Correspondência amorosa entre uma dona de casa e um condenado por esquartejar mais de quarenta mulheres evidencia o obscuro que há nas dinâmicas de poder das relações afetivas
Por Redação Canal Teatro MF
Na série Elize Matsunaga – Era uma vez um crime, exibida pela Netflix, acompanhamos os detalhes do assassinato cometido por uma mulher que mata e esquarteja o marido. Já em O Maníaco do Parque (Prime Video), Silvero Pereira interpreta um serial killer que mata várias mulheres nos anos 1990. Ambas são inspiradas em histórias reais e aconteceram no Brasil.
Esse gênero de não ficção tem sido bastante explorado, apresentando crimes brutais, com muita crueldade e exposição de cenas violentas. Além de explorar o ponto de vista dos criminosos, essas produções frequentemente humanizam as vítimas, mostrando suas trajetórias e as complexidades emocionais envolvidas.
O que as séries e filmes tem revelado à distância, o espetáculo Cartas da Prisão, em cartaz no Sesc Pompéia, propõe uma lente de aproximação, um detalhamento da vida das personagens. E faz isso por meio de 250 cartas que são encontradas debaixo do colchão numa penitenciária de segurança máxima em São Paulo.
Elas revelam a correspondência amorosa entre uma dona de casa e um psicopata condenado por esquartejar mais de 40 mulheres. No palco, a atriz Chica Portugal dá vida a cinco diferentes mulheres que se relacionam com homens presos, expondo os abusos enfrentados por mulheres que, por gerações, foram educadas a serem reféns do ideal de amor romântico.
“O espetáculo nos convida a ver de perto a complexa relação entre violência, medo, patriarcado e dependência emocional, ao mesmo tempo em que questiona os perigos de romantizar relações abusivas. Afinal, em quantas dessas histórias, as vítimas não estavam apaixonadas por seus algozes?”, questiona Bruno Kott, diretor do espetáculo.
A dramaturgia, assinada por Nanna de Castro, rompe propositalmente o limite entre realidade e ficção ao transitar entre depoimentos verdadeiros e fictícios, entre o noticiário e o poético. Isso é feito pela presença de uma atriz-perfomer que conduz o público em uma jornada psicológica e emocional por meio de sua pesquisa sobre relacionamentos abusivos para a partir daí, entrar no registro ficcional por meio das cartas encontradas. O espetáculo cria camadas de realidade e ficção, com relatos da personagem que traz lembranças da sua infância, expondo o abusivo relacionamento que sua mãe vivenciou com seu pai.
“Dentre as facetas das relações abusivas, sempre me intrigou as mulheres que se correspondem com criminosos sexuais confessos na prisão. É comum que assassinos recebam centenas de cartas de amor de mulheres que os conhecem apenas pelo noticiário. É como se o abuso fosse não apenas aceito, perdoado, mas acolhido. Não quero e não posso julgar estas mulheres, apenas convidar o público a partir desta situação extrema e refletir sobre nossa convivência com a violência e o desrespeito não apenas no nível pessoal, mas social”, acrescenta a dramaturga.
Com esse caleidoscópio de disparadores estruturantes da dramaturgia, Cartas da Prisão propõe problematizar o obscuro que há nas dinâmicas de poder das relações e qual o papel que cada um desempenha nesse ciclo de violência.
Serviço
Cartas da Prisão
Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93
Terça a sexta, 20h30 (no feriado de 15/11, o espetáculo será às 17h30). R$ 50
Até 15 de novembro (estreou 5 de novembro)