Com direção de Claudia Schapira, a dramaturgia fragmentada e lacunar da peça acessa a memória de uma cantora que, após sofrer um acidente, lembra do abuso que sofreu aos sete anos de idade
Por Redação Canal Teatro MF
O abuso sexual é sempre um crime cheio de lacunas que nem sempre se resolve. Muitas vezes ele não é denunciado pelas vítimas e, quando há a denúncia, há também a dificuldade no desenrolar das investigações. O silenciamento da vítima, principalmente pela vergonha que esse crime incute, e a dificuldade em se condenar o culpado, uma vez que, esses casos acontecem quase sempre sem testemunhas, restando apenas as palavras do abusador e da abusada, tornam as investigações fragmentadas e difícil de se chegar a um fim.
Em Corte Seco, texto do dramaturgo Marcelo Oriani, que já recebeu dois prêmios – o Carlos Carvalho de Dramaturgia, em 2022; e a menção honrosa no V Prêmio Ufes de Literatura, em 2023 –, aborda os impactos e consequências do abuso infantil sofridos por uma criança pelo resto da vida. A estreia acontecerá no Centro Cultural São Paulo, no dia 20 de setembro, com direção de Claudia Schapira.
O título do espetáculo faz jus a uma técnica bastante usada no cinema, onde não há preocupação com a linearidade dos acontecimentos e as rupturas não prejudicam a condução da narrativa. Em Corte Seco, em cenas que acontecem ao mesmo tempo em espaços e tempos distintos, acompanha-se a história de Poliana – uma cantora que, após um acidente de carro, entra em coma e recorda o abuso que sofreu aos sete anos de idade. Presente, passado e futuro da cantora se enredam nesta narrativa, enquanto ela passa sua memória a limpo.
A estrutura lembra uma das mais famosas peças escritas por Nelson Rodrigues em 1943. Em Vestido de Noiva, Alaíde, após ser atropelada por um carro em alta velocidade, é hospitalizada em estado de choque. Na mesa de cirurgia, oscilando entre a vida e a morte, a mente de Alaíde visa reconstruir sua própria história, e aos poucos seus sonhos inconscientes e desejos mais inconfessáveis vêm à tona, em uma mescla de realidade, memória e alucinação.
“A dramaturgia proposta por Marcelo é uma cena polifônica, onde diversas personagens falam na cabeça da voz central. Ela é constituída por uma sequência de perguntas e afirmações, além de diferentes situações que sugerem lugares, acontecimentos e estados. E isso inspirou uma cena vertiginosa, um revezamento dessas vozes num jogo de narração, onde as atrizes comandam a ação”, explica Claudia Schapira.
Assim como a dramaturgia se utiliza da fragmentação e lacunas que dizem respeito ao tema central, a encenação busca por meio do teatro hip-hop, com o qual Schapira já vem trabalhando nos últimos 25 anos, essas características nos corpos das intérpretes em intersecção com a palavra, por meio da poesia, ritmo e métrica.
“O corpo, assim como o discurso, é fragmentado, lacunar, mas aterra essas vozes que falam pelo espaço. Neste espetáculo, o gesto é lugar, é situação, é estado, é movimento, é discurso, e, por fim, é também dança”, diz Schapira. O elenco é formado por Camila Fernandes, Nanddà Oliveira e Raquel Domingues
Serviço
Corte Seco
Centro Cultural São Paulo – Espaço Ademar Guerra. Rua Vergueiro, 1000
Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h (sessões extras nos dias 28/9 e 5/10, às 19h)
Ingressos gratuitos – retirar 1 hora antes na bilheteria
Até 5 de outubro (estreia 20 de setembro)