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Eduardo Tolentino de Araujo aposta na solidez e autonomia do Grupo Tapa em seus 44 anos

Sinopse

Com três espetáculos em cartaz, o diretor afirma que a companhia se mantém graças à bilheteria, o prestígio de seus atores e a divulgação das redes sociais 

Por Dirceu Alves Jr.

O diretor Eduardo Tolentino de Araujo começou 2023 bastante desanimado. Pela primeira vez, aos 68 anos de idade, pelo menos 45 deles dedicados ao ofício da encenação, ele pensou em desistir do teatro. Não largar tudo de vez, mas montar uma peça lá e cá, dar aulas, procurar formas de expressão sem tantos desgastes. Os motivos não eram poucos. Tinha a ressaca da pandemia e do governo Jair Bolsonaro, a dependência dos editais e leis de incentivo e as temporadas relâmpagos que tornaram impossíveis o amadurecimento de um espetáculo. 

Com a estreia de Freud e o Visitante, peça de Éric-Emmanuel Schmitt, em março, que teve ótima resposta no Teatro Aliança Francesa por quase três meses, Tolentino sentiu um certo alívio. Percebeu que tinha algo a falar e pessoas interessadas na mensagem. “Nós estávamos com dívidas que saldamos graças à bilheteria”, conta. Em julho, ele retomou Credores, texto escrito em 1887 pelo sueco August Strindberg (1949-1912), com a intenção de comemorar os 44 anos do Grupo Tapa, fundado por ele em 1979, no Rio de Janeiro. A peça, que faz parte do repertório da companhia desde 2011, voltou com os atores André Garolli, Bruno Barchesi, Sandra Corveloni e Felipe Souza no Galpão do Tapa, na Barra Funda, em quatro sessões semanais, para cinquenta pessoas cada. 

Os ingressos começaram a evaporar rapidamente e, com a temporada prevista para terminar em 30 de julho, os artistas ajustaram as agendas e se mantêm em cartaz nas segundas-feiras, pelo menos, até 25 de setembro. A história de dois homens e uma mulher que se encontram em um balneário para um ajuste de contas se reconectou aos atuais debates em torno da guerra dos sexos e gerou boca-a-boca. O diretor brinca que foi uma tempestade perfeita em todos os sentidos. “No Galpão, criamos um esquema comum na Europa e Buenos Aires, uma encenação intimista, um bar que torna possível o público conversar sobre a peça com os artistas no final, tomar um vinho ou um café e fazer um programa completo.”   

Sandra Corveloni na peça Credores. Foto Ronaldo Gutierrez

De ânimo renovado, Tolentino visitou o recém-reformado Teatro Paiol Cultural, na Rua Amaral Gurgel, sala inaugurada pelos atores Miriam Mehler e Perry Salles (1939-2009) em 1969, que, na década de 1980, foi administrada por Paulo Goulart (1933-2014) e Nicette Bruno (1933-2020), e se surpreendeu com a qualidade técnica do espaço renovado. “É um teatro completo, com camarins, coxia, urdimentos, tudo o que é necessário para fazer um bom trabalho”, avisa. 

É lá que está em cartaz Um Picasso (foto no alto), peça do americano Jeffrey Hatcher, de sextas a domingos, até 1º de outubro. Na trama, o ator Sergio Mastropasqua vive o pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973), levado a um interrogatório, durante a ocupação nazista, em que deve prestar contas a uma agente da Gestapo, interpretada por Clara Carvalho. A missão dela é obter a autenticação do artista em, pelo menos, um de três de seus quadros confiscados. A desculpa de montar uma exposição, logo, se perde diante da real intenção: queimar obras de arte taxadas de “degeneradas”. Um Picasso foi a primeira montagem lançada pelo Tapa depois da reabertura dos teatros na pandemia, em agosto de 2021, ainda sob protocolos de segurança e lotação reduzida da sala, no caso o Teatro Aliança Francesa. 

Prestes a completar um mês no Paiol, Tolentino reconhece que a frequência está aquém da esperada. Talvez a localização, colada ao Minhocão, iniba os espectadores pouco habituados ao centro paulistano, mesmo que virando a esquina tenha um estacionamento conveniado. “Ocupar o Paiol é um ato político e um investimento para o futuro porque precisamos recolocar os teatros de rua no circuito cultural da cidade”, justifica. “Não é mais possível ser obrigado a ficar seis ou oito semanas em cartaz e aposentar um trabalho por falta de palco”, completa.

O diretor comenta que chegou a visitar as salas do outrora célebre Teatro Ruth Escobar, na Bela Vista, para agendar novas sessões de Freud e o Visitante, mas não encontrou as condições técnicas ideais para a montagem. “Os três teatros são ótimos, mas não têm os equipamentos que os nossos espetáculos precisam, uma parte até poderíamos alugar, mas não dá para arcar com uma estrutura técnica e elétrica deficientes”, lamenta.

