapas, mas a montagem não é uma adaptação, ela ressoa o livro”, antecipa a diretora. “Elã é uma peça brasileira, para todo tipo de público se divertir, pensar e reconhecer o trabalho excepcional desenvolvido pela Mungunzá.”
Os ensaios começaram marcados por uma nova energia, um misto de revolta, indignação e a certeza de que seria necessária uma superação. Em 28 de maio, menos de uma semana antes, a prefeitura municipal de São Paulo, proprietária do terreno ocupado informalmente pela companhia teatral em 2016, entregou uma ordem de despejo ao grupo para a construção de um prédio de moradia popular na área que faz parte de um programa de renovação da região da Luz.
No teatro, localizado na Rua dos Gusmões, o coletivo exibiu peças celebradas, como Luís Antonio – Gabriela e Epidemia Prata, e, além de atividades culturais, desenvolve ações de auxílio a moradores carentes da região da Cracolândia. O movimento de defesa da permanência ganhou o apoio da classe teatral e celebridades, como a atriz Fernanda Montenegro, se manifestaram nas redes sociais.
Em 19 de agosto, depois de oferecer três outros terrenos para a transferência da companhia, a prefeitura ordenou a Guarda Civil Militar (GCM) a realizar uma reintegração de posse que, diante da resistência dos artistas, aumentou a polêmica em torno do assunto. “Eu estava lá quando a polícia entrou, foi violento e existia uma linha tênue que deixava claro que, se a gente avançasse, eles avançariam mais ainda”, relata Isabel.

A Prefeitura de São Paulo avisa que o canal de diálogo continua aberto para as negociações e recorreu da decisão judicial quanto ao prazo concedido para a desocupação. O poder público ofereceu três terrenos para a regularização da sede – um na Rua Conselheiro Furtado, próximo à Praça da Sé, outro na Rua Helvétia, perto da alça do Minhocão, e um terceiro na Rua João Passalaqua, na Bela Vista, vizinho ao acesso à Radial Leste. Todos foram rejeitados pelo grupo porque, segundo os integrantes, são inviáveis na manutenção do conceito de teatro-praça com a sala de espetáculos se comunicando com a área externa.
O mesmo terreno da Helvétia voltou à pauta nas recentes conversas entre a Secretaria Municipal de Cultura e a Cia. Mungunzá e pode representar uma saída para o impasse. “São 2 mil metros quadrados de área livre, eles nos ofereceram mil metros e pleiteamos 1,4 mil metros quadrados, assim poderemos implantar o conceito de parque e plantar árvores”, declara Felipe. “Mas, independentemente desta solução, Elã deve ser a última temporada do Teatro de Contêiner Mungunzá como ele é e onde está hoje.”
Isabel lamenta o desgaste sofrido pela Mungunzá e, com a experiência de quem fez teatro na Europa, chama a atenção para a qualidade do trabalho dos colegas. “Eles são criativos, têm domínio técnico e lidam brilhantemente com a escassez de produção” elogia. “Se contassem com uma estrutura como aquelas que são comuns na Europa, estariam, sem dúvida, entre os grandes coletivos de teatro do mundo e representariam o Brasil em qualquer festival.”
Serviço
Elã
Sesc Pompeia – Teatro. Rua Clélia, 93
Quinta a sábado, 20h. Domingo, 18h. R$ 70. Haverá sessões na quarta (1º), às 20h, nas sextas (3 e 10), às 16h, e nos sábados (4 e 11).
Até 12 de outubro (estreia 26 de setembro)
