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Cia do Tijolo encena fábula que mostra o poder da literatura diante da miséria social

Sinopse

No Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, coletivo apresenta “Guará Vermelha”, peça com três horas de duração inspirada na obra de Maria Valéria Rezende

Por Ubiratan Brasil*

São José do Rio Preto – Guará vermelha é uma ave com penas de cor vibrante, fruto da ingestão de caranguejos vermelhos que caça no mangue. Em cativeiro, a ave perde, aos poucos, sua coloração se não alimentada de forma correta. “É como nós, que vamos nos tornamos o que vamos digerindo, de um jeito ou de outro, de todas as maneiras, por esses caminhos”, afirma Karen Menatti, que atua, junto com a Cia do Tijolo, no espetáculo Guará Vermelha, um dos destaques do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, que termina no dia 27.

A peça é uma adaptação do romance O voo da guará vermelha, de Maria Valéria Rezende, missionária ligada à Teologia da Libertação, hoje com 81 anos. Trata-se de uma fábula de três horas de duração sobre o poder da literatura diante da miséria social. Karen vive Irene, prostituta que trabalha arduamente para ganhar o suficiente para pagar uma mulher que cuida de seu filho pequeno.

Cena de Guará Vermelha, da Cia do Tijolo. Foto Gean Carlo Seno

No seu caminho, cruza Rosálio (Rodrigo Mercadante), homem analfabeto que cresce sem pai nem mãe, enfrentando as escassas oportunidades que a sociedade capitalista guarda para os que nem documentos têm. Sua missão é aprender a ler e escrever para então ser reconhecido como cidadão, ou seja, ter a oportunidade de tirar documentos. Curiosamente, vaga pelo mundo com uma mala carregada de livros, especialmente Dom Quixote, de Cervantes, que será o primeiro a ser lido quando então estiver alfabetizado.

Irene e Rosálio vivem de histórias – ela acumula na dureza da vida com a troca incessante de parceiros; ele, embora analfabeto, se revela um exímio contador, entretendo as pessoas por onde passa. Ambos são como Sherazade, personagem de As Mil e Uma Noites, clássico da literatura árabe, a mulher que adia a própria morte planejada por um sultão ao prolongar uma história contada a ele noites a fio.

Karen Menatti em Guará Vermelha. Foto Cia do Tijolo

“Vejo Rosálio e Irene como pessoas que foram vistas, enxergadas, e que vão recebendo contorno de existência através do outro ser e da própria palavra e da própria história”, continua Karen, em texto publicado no blog da Cia do Tijolo. “As palavras, a língua mãe são o elo. Os oprimidos aqui não sonham opressores, sonham-se sim seres possíveis em um jogo de afeto explicitamente político e poderoso.”

Irene ensina Rosálio a ler, enquanto perece de uma doença adquirida no trabalho com sexo sem proteção. Duas vidas marcadas pelo desamparo econômico e social, que se escoram mutuamente. Ambos são personagens críveis, criados por Maria Valéria Rezende a partir de seu trabalho com os grupos populares, movimentos sindicais e luta pela moradia e por água.

A epopeia de Irene e Rosálio em Guará Vermelha é dirigida por Dinho Lima Flor, que também participa do elenco ao lado de Odilia Nunes, Thaís Pimpão, Vera Lamy, Artur Mattar, Lucas Vedovoto, Mayara Baptista/Ana Maria Carvalho e Danilo Nonato. Em cena, eles constroem uma teatralidade em que o sonho está em constante conflito com a realidade, entre o que se quer muitas vezes é derrubado pelo pouco que se pode.

Cena de Guará Vermelha em que elenco homenageia Lizette Negreiros. Foto Cia do Tijolo

Durante três horas, os atores são acompanhados pelos músicos Jonathan Silva, Maurício Damasceno, Marcos Coin e Nanda Guedes/Dicinho Areias para se transformarem em um coletivo, tijolos que formam uma construção, para mostrar o caminho que leva à tão sonhada mudança social, por meio de uma educação libertadora, que é transmitida de um a um.

Ao final, além de reverenciar o diretor Ilo Krugli (1930-2019) que os influenciou e também muitos outros artistas nacionais, o elenco presta uma justa homenagem a Lizette Negreiros (1940-2022), atriz considerada uma referência no teatro, em especial o afro-brasileiro. Ilo e Lizette foram dois artistas que sabiam que perguntar, ouvir, contar são gestos que permitem duas solidões se tocarem.

*O repórter viajou a convite da produção do festival

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