O diretor Eduardo Tolentino. Foto Rafa Marques

Tolentino e o Tapa sabem bem o que é recuperar a autoestima de salas decadentes. Em 1986, o Teatro Aliança Francesa, pertinho do Paiol, sentiu os efeitos da degradação trazida pelo Minhocão e o consequente aumento da prostituição nas redondezas. Os grandes artistas que disputavam as datas do espaço nas décadas de 1960 e 1970 começaram a temer o fracasso das produções em meio aquele ambiente. O Grupo Tapa, ainda fixado no Rio de Janeiro, fechou contrato de três meses para apresentar O Tempo e os Conways, drama do inglês J.B. Priestley (1894-1984), que chegaria à cidade protagonizado por Beatriz Segall (1926-2018).  A casa encheu tanto que a temporada foi prolongada para cinco meses.

Entusiasmados, Tolentino, os atores Brian Penido Ross, Ernani Moraes e Guilherme Sant’anna e as atrizes Clara Carvalho e Denise Weinberg propuseram uma ocupação contínua do Aliança e mudaram de vez para a capital paulista. O palco da Rua General Jardim foi a sede oficial da trajetória de prestígio do Tapa por quinze anos ininterruptos com encenações marcantes como Solness, O Construtor, A Megera Domada, Vestido de Noiva, Rastro Atrás, Ivanov, A Mandrágora e Navalha na Carne. O grupo saiu de lá em 2001 e, desde 2015, com a estreia de As Criadas, de Jean Genet (1910-1986), reestabeleceu parcerias contantes com o teatro da escola de idioma.

Tanto que o terceiro espetáculo de Tolentino visto atualmente na cidade, Papa Highirte, peça de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (1936-1974), fica em cartaz no Aliança, de quintas a domingos, até 1º de outubro. Zécarlos Machado lidera um elenco de nove atores ao dar corpo, voz e energia a um ditador latino-americano exilado em um país fictício que sonha em voltar ao poder da nação em que promoveu torturas e censurou a imprensa. “Há dez anos, eu seria atacado se encenasse essa peça, seria considerado fora de moda, mas como vimos a história é cíclica”, diz o diretor, que estreou Papa Highirte no Galpão do Tapa, em maio do ano passado. “A peça foi toda pensada no formato de arena e adaptá-la ao palco italiano do Aliança foi uma ginástica porque muda todo o ringue do jogo.”

Cena da peça Papa Highirte. Foto Ronaldo Gutierrez

O Grupo Tapa, assim como todos os artistas, provavelmente terá que deixar de contar com o Teatro Aliança Francesa. O prédio de sete andares da Vila Buarque foi posto à venda pela instituição, que marcou para dezembro o encerramento das atividades na área das artes cênicas. É mais um efeito da crise financeira, agravada depois da pandemia com o aumento de cursos on-line e a escassez de alunos nas salas de aula convencionais. Um abaixo-assinado movimenta a classe artística para sensibilizar personalidades influentes, políticos, instituições culturais e até interessados na aquisição do edifício. “É uma pena porque o Teatro Aliança Francesa superou inúmeras adversidades em quase 60 anos e, neste momento, vive um apogeu com constantes peças de sucesso, além da revitalização da rua, que virou endereço de restaurantes e bares movimentados”, lamenta o diretor.

Tolentino, no entanto, olha para trás e reconhece que o Tapa hoje se apresenta muito mais fortalecido que, em 2001, quando ficou sem o teto da Aliança. “Não somos dependentes do Estado e conquistamos uma divulgação espontânea consistente nas redes sociais que leva espectadores aos nossos espetáculos”, declara. Para ele, atores e atrizes que integram ou fazem trabalhos esporádicos com a companhia, como Clara Carvalho, Zécarlos Machado, Denise Weinberg e Sandra Corveloni, ganharam projeção própria e carregam público aos espetáculos. “Se tem uma coisa que aprendi com o teatro é que você não pode paralisar”, afirma o encenador, que, no ano que vem, promete estrear Tio Vânia, de Anton Tchecov. “Não se pode entrar em um conceito corporativo e adaptar o projeto aos interesses de editais ou instituições, devemos nos bancar e manter a solidez da nossa arte.”  

Serviço

Credores. Galpão do Tapa. Rua Lopes Chaves, 86, Barra Funda. Segunda, 20h. R$ 60. Até 25 de setembro.

Papa Highirte. Teatro Aliança Francesa. Rua General Jardim, 182, Vila Buarque. Quinta a sábado, 20h; domingo, 18h. R$ 60 (qui. e sex.) e R$ 80 (sáb. e dom.). Até 1º de outubro.

Um Picasso. Teatro Paiol Cultural. Rua Amaral Gurgel, 164, Vila Buarque. Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h30. R$ 80. Até 1º de outubro.   

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Ficha Técnica

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Serviço

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