canal teatro mf logo

O melhor do teatro está aqui

Search

Clara Carvalho dirige “Hedda Gabler”, peça com uma das personagens mais enigmáticas de Ibsen

Sinopse

Espetáculo montado no Auditório do Masp revela o mal-estar existencial da mulher do final do século XIX e de sua busca por um lugar dentro da opressiva sociedade patriarcal

Por Ubiratan Brasil

O dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) sempre foi interessado em transpor para o teatro dramas reais. Com isso, suas peças se tornaram um exemplo pioneiro do realismo nos palcos. Na verdade, Ibsen foi um dos primeiros a retratar o profundo mal-estar e a opressão das mulheres na sociedade de seu tempo. Criou assim personagens femininos marcantes como Nora (de Casa de Bonecas) e, principalmente, Hedda Gabler, cuja peça de mesmo nome estreia no Auditório do Masp nesta sexta-feira, dia 28.

“Hedda é uma das mais fascinantes personagens de Ibsen”, comenta Clara Carvalho, diretora da montagem. “Isso porque ela se afunda na mediocridade que cria para si mesma.” De fato, ao contrário de Nora Helmer, de Casa de Bonecas, que abandona o marido e os três filhos para viver longe do claustrofóbico lar, partindo para a realização pessoal, Hedda tem um destino trágico ao ser vítima da própria tentativa de dominar seu destino.

Carlos de Niggro, Karen Coelho e Guilherme Gosrki em Hedda Gabler. Foto Ronaldo Gutierrez

Escrita em 1890, a peça acompanha a trajetória de Hedda (Karen Coelho), filha do general Gabler, que morreu sem deixar herança. “Apenas um piano, um quadro, duas pistolas e a arrogância”, observa Clara. A solução é se casar com Jorgen Tesman (Guilherme Gorski), que se endivida para comprar uma casa confortável na esperança de confirmar sua nomeação na universidade, que vai lhe trazer tranquilidade financeira.

Tesman, no entanto, precisará competir pelo posto com Eilert Lovborg (Carlos de Niggro), antigo admirador de Hedda, que é conhecido por seu talento, mas também por beber demais. Mantendo-se sóbrio nos últimos tempos, Lovborg se dedica a um livro que promete ser a sensação editorial da época, escrito com a discreta colaboração de Thea Elvsted (Mariana Leme), que é apaixonada por ele.

Mariana Leme e Karen Coelho em Hedda Gabler. Foto Ronaldo Gutierrez

Hedda é claramente uma mulher insatisfeita. Despreza a ingenuidade do marido, especialmente no cuidado que ele dedica à tia Juliane Tesman (Chris Couto). Sofre ainda ao descobrir que está grávida. Também resiste ao aceitar o triângulo amoroso proposto pelo Juiz Brack (Sergio Mastropasqua), cuja habilidade em manobrar as situações a deixa refém de seus interesses.

“Ela é convencional demais para bater a porta e sair do casamento (como Nora, de Casa de Bonecas) ou aceitar o triângulo amoroso proposto pelo Juiz Brack, por considerar o adultério uma condição vulgar; mas também é inquieta: rejeita sua gravidez e não suporta a vida conjugal com um homem que considera medíocre”, ressalta Clara, que vê Nora como uma mulher dona de um sarcasmo impiedoso e disposta a manipular o jogo patriarcal, mas diante de uma vida sem nenhum prazer, se vê encurralada.

Hedda Gabler não tem qualquer ideia de ordem moral, tem apenas ideias românticas. É tipicamente uma personagem do século XIX, perdida entre ideais que não se lhe impõem e realidades que ainda não descobriu. O resultado é que, embora dotada de imaginação e de um imenso apetite de beleza, ela não tem consciência nem convicção”, escreveu outro grande dramaturgo, o irlandês George Bernard Shaw (1856-1950), que ajudou a traduzir a obra de Ibsen para a língua inglesa e, assim, facilitar sua divulgação mundial. “Apesar de toda sua inteligência, energia e fascínio pessoal, ela não deixa de ser uma pessoa mesquinha, invejosa, arrogante, cruel em seu protesto contra a felicidade alheia, diabólica em seu desprezo pelas pessoas e situações que vão de encontro a seu senso artístico, uma reação brutal contra sua própria covardia.”

Chris Couto e Guilherme Gosrki em Hedda Gabler. Foto Ronaldo Gutierrez

Ainda que ambientada na cidade de Cristiânia (atualmente Oslo, capital da Noruega) no final do século 19, a peça ganha contornos contemporâneos por meio de cenário de Chris Aizner (a fachada de uma casa burguesa da época, cercada por um jardim) e elegantes figurinos de Marichilene Artisevskis. A trilha sonora, de Gregory Slivar, é executada ao vivo com instrumentos como piano, teclado, violoncelo, entre outros. Ele conta com a valiosa contribuição da atriz Nábia Villela, que interpreta a criada Berthe. Além de acompanhar atentamente todos os fatos da peça enquanto faz tricô no canto do palco, ela utiliza o canto para marcar as mudanças de cena – Nábia é conhecida intérprete do teatro musical.

“Ibsen foi o fundador do drama moderno. Foi ele quem estabeleceu a peça realista em prosa e fez do teatro um fórum de debates de assuntos polêmicos como a condição da mulher na sociedade, a corrupção, reformas políticas e a eutanásia. Ele expandiu os limites da ‘peça bem-feita’ da tradição francesa, rompeu com clichês do melodrama e das tramas de simples entretenimento. Ele se dizia mais um arquiteto do que um dramaturgo, porque suas peças apresentavam e explodiam a casa burguesa da segunda metade do século 19. Seus títulos recorrentemente remetiam a construções: Os Pilares da Sociedade, Casa de Bonecas, Solness, o Construtor, Rosmersholm, apresentam construções aparentemente sólidas que vão sendo, ato a ato, demolidas”, enfatiza Clara, que soma agora três peças de Ibsen em sua carreira – nas duas primeiras, Espectros (2011) com direção de Francisco Medeiros, e Um Inimigo do Povo (2022), de José Fernando Peixoto de Azevedo, esteve como atriz.

Serviço

Hedda Gabler

Auditório do Masp. Av. Paulista, 1578

Sextas e sábados, 20h. Domingos, 18h.  R$ 80

Até 25 de agosto

[acf_release]
[acf_link_para_comprar]

Ficha Técnica

[acf_ficha_tecnica]

Serviço

[acf_servico]