Mostra gratuita no Sesc Campo Limpo celebra os 20 anos da Cia. O Grito, conhecida por seus espetáculos infantojuvenis de temas ousados, estéticas surpreendentes e abordagens corajosas
Por Dib Carneiro Neto
Em um país como o nosso, cada grupo de teatro que sobrevive ativo por anos a fio merece festa de arromba ao fazer mais um aniversário. Som de trombetas. Fogos de artifício. Figurar nos trending topics do dia. Coisas assim. Em 2024, a paulistana Companhia O Grito comemora 20 anos redondinhos, um total de 14 encenações diferentes nesse período e um público estimado em mais de 450 mil pessoas durante toda essa trajetória. Um grande feito. Que venha a festa.
O que virá, neste mês de março, é melhor do que festa: uma mostra de três dos mais significativos espetáculos infantojuvenis de seu repertório, apresentados com entrada franca nas tardes de domingo do Sesc Campo Limpo: O Gigante Adamastor (10/3), inspirado no original de Heloisa Prieto; O Armário Mágico (17/3), com texto de Paula Chagas Autran; e Diana Luana (31/3), com dramaturgia de Marcelo Romagnoli.
A cia. O Grito fica de fora do mainstream comercial no teatro para crianças e jovens. Escolhe temas ousados, estéticas diferenciadas, abordagens corajosas. Trata criança com inteligência desafiadora, não com facilidades, clichês ou marasmos. Merece seus 20 anos de acolhimento pelo público e bons frutos colhidos (que venham muitos mais), ainda que à custa de muita luta e resiliência, enfrentando armadilhas e adversidades. Roberto Morettho, diretor artístico à frente dos voos da companhia, fala de tudo isso nessa entrevista exclusiva para o Canal MF, apontando também o que há de especial em cada uma das três peças escolhidas para a mostra de 20 anos..
Por que é importante mostrar esses 3 espetáculos novamente?
Porque além de eles representarem nossas escolhas estéticas nesses 20 anos de grupo, eles tratam de temas importantes para a infância. Armário Mágico fala das angústias de crianças que fogem ao padrão social, Diana Luana aborda o difícil tema das crianças em situação de vulnerabilidade social e o Gigante Adamastor leva poesia para a cena infantil.
O que há de comum entre os três?
O que existe em comum entre os três espetáculos é a estética de jogo e também a cena aberta revelando para as crianças a dinâmica do teatro.
E o que vocês mais gostariam de ressaltar em cada um dos três?
Penso que, no Armário Mágico a história da garota que acabou de sair e vencer um câncer é algo emocionante dentro da temática do espetáculo. Tivemos muitas crianças em tratamento assistindo ao espetáculo durante todos esses anos e elas sempre agradeciam por se verem representadas. No Gigante, acho bem interessante o contato das crianças com Os Lusíadas e também com toda a mitologia que o espetáculo aborda. Foi uma sacada da Heloisa Prieto colocar os personagens mitológicos dentro do circo. No Diana, o que acho bacana é a empatia com a menina em situação de rua, é a mudança de perspectiva de olhar para crianças que são invisíveis aos olhos da sociedade ou vistas com temor.
Como é chegar aos 20 anos de uma companhia? Que prazeres foram maiores? Que dificuldades foram as piores?
Olha!!! 20 anos de grupo mudam a nossa perspectiva sobre o que queremos comunicar no palco. A gente fica mais seletivo, menos afoito e não quer mais pôr um espetáculo a qualquer custo. Me sinto mais crítico em relação ao que faço. No Grito, tivemos grandes prazeres de conseguir colocar a maioria de nossos espetáculos em cartaz e em circulação e poder ver a comunicação rolando com as crianças. É tão bonito ver a alegria, a energia, a ingenuidade do público. Quantas crianças tiveram a primeira experiência de teatro com nossos espetáculos! Gosto muito! Dificuldade dos últimos anos: fazer teatro, por conta do último governo que colocou população contra os artistas. Foi horrivelmente triste. Outra tristeza é em relação ao espetáculo Diana, Luana que não conseguiu ter uma temporada até hoje. Só apresentações esporádicas. E acho esse espetáculo tão necessário… Mas assim como a população em rua é colocada sempre fora de foco, também sentimos que o Diana também fica à margem. E ainda ele pegou o período da pandemia…
O que você considera que mudou no panorama do que tem sido feito (e como tem sido feito) para crianças e jovens no teatro ao longo das duas últimas décadas?
Muita coisa mudou nos últimos anos, sinto uma cisão maior entre públicos. Hoje, existem espetáculos voltados para uma classe burguesa. Muitos musicais ou personagens da TV adaptados para a cena. É mais difícil que crianças de classes mais altas acessem os espetáculos dos grupos de pesquisa. Ao mesmo tempo existe muita nova pesquisa e espetáculos que abordam temas sociais que antes eram mais invisibilizados, como por exemplo questões raciais, dos povos originários, LGBTQIAP, etc. Parece mesmo uma cisão como ocorre na sociedade como um todo. Mas isso é só uma sensação minha.
Quais os próximos planos da companhia?
Nossos planos desenvolver uma nova pesquisa sobre crianças em situação de rua/vulnerabilidade social. Neste momento é o que nos move. Também temos pesquisado a questão das crianças imigrantes, crianças refugiadas e crianças dos povos originários. E, ainda, outro assunto que nos interessa é a cultura popular. Estamos resgatando nosso Menino Deus Dioniso, espetáculo que levou a estética do Bumba Meu Boi para o palco, e nos estimulando a pensar em outra pesquisa com temas da cultura popular. São algumas de nossas discussões e vontades para futuros espetáculos.
Serviço
Mostra 20 Anos Cia. O Grito
Sesc Campo Limpo. Rua Nossa Senhora do Bom Conselho. Tel. (11) 5510-2700.
O Gigante Adamastor – 10 de março. Domingo, às 16h. Gratuito.
O Armário Mágico – 17 de março. Domingo, às 16h. Gratuito.
Diana Luana – 31 de março. Domingo, às 16h. Gratuito.