O melhor do teatro está aqui

1

Carolina Manica discute crise de identidade provocada pelas redes sociais em “Na Sala dos Espelhos”

Sinopse

Atriz protagoniza, no Sesc Ipiranga, o solo dirigido por Michelle Ferreira e Maíra de Grandi com base nos quadrinhos da sueca Liv Strömquist 

Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 6 de novembro de 2025)

Desde cedo, a atriz e produtora Carolina Manica, de 44 anos, aprendeu o valor de usar a imaginação. Criada em Estrela, cidade do Rio Grande do Sul com 30 mil habitantes, ela recorre ao breu como metáfora para falar de coisas que precisamos enxergar mesmo não sendo óbvias ou acessíveis – algo difícil de ser compreendido por aqueles que sempre viveram em uma metrópole e ainda mais no século XXI. “Morar em um lugar tão pequeno me abriu uma possibilidade de observação fundamental porque lá eu não tinha mil opções de lazer e criei o meu mundo” afirma a artista, que cresceu em uma época sem internet.

Com duas décadas de carreira na cena paulistana, Carolina olha para trás grata ao tempo. O sonho distante de ser uma artista se tornou realidade, e ela aproveita para levar ao palco temas inquietantes para si mesma em busca de ampla comunicação. A ditadura da imagem em meio ao domínio das redes sociais é uma das provocações de Na Sala dos Espelhos, solo adaptado e dirigido por Michelle Ferreira e Maíra de Grandi a partir da história em quadrinhos homônima da sueca Liv Strömquist, que estreia nesta sexta, 7, no Auditório do Sesc Ipiranga. “Como artista, desenvolvo um olhar atento sobre o que é pertinente e me desafia essa questão de pensar quem somos além da rede social”, salienta. “Fomos dominados pelo algoritmo, e essa dopamina, além de atrofiar o cérebro, nos fez perder o espaço da contemplação que é tão importante.”

Carolina Manica em cena do espetáculo Na Sala dos Espelhos. Foto Paulo Vainer

Com quatro livros publicados no Brasil, Liv Strömquist é uma pensadora do feminismo na contemporaneidade. Como mãe de uma pré-adolescente de 11 anos, Carolina percebeu o quanto os padrões disseminados pela internet influenciam nas construções de autoestima e sociabilidade dos jovens, teses defendidas pela autora.

Sua filha, Floria, tem o próprio celular há um ano e visita as redes monitorada pela mãe. A atriz, porém, reconhece que deve lidar com um paradoxo. É impossível controlar tudo o que a menina vê e, ao mesmo tempo, não pode privá-la de ter o seu aparelho, igual a todos os amigos da escola. “Não podemos guardar nossos filhos em uma redoma e esta é uma importante ferramenta de convivência e sociabilização”, declara. “A solução é priorizar o diálogo e abrir a escuta para antes do ‘não’ levantar questões de ‘como’ e ‘por quê’.”

A protagonista de Na Sala dos Espelhos é uma mãe solo que educa uma filha neste mundo viciado em padrões. Longe do politicamente correto, a personagem reflete sobre a tirania da imagem capaz de travar corpos e desejos. Carolina reconhece que os reflexos de idealização sempre existiram e atravessam gerações. Nas décadas de 1970 e 1980, eram as protagonistas das novelas de televisão que despertavam a admiração coletiva, enquanto nos anos de 1990, foi a vez de as modelos estamparem capas de revistas e globalizarem um físico incompatível com a natureza da mulher brasileira.

“Cada tempo tem seu espelho, mas hoje acessamos ferramentas de informações para pensar além do que nos é imposto e fugir dessa extrema opressão”, observa. “Eu sou a favor da rede social como elemento de expansão e não de redução do universo, só que o problema é quando você se limita a validação de um like.”  

Na Sala dos Espelhos, com Carolina Manica, é inspirada nos quadrinhos de Liv Strömquist. Foto Paulo Vainer

Se Carolina fosse se guiar pelos outros, o seu destino teria sido bem diferente do que aquele construído. Aos 17 anos, ela deixou Estrela para cursar duas faculdades simultaneamente em Porto Alegre, direito e jornalismo. Trabalhou em emissoras de televisão locais, viu que o sonho de ser artista não era tão absurdo e, no último semestre das duas graduações, largou tudo e se mudou para São Paulo sem formatura ou diploma.

Era 2005, e a garota, que não conhecia ninguém na nova cidade, entendeu a necessidade de andar com as próprias pernas e conhecer gente que pudesse somar como uma nova turma. Fez uma formação profissionalizante em artes cênicas no Senac, frequentou os cursos do Grupo Tapa, do coreógrafo Sandro Borelli, do diretor Roberto Lage e um workshop com o dramaturgo e encenador Gerald Thomas no Sesc Avenida Paulista que define como uma aula de vanguarda. “Gerald montou com a gente uma blognovela, Kepler, O Cão que Ofende Mulheres, transmitida pela internet e, em 2008, isto era impensável”, lembra.  

Um de seus mais fortes parceiros é o dramaturgo e diretor Mário Bortolotto, autor da primeira peça produzida por Carolina, em 2009. O espetáculo Brutal, que estreou no Espaço Parlapatões, na Praça Roosevelt, reuniu sete atores e atrizes, como Martha Nowill, Maria Manoella e Laerte Mello, e, de cara, veio a experiência de administrar equipes grandes e heterogêneas. 

Dez anos depois, em 2019, ela voltou a trabalhar com Bortolotto, desta vez com ele dirigindo a peça Três Mudanças, comédia dramática do americano Nick Silver, em que a atriz e produtora contracenou com os atores Nilton Bicudo e Bruno Guida, entre outros. “Aprendi com o Mário que fazer teatro é não se moldar ou ficar à mercê do olhar dos outros porque isso mina a essência do artista”, diz ela, que chega agora a sua sexta produção.

Na Sala dos Espelhos entra em cartaz nesta semana, e Carolina já tem projetos em andamento para o ano que vem, entre eles uma peça infantil. A novidade é a estreia como diretora em O Caso Lorena, peça escrita e protagonizada pela atriz Julia Ianina, uma amiga que reencontrou nas gravações da série Vale dos Esquecidos, da HBO, em 2021. “O mundo é muito grande para a gente ficar em busca da validação de quem nem sabemos quem é”, reforça. “Eu vi que era preciso criar o meu espaço, é bastante duro às vezes, mas é assim que sigo fazendo, como se fosse um vício.”

Serviço

Na Sala dos Espelhos

Auditório do Sesc Ipiranga. Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga

Sexta, 21h30; sábado e domingo, 18h30. R$ 50

Até dia 30 de novembro (estreia em 7 de novembro)

[acf_release]
[acf_link_para_comprar]

Ficha Técnica

[acf_ficha_tecnica]

Serviço

[acf_servico]