Dramaturgia inspirada em práticas comuns de cerimônias religiosas de matriz afro-brasileira faz uma ode aos artistas pretos que passaram e aos que atuam hoje no coletivo fundado por Zé Celso
Por Redação Canal Teatro MF
No ano de 1979, com o decreto da Lei da Anistia, o diretor José Celso Martinez Correa e integrantes da companhia Oficina regressaram do exílio, durante o qual filmaram a revolução e a independência de Moçambique no filme 25 – título que faz alusão às datas de 25 de setembro de 1964, 25 de abril de 1974 e 25 de junho de 1975, em que respectivamente são celebrados o início da luta armada, a queda do fascismo português e a independência de Moçambique.
Nesse período, de retomada das atividades do Oficina, muitos artistas emigrados do sertão de Pernambuco, da Bahia e do Ceará se estabeleceram no teatro e participaram ativamente da criação das diversas linguagens experimentadas pela companhia – musical, plástica, poética, arquitetônica e, principalmente, coral.
“Foram os cirandeiros, caboclos em retomada, Ialorixás, povos do circo e compositores do samba paulista, que radicalizaram a decolonialidade da linguagem teatral do Oficina e de tudo que o atravessa”, explica uma das diretoras Marilia Piraju, que divide a condução da encenação com Rodrigo Andreolli e Fernanda Taddei.
Pois é esse o mote do espetáculo Bori, da Cia Oficina Uzyna-Uzona, com estreia e curta temporada no Teat(r)o Oficina – uma celebração à decolonialidade, à ancestralidade preta e aos artistas nordestinos que emigraram para o Sudeste, contribuindo ativamente para a identidade e trajetória dessa que é uma das mais longevas companhias teatrais em atividade no país.
O título do espetáculo faz referência a uma prática comum no candomblé que consiste na oferenda de comidas para a cabeça em cerimônias religiosas de matriz afro-brasileira. Bori: da fusão bó, que em iorubá significa oferenda, com ori, que quer dizer cabeça, literalmente traduzido significa “Oferenda à Cabeça”. A encenação se inspira nesse ritual para realizar algo que já é uma marca da companhia – as provocações de interação tão características dos seus espetáculos. O público é convidado a participar e se envolve com a dramaturgia, desenhando um cerimonial coletivo e popular.
O espetáculo-rito conta uma revolta transatlântica, que aporta em São Paulo, no Bixiga da década de 1970, e chega até os dias de hoje. “A dramaturgia aborda um elenco de tragédias coloniais contadas e cantadas no fio do roteiro, superadas em cena pela imaginação coral dos cantos de trabalho, da partilha da comida, da festa e da tecnologia nascida do Teatro Oficina: a alegria como arma de desmassacre!”, defende Marília Piraju.
A celebração se dá por meio do diálogo entre um passado histórico e a contemporaneidade da companhia, fazendo um cruzamento entre ancestralidade e atualidade, e isso se dá pela “composição de um coro de artistas pretas/os, nordestinas/os e caboclas/os que encarnam e presentificam as caravanas dos anos 1970 e 1980, mas também atualizam a importância das presenças, subjetividades e perspectivas pretas do aqui e agora na companhia”, observa Rodrigo Andreolli.
Serviço
Bori
Teatro Oficina. Rua Jaceguai, 520
Sexta e sábado, 20h. Domingo, 18h. R$ 60
Até 8 de dezembro (estreia 22 de novembro)