Atriz contracena com Donizeti Mazonas e Verónica Valenttino na peça que marca a estreia na direção do ator Mariano Mattos Martins
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 20 de novembro de 2025)
Com quase quatro décadas de carreira, a atriz paulista Gilda Nomacce, de 54 anos, levou um susto com a repercussão de uma entrevista ao vivo dada a um telejornal no Maranhão há um mês e meio. A artista, em meio à divulgação do filme Enterre Seus Mortos, encerrou a conversa com a apresentadora improvisando um grito que viralizou na internet e chamou a atenção para o seu nome.
Apesar do prestígio no teatro e no cinema, ela, que participou de mais de uma centena de produções, era desconhecida do grande público. O berro não foi gratuito e pode ser justificado como uma performance referente à sua personagem, a secretária Márcia, no longa do cineasta Marco Dutra. “Vivi um recorte de existência como se estivesse em uma máquina paralela à realidade”, compara. “Meu telefone travou de tanto tocar, a atendente do aeroporto me reconheceu e me vi naqueles 15 minutos da fama preocupada com a pressão de não corresponder às expectativas alheias.”

Como para um intérprete, experiências pessoais são a base da composição, a popularidade repentina serviu de combustível para o mais novo papel de Gilda, a atriz Vânia Souto. Sob a direção de Mariano Mattos Martins, o espetáculo A Palma estreia nesta sexta, dia 21, no Instituto Cultural Capobianco, em São Paulo, e, junto da “mulher do grito”, como ficou conhecida, estão no palco o ator Donizeti Mazonas e a atriz Verónica Valenttino.
A peça escrita por Claudia Barral e Marcos Barbosa, com base em um argumento de Martins, parte de um sentimento comum no meio artístico: a frustração por um sucesso nunca alcançado que fragiliza a autoestima e, por fim, pode comprometer a saúde mental de alguns profissionais.
“Faço um espetáculo sobre uma mulher que sempre quis ficar famosa e, claro, não vou negar, este também é um desejo meu”, reconhece Gilda. “De repente, viro meme na internet e começam aparecer na minha cabeça preocupações, como o jeito que vou arrumar o cabelo para um evento, que me levam a perceber que, se não tomar cuidado, é fácil se distanciar da nossa natureza.”
Na ficção, Vânia Souto chegou à maturidade sem conhecer o estrelato e, extremamente visceral, tem dificuldade em administrar o lado prático da vida. Em uma gravação, a protagonista de A Palma se sente humilhada pelo diretor e responde com uma agressão física que faz com que o seu filho cogite interná-la em uma clínica psiquiátrica.
Trancada em casa, Vânia consente em receber a visita dos seus dois melhores amigos, Sérgio e Marta (interpretados por Mazonas e Verónica, respectivamente). Os dois tentam tirá-la do buraco e fazê-la de desistir de seu último delírio, o de viajar para a França, onde acredita que vai receber a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes.
Sérgio é um ator que vingou na televisão e toca bem a sua carreira, enquanto Marta abandonou o palco para se tornar uma advogada bem-sucedida. “Cada personagem aponta para uma discussão sobre as complexidades e o entendimento da profissão”, explica o diretor Mariano Mattos Martins. “O nosso trabalho deve ser visto como outro qualquer, em que se busca satisfação e sustento, mas, como mexe com tantas sensibilidades, pode descolar o artista da realidade.”

Na dramaturgia, A Palma traz referências a outros textos que transitam entre o universo teatral e a loucura, entre eles A Gaivota, de Anton Tchekhov (1860-1904), Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams (1911-1983), e Fala Baixo, Senão Eu Grito, obra inaugural da dramaturga paulista Leilah Assumpção, encenada em 1969.
Como forma de se conectar a Vânia, Marta e Sérgio estabelecem um jogo para acessar as memórias da protagonista através destas peças. “Mas A Palma é uma fábula com começo, meio e fim porque sinto falta deste teatro apoiado em situação abstratas e ficcionais”, diz Martins, descartando a metalinguagem. “Queremos desconectar o público do mundo lá fora e eliminamos microfones, projeções ou elementos tecnológicos para apostar em um lugar analógico do teatro.”
Aos 41 anos, Martins estreia como diretor teatral, depois de ter assinado shows das cantoras Alice Caymmi, Mariana de Moraes e Tulipa Ruiz. Como ator, integrou o Teatro Oficina de Zé Celso Martinez Corrêa (1937-2023) entre 2002 e 2012 e participou das montagens de O Duelo (2013) e Na Selva das Cidades – Em Obras (2016), dirigidas respectivamente por Georgette Fadel e Cibele Forjaz. “Já passei por tantas escolas que procuro uma linguagem própria em cima destas experiências minhas e dos demais artistas”, conta Martins. “A diversificação de funções é mais que uma saída, é uma inteligência para não ficar na dependência de um só tipo de tarefa.”
Se Martins descobriu o teatro pelas mãos de Zé Celso, Gilda faz questão de salientar que seu mestre é o diretor Antunes Filho (1929-2019). “Aprendi as ferramentas que tenho com ele, das mais óbvias, como voz, corpo e interpretação de texto, até desenvolver um senso crítico e sensibilidade para me expressar”, afirma a atriz, que integrou o CPT (Centro de Pesquisa Teatral) entre 1996 e 2003. “Posso considerar a entrada no CPT como um novo começo de carreira porque ali zerei tudo o que tinha feito antes.”
Mas foi no cinema que Gilda alcançou o seu diferencial. Pelo mesmo Marco Dutra, de Enterre Seus Mortos, ela foi dirigida nos longas Trabalhar Cansa (2011), Quando Eu Era Vivo (2014), As Boas Maneiras (2018) e Todos os Mortos (2020). A projeção nas telas rendeu convites para as séries do streaming como Zé do Caixão (2015), Assédio (2018), Cidade Invisível (2023) e Desejos S.A. (2024).
Do teatro, a artista não arreda pé e, entre seus últimos trabalhos, estão a ópera O Olhar de Judith, encenada pelo belga Wouter Van Looy no Theatro Municipal de São Paulo em julho do ano passado, e a peça Serra Pelada, escrita e dirigida por Alexandre Dal Farra, que ocupou o Teatro de Arena Eugênio Kusnet no começo deste ano. “É o teatro que me leva para outros veículos, então eu faço uma peça por ano, talvez duas, nenhuma jamais.”
Mesmo diante de tanta atividade, a artista não nega que se identifica com as fragilidades que abalam Vânia Souto, a sua atual personagem. “Tenho essa confluência com ela que me angustia por ter o valor medido em um lugar que nem sempre é de reconhecimento”, revela. “Eu sou a frustração entre a atriz que sonhei ser e aquela que espera que muitas coisas ainda se concretizem, o que depois de um certo tempo, se persistir, pode virar um carimbo de loucura.”
Serviço
A Palma
Instituto Cultural Capobianco. Rua Álvaro de Carvalho, 97
Sexta e sábado, 20h. Domingo, 18h. R$ 30
Até 21 de dezembro (estreia 21 de novembro – a temporada será retomada entre 16 de janeiro e 1º de fevereiro)
